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MAJOR MIGUEL GARCIA - DOUTRINADORES DA SUBVERSÃO (2)
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3. Doutrinadores contemporâneos da subversão
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Podemos considerar que Marx, Engels, Lenine, Estaline e Mão Tse Tung, constituiram verdadeiras escolas, são fundadores doutrinários de ramos autónomos ou, por vezes de tronco comum da teoria da guerra revolucionária. Originaram seguidores que se preocuparam com a aplicação prática das suas doutrinas a conjunturas definidas temporal e espacialmente. Estes preocuparam-se essencialmente com a teoria da guerrilha e deles safientamos o General Vo Nguyen Giap, "Che" Guevara e Regis Debray, entre outros de menor importância.
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3.1 - Lenine
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A teoria de V. I. Lenine sobre a guerra revolucionária, apesar de coerente na sua fornulação, encontra-se dispersa por diversos escritos.
Em síntese, tentaremos sistematizar a sua contribuição neste domínio a nível mundial e, em particular para a Guerra desenvolvida entre 1963/1974 na Guiné Bissau.
Lenine como Clausewitz diz, "(…) a guerra é a continuaçâo da polífica por outros meios" (a saber: pela violência) (129) mas, enquanto Clausewitz considera como política apenas a política do Estado, isto é, a política do grupo dirigente que defende os interesses da classe dominante, para Lenine, a política é antes de mais a relação entre classes, mais propriamente a sua luta.
Desta forma para Lenine, "(…) as guerras são inevitáveis, enquanto a sociedade estiver dividida em classes, enquanto existir a exploração do Homem pelo Homem (…)" (130), ou seja, os socialistas compreendiam "(…) a ligação inevitável entre as guerras e a luta de classes no interior do país(…)" uma vez que "(…) é impossível suprimir as guerras sem suprimir as classes e sem instaurar o socialismo (…)" (131). Na Guiné-Bissau, a luta desencadeou-se também segundo este pressuposto, o acabar com a exploração imperialista e colonialista, levada a cabo pela Administração portuguesa e instaurar uma designada Democracia revolucionária de cariz marxista/leninista.
Cabral, considerava que "(…) para os movimentos de libertação nacional, cuja tarefa é fazer a revolução, modificando radicalmente, pelas vias mais adequadas, a situação económica, política, social e cultural dos seus povos, o pensamento e acção de Lenine têm um interesse especial (…)" (132) e acrescenta que era desejável "(…) que independentemente das suas tendências ou opções políticas, os autênticos movimentos de libertação possam beber nas lições e no exemplo de Lenine a inspiração necessária para o seu pensamento, para a sua acção e para o comportamento moral e intelectual dos seus dirigentes (…)" (133).
Para Cabral, a luta do seu povo contra o imperialismo opressor era legítima, visava restabelecer a legalidade internacional. Lenine considerava legítimas as guerras "(…) da classe oprimida contra a classe dos opressores (…)" (134) e, assim como qualquer socialista desejava a vitória "(…) dos Estados oprimidos, dependentes, lesados nos seus direitos, sobre as «grandes» potências opressoras, esclavagistas, espoliadoras (…)" (135); razão pelo que todos os Estados do Bloco Leste auxiliavam directa/indirectamente os movimentos independentistas do antigo ultramar Português.
De acordo com o PA1GC, a luta armada só foi desencadeado porque a Administração Portuguesa se recusou a negociar; justificativo encontrado também em Lenine, para quem, se a proposta de paz democrática fosse recusada, se nenhum dos Estados beligerantes aceitasse sequer o armistício, “(…) então para nós a guerra será verdadeiramente uma guerra imposta, uma guerra verdadeiramente justa, uma guerra defensiva (... ) a guerra será então da nossa parte, não em palavras, mas de facto uma guerra feita em alianças com as classes oprimidas de todos os países, em aliança com os povos oprimidos do mundo inteiro (…)" (136) internacionalizando assim a revolução. Foi de facto o que aconteceu nas antigas Províncias Ultramarinas Portuguesas, onde grande parte do apoio externo foi prestado por países que foram antigas colónias e se consideravam na mesma circunstância de explorados, aliás esse o espírito da própria Carta da OUA.
