|
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
MAJOR MIGUEL GARCIA - O INDEPENDENTISMO E O PODER PORTUGUÊS EM CONFRONTO (GUINÉ-1968-1972) | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Introdução A política interna portuguesa no período em análise e a sua inflexão ultramarina A “resposta possível” e/ou iniciativas portuguesas face à subversão. A Acção Psicológica A acção desenvolvida pelas autoridades portuguesas CONCLUSÃO NOTAS |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Introdução | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Os trabalhos de investigação no campo da estratégia que se reportam a confrontos armados, normalmente focam as suas origens e causas, incidem sobre as manobras militares e o potencial relativo de combate, contabilizam as baixas, mas raramente encontramos um que refira um outro lado da guerra, o da conquista das populações. Assim, nesta apresentação, pretendeu-se analisar o modo como o Poder Português, detentor da soberania, desafiado pelo Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC) desenvolveu a sua acção em termos de resposta global à guerra subversiva que lhe foi imposta, nomeadamente no que respeita à segurança, bem estar e conquista das populações, através de uma manobra de promoção social, económica e psicológica. |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
A política interna portuguesa no período em análise e a sua inflexão ultramarina |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Nos aspectos globais do conflito Leste/Oeste e no plano específico do controlo das comunicações entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul, e entre as suas margens, o PAIGC, dada a impossibilidade geopolítica de exercer o esforço no arquipélago de Cabo-Verde, escolheu como primeiro objectivo o território da actual Guiné-Bissau. A presença de Portugal nestes territórios era, com toda a evidência, um entrave para a instauração de zonas de influência que permitissem assegurar posições vantajosas na luta entre as duas superpotências; assim, porque urgia para uns e bem podia servir a outros, era necessário eliminar essa presença. Era mister, apenas, o onde e como se processaria a tomada técnica do Poder. No período em análise, as pressões internacionais, para Portugal ceder, surgiram a 14 de Dezembro de 1955, através do inquérito feito pelas Nações Unidas, nos termos do Artigo 73º, da respectiva Carta. Todos os regimes portugueses procuraram (apesar de muitas vezes pressionados para ceder) manter, desenvolver e defender o Ultramar. São disso exemplo variados acontecimentos ao longo dos séculos. Os Governos Portugueses por motivos nomeadamente históricos tomaram a decisão de ficar. A resistência portuguesa, face às suas responsabilidades pela segurança das populações e pela preservação dos seus bens, era justificada como um imperativo de justiça e da legítima defesa e portanto, esta devia ser uma atitude colectiva (1). Face às Nações Unidas, o Governo Português sustentou durante 19 anos a mesma resposta: o “Ultramar já era independente com a independência da Nação” (2). Durante a campanha eleitoral, em 1969, o Doutor Marcello Caetano expôs a sua política ultramarina (3) que ele, face aos resultados eleitorais, considerou legitimada. Assim, após assumir as funções de Presidente do Conselho, a 27 de Setembro de 1969, e uma vez que tencionava prosseguir a sua governação, de acordo com a fórmula “renovação na continuidade” (4), pôde levar por diante não só a continuação da defesa ultramarina mas também a revisão da Constituição e a reforma das leis e instituições com vista a um alargamento da autonomia das então designadas Províncias Ultramarinas. Assim, em 1971, o Governo Central propôs uma revisão da Constituição, sendo esta aprovada a 16 de Agosto do mesmo ano. Na nova Constituição era mantido o princípio da unidade política (5) e consagrado o princípio da autonomia das Províncias (6). Todavia, o Governo de Lisboa detinha a autoridade final sobre todas as decisões tomadas nas Províncias Ultramarinas, respeitantes à representação e política externa, à definição dos respectivos estatutos e ainda quanto à fiscalização das suas actividades financeiras. Simultaneamente com a revisão da Constituição em 1971, o “(...) sistema político abria brecha com o advento da chamada «ala liberal» (...)” (7), esboroando-se, desta forma, na Câmara Legislativa, o dogma da integração. Sendo a guerra subversiva fundamentalmente dirigida à conquista das populações, em função do seu grau de apoio, a natureza específica do conflito colocou um grande desafio, quer às autoridades portuguesas, quer aos movimentos independentistas. Na guerra em questão actuava-se, em síntese, por Acções clandestinas, Acções psicológicas, Acções violentas. Lembramos que o conceito de guerra psicológica, neste contexto, engloba as acções psicológicas, que procuram enfraquecer e/ou conduzir a vontade, assim como desenvolver a propaganda, de acordo com técnicas para explorar os ressentimentos contra o Poder constituído e identificar as soluções com a organização subversiva. No presente estudo vamos analisar a resposta psicológica, por parte da contra-subversão, durante a “guerra da Guiné”, no período em estudo (1968-1972), pois tal resposta atingiu o mesmo nível de importância (ou mesmo superior) do que o das outras três vertentes: “social”, “político-administrativa” e, mesmo da militar (entendida esta na acepção estritamente armada). Note-se, contudo, que, na Guiné-Bissau, a designada Acção Psicológica era adjuvante dessas três outras vertentes da «resposta possível» e era desenvolvida simultaneamente com uma intensa “acção sócio-económica” em sua complementaridade. |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