A afirmação de Lenine de “(…) Desenvolver a consciência das massas continua a ser, como sempre, a base e o conteúdo principal do nosso trabalho (…)” (137), aplicou-se na perfeição em Angola, Moçambique e Guiné, pois para a luta armada ser desenvolvida, os “movimentos de libertação” necessitavam de efectuar um eficiente aliciamento e posterior mobilização para os seus quadros.
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3.2. Mao Tse Tung
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As teses de Mao foram desenvolvidas ao longo de diversos anos, encontrando-se portanto dispersas em diversas obras; no âmbito do presente trabalho interessa referir apenas e em síntese, a teoria que diz respeito à guerra revolucionária. Desta forma a nossa referência a Mao Tse Tung cinge-se basicamente à obra "Seis Artigos Militares do Presidente Mao Tse Tung" (138).
Com Mao, é dada expressão estratégica à cultura chinesa apoiada naquilo que na China se chama o "Cânon Militar" e que se baseia nos treze capítulos da Arte da Guerra de Sun Tzu e nos seus comentadores (139). Assim acreditamos que Mao Tse Tung levou a efeito com sucesso espectacular (benificiando da secular cultura chinêsa, transmitida ao longo de gerações por caracteres idiográficos) uma guerra revolucionária de componente idiológica (140).
Para Mao, a guerra começou com o aparecimento da propriedade privada e das classes, considerada a "(…) forma suprema da luta para resolver contradições(…)” (141) como a forma suprema de luta entre Estados, classes ou grupos político (142). A guerra revolucionária, que têm as suas condições e natureza própria está submetida não só às leis gerais, mas também às leis específicas, sendo necessário conhecer essas leis para se poder conduzir este tipo de guerra, e vencer (143). Mao considerava que esse conhecimento advinha do estudo da guerra no seu todo que por sua vez "(…) é tarefa da estratégia. Estudar as leis de condução das acções militares como parte de uma guerra é tarefa da ciência das campanhas ou da táctica(…)" (144).
Por forma a habilitar os seus elementos a fazerem a guerra revolucionária e alcançarem a vitória, os movimentos independentistas enviavam elementos para frequentarem cursos na China Popular, na União Soviética e Cuba, entre outros; no entanto Cabral refere "Ninguém (... ) comete o erro de aplicar cegamente as experiências dos outros no seu próprio país (... ) tivémos de tomar em consideração as condições do nosso próprio país (…)” (145).
Mao escreveu "(…) Nós somos pelas guerras justas e contra as guerras injustas. Todas as guerras contra-revolucionárias são injustas, todas as guerras revolucionárias são justas (…)" (146) aqui, Cabral segue a ideologia maoista, uma vez que considerava a luta armada anti-colonial era uma guerra justa e razoável (147) e para suprimir qualquer guerra, bastava opor-lhe outra guerra, assim em África, à guerra contra-revolucionária opunha-se uma guerra revolucionária.
Outra tese de Mao com aplicação na subversão, neste caso armada, será a de que a guerrilha, na guerra de resistência representa um papel auxiliar: "(…) Na guerra de resistência considerada no seu conjunto, a guerra regular desempenha um papel principal e a guerra de guerrilhas o papel auxiliar, pois só a guerra regular decidirá o resultado final (…)" (148). Uma vez que consideramos que as acções do PAIGC foram decalcados das teorias de Mao, este movimento independentista criou as FARP e também comportavam a guerrilha. Estas Forças Armadas, desenvolviam acções de guerra convencional, havendo informações de inclusivamente possuírem apoio aéreo prestado por helicóptero.
Tal como Sun Tzu, Clausewitz e Lenine, para Mao "(…) a guerra é política e é, em si mesma um acto político (…)" (149) mas pode ter objectivos extra-políticos como "(…) conservar as suas próprias forças e destruir as do inimigo (…)"(destruir o inimigo significa desarmá-lo ou privá-lo da capacidade de resistir, não , destruir fisicamente todas as suas forças) (150).
Considera como princípios mais importantes para atingir o objectivo de conservação e ampliação das nossas forças e destruição do inimigo (151):
- Iniciativa, flexibilidade e plano;
- coordenação com a guerra regular;
- criação de bases de apoio;
- defensiva estratégica e ofensiva estratégica;
- desenvolvimento da guerra de guerrilhas em guerra de movimento;
- relações justas de comando.
Mas, se o objectivo da guerra é "(…) conservar as próprias forças e destruir o inimigo (…)" (base de todos os princípios militares) (152) tal deve ser conseguido pelo ataque, mas não descorando nunca a defesa (153) uma vez que há "(…) Contínua mudança na diferença entre as forças em presença (…)” (154).
Quando o inimigo se encontra "(…) numa posição de relativa superioridade e nós numa posição de relativa inferioridade. De ambos os lados, a força e a fraqueza, a superioridade e a inferioridade, nunca foram absolutas (…)" (155); como tal Mao cita Sun Tzu, "(…) conhece o teu adversário e conhece-te a ti próprio, que poderás sem risco travar um cento de batalhas (…)", realçamos aqui mais uma vez a necessidade de um serviço de informações, pois, "(…) os erros resultam da ignorância do inimigo e sobre nós próprios (…)" (156).
Nas obras de Mao, o homem emerge como factor decisivo na guerra, as armas desempenham o seu papel importante mas não decisivo, são os Homens com a sua inteligência directora que mais importam, "(…) é o próprio homem que exerce um papel dinâmico consciente (...) a vitória ou, a derrota, na guerra é decidida pelas condições militares, políticas, (…), mas não é apenas isso que decide (…) para decidir do resultado é necessário ainda que se façam esforços subjectivos, nomeadamente a direcção e a realização da guerra (…)" e acrescenta, se indo o espírito de controlo da vitória de Sun Tzu , "(…) Nós não queremos que os nossos comandantes na guerra se desliguem das condições objectivas, convertendo-se em temerários que golpeiam a torto e a direito, (…) não só a coragem para esmagar o inimigo, mas também a habilidade para permanecerem senhores da situação no meio de todas as modificações e vicissitudes da guerra (…)" (157).
A tese maoista da guerra prolongada é constituída por três períodos:
O 1º é ofensivo estratégico do exército governamental e de defensiva estratégica dos guerrilheiros. Caracteriza-se pela superioridade de forças do exército regular, com boa moral nas suas fileiras, sendo que os elementos da guerrilha devem sempre que necessário efectuar retiradas defensivas, bem como acções de doutrinação popular e de sabotagem. Esta fase é por nós considerada como a primeira e segunda fase de desenvolvimento da guerra subversiva/revolucionária, em que a mobilizaçâo da população é uma constante, além do mais, aqui podemos considerar outra tese de Mao, a da mobilização Política e Nacional em qualquer guerra revolucionária, sendo que "(…) a mobilização firme e em grande escala do povo é o único processo de assegurar uma fonte inesgotável de recursos para responder a todas as exigências da guerra (…)" (158). Esta mobilização seria política e consiste em explicar ao povo o objectivo político da guerra, em segundo lugar, apresentar um programa político, e mobilizar por palavras, jornais, panfletos, etc. (159-140).
O 2º período da guerra prolongada é o do equilíbrio estratégico, ou seja, o exército regular começa a ser detido por acção da subversão armada, nele deveria ser empenhado o esforço para obtenção de um crescente apoio internacional para a guerrilha e, as posições das forças governamentais devem ser condenadas de modo a conseguir o seu isolamento. Assim "(…) na segunda fase da luta, a luta será escarniçada e essas régiões hão-de sofrer sérias destruições (…)”. Contudo a guerra de guerrilhas vencerá e, se for bem conduzida, o inimigo apenas poderá reter 1/3 dos territórios que ocupa, ficando os outros 2/3 em nosso poder (…)" (160). Atente-se que, curiosamente, esta era a área percentual do território da Guiné, que o PAIGC dizia ter como área libertada.
O 3º período seria caracterizado pela contra ofensiva, ou seja, a máquina subversiva acciona um exército que procura dominar todo o território e expulsar o exército que se lhes opõe.