A “resposta possível” e/ou iniciativas portuguesas face à subversão. A Acção Psicológica | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Portugal enfrentava uma guerra subversiva que, sem frente, se disseminava nos territórios e infiltrava nas retaguardas. A formação dos quadros permanentes, e mesmo a perspectiva da guerra, permaneceram clássicas. Com a queda do Poder Português na Índia, a imagem das instituições militares ficou fortemente lesada pelo “modus faciendi” daquela (8). Elas mantinham-se presas à perspectiva de “ganhar” ou “perder”. Inicialmente, este factor impediu que a guerra em África fosse encarada nas suas características específicas. Uma vez corrigida essa posição, as Forças Armadas passaram do conceito de ganhar ou perder para o de “aguentar” (9). Ao “aguentar”, as Forças Armadas beneficiavam o tempo de manobra político. Para “aguentar”, o Poder Português tinha de desencadear uma manobra contra-subversiva com o objectivo de proteger e fortalecer as estruturas políticas e sociais do Estado, a fim de impedir que a subversão tivesse êxito e assim poder restabelecer a paz e a soberania. Para alcançar esses objectivos, tinha de se apoiar numa manobra e numa estratégia correspondentes, sendo a estratégia forçosamente total, indirecta, desencadeada quer a nível interno quer a nível externo. A manobra requeria o aperfeiçoamento do binómio Informações/Acção Psicológica. A resposta contra-subversiva desencadeada pelo Governo Português, «resposta possível», claro está, exigia, “(...) uma acção coordenada e muito íntima entre as Forças Armadas, as Autoridades Administrativas e as populações, (...) uma atenta vigilância na retaguarda e uma integração perfeita das acções militares, diplomáticas, políticas, económicas e psicológicas (...)” (10), sendo nela envolvidos numerosos efectivos da Metrópole. A subversão, pelas suas características, visava a população como um todo, situação que foi desgastando o Poder Português perante a Comunidade Internacional, até à entrega formal de poderes após intervenção do vector político-militar com o Movimento das Forças Armadas em 25 de Abril de 1974. A designada “resposta possível” a situações de cariz subversivo/revolucionário é mister passar pela estreita coordenação de “acções sociais”, “político-administrativas”, “militares” e “psicológicas”, pelo que será necessário no planeamento de operações deste tipo, além de efectuar os estudos da missão, do terreno, do inimigo, dos meios e do tempo disponível, realizar um estudo das populações sob o ponto de vista étnico, linguístico e religioso (11). Um estudo puramente étnico de qualquer país não conduz a uma linha de acção estratégica clara, pelo que se torna necessário associar ao factor étnico o elemento linguístico e ainda o religioso (12). E assim devemos analisar os grupos etno-linguísticos e aqueles que professam a mesma religião. Esta opção, enquadrável numa sociologia de “etnicidade estratégica ou politizada” definida pelo Prof. Doutor Carlos Serra (13), é a adoptada e deve-se ao simples facto de ter sido esta a utilizada pelas Forças Armadas/Administração Civil no planeamento e condução das suas operações/actuações e a sua documentação ser largamente utilizada neste estudo. Com base nestes estudos deve também avaliar-se a projecção de alguns grupos étnico-linguísticos para além fronteiras, devendo, em cada país, definir-se muito bem as etnias interiores e as transfronteiriças, pois estas levantam problemas diversos que necessitam de ser avaliados, equacionados e resolvidos. Sob o ponto de vista religioso deve-se ter a noção de que se considerava que as religiões tradicionais africanas privilegiam o tribalismo, que o islamismo esbate esse mesmo tribalismo e gera tendências feudalizantes, que o cristianismo protestante provoca tendências divisionistas, as igrejas afro-cristãs e as seitas religiosas geram tendências desagregacionistas, ao passo que o cristianismo católico é unificador (14). Para garantir a sobrevivência e a subsistência das populações rurais devem ainda ser feitos estudos sobre a calendarização das chuvas e das fases das culturas tradicionais alimentares, as pastagens, as condições de armazenamento de sementes e forragens sobre a necessidade de recurso às apanhas silvestres. No que se refere à conquista da adesão das populações, interessa à administração civil e às Forças Armadas, na medida em que seja passível de orientação a “(...) movimentação, com vista à manutenção do equilíbrio das forças que actuam no seio da população global (...)” (15), interessando sobretudo os grupos que se encontravam diferenciados, tendo por finalidade conhecer os seus antagonismos, com