Consideramos assim que Mao foi inovador, constituiu escola, pois a prática da sua doutrina fugia aos termos clássicos do emprego e mesmo estudo das Forças Armadas, criou um tipo novo de envolvimento e de participação social na subversão armada (161) e confirma-se que é uma realidade a sua influência na luta pela independência desencadeada nomeadamente pelo PAIGC e pela FRELIMO.
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3.3 Vo Nguyen Giap
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Giap não só teorizou e concretizou, com êxito que nos parece indiscutível, a aplicação dos ensinamentos de Mao à situação vietnamita; como também desempenhou um papel importante, como suporte teórico para alguns movimentos independentistas por todo o terceiro mundo.
Nomeadamente, na Guiné Bissau, como podemos constatar pela exposição feita por dois elementos do PAIGC a 25 de Março de 1974 em Argel, no decorrer do XXIV Congresso Internacional de Sociologia:" (…) face à létat de violence permanente que Ia domination impérialiste implique, Ia libération nationale passe normalement par Ia lutte anné (…)", comparam ainda o processo na Guiné Bissau ao do Vietname, sendo "(…) naturel que Ia théorie et Ia pratique du Vieth Minh aient constitue Ia source pnincipale d'lnspiration du projét révolutionaire en Guiné Bissau (…)", teoria e prática de Giap, claro está; contudo, na sequência lógica do General vietnamita, sabiam que "(…) il n'y a pas de módele unique dans Ia lutte de libération, pás de schéma pré-établi, et que l'accession à l'universalité des lois passe par l'apropriation des situations concrètes, spécifiques (…)” (162).
Giap dizia que a guerra de libertação no Vietname era uma guerra do povo, e que este se levantou com um só homem para defender a sua pátria. Desta forma iniciou-se uma guerra santa para libertação do país, sem contudo estar posta de parte a solução pacífica (163).
Para Giap, a aliança estreita das massas armadas revolucionárias e do exército confere a superioridade absoluta (164). Nesta óptica será pois necessário coordenar a luta armada com a luta política, criando uma força global, cujos métodos constituem uma arte militar específica165; além do mais, Giap considera a luta política como "(…) outre forme fumdamental de lutte, constitue Ia base du développement de Ia lutte armé et en même temps un mode d'ofensive contre l'ennemi. Elle mobilize et organize le peuple, l'armé au combat, en passant des formes mineurs au formes majeurs (…) (166).
Giap opõe-se à acção violenta prematura, às tendências que descuidam o trabalho quotidiano das massas trabalhadoras (167) devendo, sim, esperar-se o momento no qual a crise tenha atingido o seu ponto culminante (168). Imprescindível portanto, para Giap, a combinação das forças políticas com as forças armadas; tal é o conteúdo essencial da lei da violência revolucionária (169).
A estratégia e táctica da guerra do povo, é, na mesma linha de pensamento de Mao Tse Tung, uma estratégia de longa duração, e seguindo também as mesmas três fases preconizadas por este último (170).
A guerrilha é para o General, "(…) a guerra das massas populares de um país economicamente atrasado que se insurgem contra um exército de agressão fortemente equipado e bem treinado. Se o inimigo é forte, evita-se , se é fraco, ataca-se (…)" (171). Todavia, toda a guerrilha carece de uma base. Giap refere um conceito de "Base" que é abrangente e esclarecedor: "(…) um conjunto complexo de vilas intimamente ligadas, preparado para a defesa; uma população politicamente doutrinada, na qual mesmo as crianças têm a sua tarefa específica de informações; depósitos de armas e de víveres distribuídos segundo uma rede; uma máquina administrativa paralela à da autoridade legal, à qual podia ser aumentada, caso se desejasse qualquer unidade (militar) designada para operar na área (…)" (172). Este conceito de "base", pode-se dizer que teve aplicabilidade nos territórios de África, onde os movimentos independentistas doutrinaram a população sob seu controlo e procuravam desequilibrar a seu favor a população que se encontrava sob duplo controlo. Nesta ordem de ideias, nas “áreas libertadas” desenvolveram-se estruturas de enquadramento da população paralelas à da Administração Portuguesa.
A conquista das populações, alvo e terreno da subversão, foi área a que Giap se dedicou especialmente, procurava doutriná-la para conseguir destas uma atitude permanentemente hostil face aos ocidentais e, por outro lado de protecção e apoio aos guerrilheiros.
Por fim, salientamos que o factor fundamental para Giap é o "(…) factor político-moral, a moral dos quadros e combatentes, a consciência do exército quanto ao ideáf-revolucionário, ao objectivo da luta, ao fim político da guerra (…)" (173, p. 176 ). Armar as massas revolucionáfias). Mas, quanto ao factor moral, Giap relembra que durante a resistência aos Ming (note-se, muito antes das guerras sobre as quais Clausewitz reflecfira), Nguyên Trai dava grande importância à ofensiva psicológica, isto é, ao trabalho de agitação junto do inimigo e das tropas fantoches para os convencer a passarem-se para o seu campo. Esta táctica levou à rendição do adversário nas várias cidades num total de 100. 000 soldados inimigos (174).
Esta doutrina opõe-se a outra que genericamente podemos designar de modelo cubano que passaremos a expor.
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3.3 "Che" Guevara
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A vitória da revolução marxista nesta pequena, mas estrategicamente bem colocada ilha, serviu os desígnios da estratégia maximalista soviética. A partir deste enquistamento marxista no Continente americano, apoiado económica e logisticamente pelos países do Bloco de Leste, pôde exportar-se a revolução marxista/leninista para toda a América Latina e África. Além disso o modelo cubano serviu "(…) como figurino terceiro-mundista de concretizarão evidente (…)" (175).
A exportação da revolução, quanto ao antigos territórios africanos portugueses em África, traduziu-se nomeadamente num apoio em quadros técnicos e combatentes e, na formação de quadros. É o próprio Cabral que afirma "(…) Che Guevara escreveu um livro, um livro sobre a luta de guerrilhas serviu de base de experiência geral para a nossa própria luta (…)" (176).
O caso cubano, difere de todos os outros estudados, pois aqui a "praxis" precedeu a doutrina, ou seja, nasceram primeiro os processos revolucionários, e só mais tarde se procura a sua sistematização e o tratamento teórico da doutrina de justificação, união e desenvolvimento. É o próprio Guevara que define a revolução cubana como havendo tido o respectivo início como um movimento de massas, sustentando uma luta insurreccional sem a formação de um partido orgânico do proletariado (177), o papel da guerrilha foi, assim, o de elemento catalizador (178) "foco'' indutor.
Assim, Cabral estava em oposição à teoria Foquista criada por “Che” Guevara que consistia em desencadear a insurreição armada sem preparação política, esperando envolver as massas camponesas na luta pelo exemplo da atracção.
"Che" Guevara define três fases para a guerra de guerrilha, sendo que a 1ª fase da guerra de guerrilha nos seguintes moldes: "(…) Morde, foge, embusca, espia, toma a morder e foge de novo, e assim por diante, sem deixar descansar o adversário (…)" (179); nesta fase, o essencial para "(…) o guerrilheiro é não se deixar aniquilar (…)" (180). Segundo Amilcar Cabral, este esquema podia-se adaptar de certa forma ao caso guineense (181).
he”, tal como Mao e Giap, considera a guerrilha como uma simples fase da guerra que por si só não conduz à vitória, esta só resultará da acção de um exercito regular (182).
Para "Che" Guevara, as transformações radicais e aceleradas não são, nem nunca podem ser, maduras e previstas cientificamente em todos os seus detalhes, mas feitas de paixões de improvisação dos homens (183). A propósito das guerras convencionais (citando a linha Maginot, linha de Siegfried e o muro do Atlântico), Guevara comenta que, preparadas com antecedência em pontos ideais, não serviram, pois não se adaptaram à realidade do combate naquele momento (184).
"Che" Guevara, faz tal como Mao, da moral o factor praticamente decisivo, distinguindo nela, para o combatente, a intercomplementaridade dos sentidos ético e heroico:"( ... ) Por um lado o sentido da justiça da causa, por outro a impressão de se bater sem saber porquê determinavam as grandes diferenças entre os dois exércitos (…)" (185).
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3.4 Régis Debray
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Este filósofo francês, é quem "(…) mais conseguidamente desenvolve uma teoria de síntese doutrinária (…)” (186) do designado modelo cubano da guerrilha.
Debray escreveu diversas obras, mas apenas dedicaremos atenção a duas: a "Revolução na Revolução" (187), que em nosso entender não é mais do que uma compilação das mais importantes teses de "Che" Guevara; a segunda obra, a que faremos referência com especial atenção, será "A Crítica das Armas", onde se encontra sintetizada toda a conjuntura social, histórica, geopolítica, estratégica e mesmo doutrinária que influenciou o processo subversivo desencadeado na América do Sul.
Para Debray, o modelo "foquista" dos anos sessenta apresentava o processo revolucionário como duas linhas de actividade, desenvolvendo-se lado a lado nas cidades e na montanha. A primeira de predominância política, a segunda de predominância militar, reencontrando-se ambas por fim na insurreição generalizada (188); ou seja, o autor seguindo a mesma orientação de Clausewitz, escreveu que: "(…) a Guerra revolucionária é a continuação da política revolucionária por outros meios (…) (189), por outras palavras, o exército de libertação "(…) está ao serviço de uma política (…)" que por sua vez está "(…) ao serviço dos interesse económicas dos explorados (…)" (190). Esta situação passava-se nas antigas Províncias Ultramarinas portuguesas, uma vez que se considerava que o povo era explorado pelos colonialistas portugueses e, que foi forçado a entrar na luta armada. Sendo assim, houve continuação da política revolucionária através da guerra revolucionária.
O autor expressa de uma forma simples a dependência internacional da guerrilha, esta "(…) é importada de fora para as massas, como a consciência de classe é importada de fora pelos intelectuais burgueses, portadores da doutrina científica do socialismo (…)” (191). De igual forma, no antigo Ultramar Português, a doutrina foi importada por alguns intelectuais ocidentalizados, que conduziram os seus países à guerra revolucionária e à posterior independência, pois, também aqui, os camponeses eram incapazes, sozinhos, sem orientação, de “(…) passar da rebelião larvada ou do descontentamento latente à utilização consciente e dirigida da violência revolucionária (…)" (192) sendo necessária a intervenção de um elemento externo.
A contribuição internacional para a revolução política nacional é inevitável, esta por sua vez proporcionará a construção ou reconstrução económica, e, ao falar-se de terceiro mundo ou terceira posição estamos a "(…) Isolar o movimento histórico de «libertação nacional» da corrente socialista mundial (…)” (193), análise que consideramos ser correcta, uma vez que a guerra revolucionária parte de uma base marxista/leninista, e, nunca um movimento independentista revolucionário, por si só, poderia atingir as suas finalidades sem o apoio de países fomentadores dessa ideologia.
A importância do povo na guerra, tal como em Clausewitz ou Mao Tse Tung, é referida Debray: “(…) apenas a incorporação progressiva do povo na guerra permite à vanguarda combatente escapar ao esgotamento ou ao aniquilamento, apenas ela permite a extensão do combate em todas as suas modalidades (…)" (194) e, "(…) ou a guerrilha, na qualidade de organização política, se implanta profundamente entre as massas numa região precisa, ou vê-se condenada num prazo mais ou menos curto a desaparecer fisicamente como organização militar (…)" (195) sendo assim, a guerrilha deve ter uma composição camponesa, mesmo que inicialmente o não seja, deve apontar sempre nesse sentido.
A Propaganda "armada", a Apsic. e a agitação são referidas na obra "Revolução na Revolução", todas elas com a finalidade de aliciar a população, uma vez que a luta guerrilheira possuía motivos e fins políticos devia-se "(…) apoiar nas massas ou desaparecer, convencer as massas das suas boas intenções antes de envolvê-las directamente (…)” (196). Este objectivo será conseguido pelo trabalho de agitação e de propaganda por forma a explicar-se à população a nova organização e fazer passar às mãos de organizações de massas a administração da sua zona (197) para que assim a rebelião se tome de facto em guerra do povo. Mas se a guerrilha tem aspirações de ser uma guerra política total, deve possuir uma emissora de rádio, por forma a contactar (ou subverter, conforme a perspectiva) as populações, a rádio, que "(…) dá uma nova qualidade ao movimento guerriIheiro (…)" (198).
Assim como a "(…) longa duração da guerra é inseparável da profundidade das de países limítrofes suas bases (…) " (199) bases que quando instaladas em território de países limítrofes foram designadas de “santuários” e desempenharam um papel decisivo. Contudo, admite-se que não existem santuários invioláveis. Na Guiné Bissau esse papel era desempenhado pelo Senegal e pela Guiné-Conacry; em Moçambique, o Malawi, Tanzânia, e Rodésias (actuais Zâmbia e Zimbabwé), sendo que as Forças Armadas Portuguesas executaram operações diversas vezes nesses territórios, tendo sido Portugal condenado por estas acções pelo Conselho de Segurança das NU (200).
Régis Debray critica a autodefesa para a guerrilha, esta é uma forma passiva de luta, é parcial e a "guerrilha revolucionária aspira à guerra total (... ) ao combinar todas as formas de luta em todos os pontos do território (…)” (201); esta peca pela imobilidade, não garante o efeito surpresa, e uma vez descoberta será objecto de cerco e de ataque preparado no detalhe pelo adversário e no momento decidido por este (202).
As concepções de Mao, Giap, Guevara e Debray, citadas, apresentando diferenças quanto ao nível e modo de interpenetraçâo do factor político e do factor annado, encontram coexistência em Lenine, segundo o qual: é imprescindível conhecer os métodos pelos quais as massas podem ser conquistadas, e, é também imprescindível que, na acção, aquela maleabilidade que decorre de, concretamente, as coisas resultarem de forma diferente, por mais originais, mais peculiares, mais variadas do que se poderia ter esperado (203).
Quanto à fenómenologia contemporânea, o conteúdo supra referido, exige da parte do Poder estadual submetido a desafio, alta capacidade de resposta. Tal assenta antes do mais no conhecimento profundo do terreno humano que tutela e nos meios para dar ao seu papel tutelar o dinamismo que antecipa as situações.
Pode-se assim concluir que uma subversão metódica, de cunho voluntarista, segue, quatro premissas que se encontram nos teóricos da subversão, de Sun Tzu, passando por Mao e indo até Guevara.
- Sustentar que o governo é indigno;
- Sustentar que o Governo não está idenfificado com valores realmente nacionais e, portanto, se apresenta como estrangeiro;
- Atacá-lo com violência e persistência, para impressionar as massas;
- Procurar a impunidade dos ataques, para demonstrar que o governo é impotente e, logo, figuração a derrubar.
O processo é sempre eficiente, reunidas as condições mínimas no terreno sobre que incida. Os movimentos independentistas aplicaram-nas em África. O sinal da sua concreta precedência, muitas vezes só é perceptível "(…) quando se pode perguntar e apurar a quem aproveita ele nos jogo dos grandes poderes mundiais; isto sem embargo de conjunturas nas quais, perdido o controlo por parte do «autor moral» (situação mais frequente nas organizações terroristas), a subversão entra em órbita irregular (aproveitável então por forças diferentes das da partida) ou passa a funcionar como elemento de erosão passiva (…)" (204) como é o caso das modernas práticas fundamentalistas/integristas na Argélia, em relação à Arábia Saudita.
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Conclusão
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Face ao que no presente estudo foi exposto, pode inferir-se que, a vitória neste tipo de guerra pode ser alcançada no campo das armas; esta será das forças regulares que combatem a guerrilha, caso esta última não evolua para um "exército de libertação", com uma estrutura convencional e a combater segundo as técnicas da guerra clássica. Assim se justifica o fracasso da guerrilha na Malásia e no Brasil, para não citar outros.
No antigo Ultramar Português, a solução podia ter sido militar, se desencadeado logo no início, mas teria forçosamente de ser política e social.
Amílcar Cabral defendia que “(...) todas as populações do país resistiram à ocupação portuguesa no decurso daquilo que os portugueses chamaram mais tarde as «guerras de pacificação», que duraram quase meio século (...)”; (205) nesta ordem de ideias, Peter Mendy considera que a luta armada empreendida entre 1963-1974 deve de ser interpretada como a culminação de uma longa tradição de resistência dos povos da Guiné (206); porém, Renné Pellisier defende não haver correlação entre as “(...) resistências primárias e as guerras de independência (...)” (207).
Consideramos que o alcançar da independência não dependeu exclusivamente da longa tradição de resistência à ocupação e administração portuguesa, este foi um factor que, no fundo, serviu de detonador e justificativo convenientemente explorado psicologicamente. Todavia, temos de enquadrar o conflito num contexto internacional, onde as zonas em que os interesses das grandes potências convergiam se encontravam em disputa.
O continente africano, dado a conhecer pela mão dos grandes exploradores, depois das independências americanas, a Europa transferiu o esforço de colonização para África e para a Ásia, criando zonas de influência retalhadas por fronteiras aleatórias caucionadas pelo Direito Internacional foi no último quartel do século XIX alvo de intensa actividade expansionista, e consequente partilha de territórios, sentindo o antigo Império português os efeitos físicos da internacionalização crescente da vida política, começando a autoridade neles em exercício a ser contestadas.
Num conflito como o da Guiné-Bissau, que era eminentemente de ligação do interior com o exterior, e onde apenas o PAIGC tinha expressão e lutava em todos os campos, os apoios internacionais provinham dos mais variados organismos políticos e económicos, percebendo-se, por estes, de quem dependia e a quem interessava o conflito.
No século XX, tal como no século XIX, os territórios portugueses do Ultramar foram contestados por potências que apenas o pretendiam substituir. Na segunda metade do século XX, as populações eram claramente instigadas contra a presença portuguesa, sendo a preparação ideológica, material e militar dos movimentos independentistas feita a partir do exterior. No exterior, também a opinião pública internacional era intoxicada com extensas campanhas visando a presença portuguesa em África.
As fronteiras da antiga Província portuguesa da Guiné, assim como da generalidade de África, foram definidas de um modo artificial, sem se ter em conta as realidades étnicas e sócio-religiosas, subsistindo assim, mecanismos de comunicação não convencionais que ultrapassam essa realidade traçada pelos colonizadores europeus. O mesmo se passou com as populações islamizadas da Guiné-Bissau (nomeadamente Fulas e Mandingas), pois encontravam-se envolvidas, quer para jusante quer para montante das convenções, pela noção de integrarem a Comunidade do Profeta, a «Ummat al Nabi».
As mesmas linhas de fronteira caucionadas pelo Direito Internacional eram inexistentes para os movimentos independentistas; sendo estas uma das frentes adversária, não constituíam obstáculo à concretização de operações.
Com o objectivo de preservar privilégios ameaçados e interesses económicos, bem como de soberania e independência, algumas comunidades colaboravam quer com a Administração portuguesa quer com o PAIGC, sendo que a estrutura social das comunidades muçulmanas possibilitou que a maioria ficasse sob controlo português, dificultando o alastramento da subversão, e que as comunidades de religião tradicional na sua maioria se encontrassem, ou sob controlo subversivo, ou sob duplo controlo Administração portuguesa/PAIGC.
A resposta portuguesa à subversão, «resposta possível», foi global, abrangendo as vertentes social, político-administrativa, militar e psicológica. Na Guiné-Bissau, para além das acções de pacificação e submissão, como era tradicional fazer-se contra as sublevações étnicas, no período de 1968-1972, a resposta traduziu-se naquilo que se designou por acção sócio-económica, procurando o Poder português desequilibrar as populações para o seu controlo. Contudo, uma acção desta natureza para ser rendível pressupunha informações precisas, para saber o como, onde e quando se deveria actuar.
Erigido e reconhecido por Portugal como Estado formal a partir dos acordos de Argel, o PAIGC apoiado além-fronteiras, manteve a unidade pelo sistema de partido único, comprometendo-se no jogo dos grandes blocos.
Com o intuito de consolidar solidariedades e dar novo ânimo à luta dos povos afro-asiáticos, e tendo por base o anticolonialismo e o direito à autodeterminação, realizaram-se diversas conferências.
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