possibilidades de serem geridos, para em cada momento poderem ser avivados, revividos ou fomentados. Naquela conjuntura, e noutras posteriores, os antagonismos eram passíveis de facilitar a manutenção da liderança da Administração Portuguesa, sendo o inverso também verdade. Este fenómeno foi compreendido pelos movimentos independentistas, que procuraram promover a coesão, facilitadora da sua actuação (16). Aproveitou-as também o Governo e Comando-Chefe da Guiné, pois o seu plano de contra-subversão, delineado no ano de 1970, assentava no seguinte (17): desenvolvimento adequado e rápido da Guiné, de modo a produzir, em tempo útil, uma acentuada melhoria do nível de vida das populações; promoção e assistência sociais adequadas e integradas numa política de dignificação do Povo da Guiné e de satisfação, em tempo oportuno, dos seus legítimos anseios; garantir, através da manobra militar adequada, o espaço e o tempo necessários para que, em tempo útil, se atingissem os objectivos primários da política adoptada. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Era sentimento generalizado do povo português, quando do início dos acontecimentos em Angola, que Portugal era multicontinental e multirracial, possuindo a sua população igualdade de direitos. Nunca a população da Metrópole e a europeia, residente em África, acreditaram que a subversão armada se instalasse nas províncias ultramarinas, à semelhança do que acontecera em alguns territórios coloniais. Os grupos oposicionistas da política ultramarina formulada pelo Governo Português já há algum tempo que trabalhavam as populações nativas, procurando fomentar a linha de fractura entre estas e a população branca, “(...) a subversão movimentava-as e dinamizava-as em redor da ideia força independência (...)” (18), ao mesmo tempo que molestava os africanos fiéis à soberania portuguesa, nomeadamente, as autoridades gentílicas. Quando o conflito eclodiu, faltavam ainda as estruturas de Acção Psicológica, pois, anteriormente, era habitual atribuir às 2ªs Repartições dos Quartéis Generais (Repartição de Informações) essas responsabilidades, sendo só em 1963 criada uma secção de Acção Psicológica no seio da referida repartição do Estado-Maior do Exército. Numa guerra que envolvia essencialmente a conquista e adesão das populações, pareceria exigível a existência, a nível nacional, de um Serviço de Acção Psicológica, que, em Portugal, nunca chegou a ser criado. Este facto, associado a uma tardia e insuficiente organização da estrutura militar nesta área, não possibilitou o lançamento oportuno e eficiente de uma campanha de contra-propaganda, nem o combate com êxito ao efeito de lassidão. Nunca se passou de “(...) actividades dispersas de alguns órgãos e entidades, tanto civis como militares, com impacto nítido no campo da Acção Psicológica (...)” (19). Só no ano de 1970 é que foi criada uma Comissão Interministerial com o objectivo de, a nível nacional, planear e coordenar a Apsic e a actividade dos diversos ministérios interessados. Porém, apesar da falta de estruturas e de um plano concertado para actuação a nível da Acção Psicológica, algumas medidas foram tomadas com vista a atingir quer a população de origem europeia, quer a população africana. Na fase inicial do conflito, a Acção Psicológica, orientada para as populações da Metrópole e para as Forças Armadas, com a intenção de alimentar a determinação de oposição ao inimigo e levar a acção contra-subversiva a bom termo, focou temas como o genocídio da noite de 15 para 16 de Março de 1961 levado a efeito pelos Bakongos sobre os Bailundos. O Poder Português aproveitou, ainda, para relacionar a situação com uma eventual traição dos elementos ligados à tentativa de golpe pelo General Botelho Moniz e, assim, justificar a impreparação portuguesa para os acontecimentos. Outra situação, com grande impacto psicológico entre os elementos das forças armadas e alguns sectores da população civil, foi a invasão, em 17 de Dezembro de 1961, de Goa, Damão e Diu (20). Face a um contexto internacional tão adverso e à diversidade de instrumentos e métodos utilizados pelos movimentos independentistas, para desenvolverem a sua Acção Psicológica, as dificuldades, para Portugal vencer, eram enormes. No caso da Guiné, só em 1963 é que começaram a ser elaborados relatórios periódicos e instruções para lançamento de Apsic em todos os escalões, mas, só em 1965, por determinação do Governador e Comandante-Chefe General Arnaldo Schultz ao seu Gabinete Militar, foi elaborada “(...) uma directiva de Acção Psicológica ajustada para a guerra revolucionária, que então se deparava (...)” (21) na antiga Província Portuguesa. A partir de 1965, os meios para a acção não escassearam; além de se publicarem regulamentos específicos, passaram a desenvolver-se cursos, estágios e palestras; foram criados os jornais das unidades e os centros informativos; realizaram-se reuniões para apresentação de filmes, fotografias, dísticos, cartazes e publicações de natureza variada (22). O General Spínola, durante o período em que foi Governador e Comandante Chefe das Forças Armadas da Guiné (de Março 1968 a Setembro 1973), procurou retirar à subversão o “substrato dinâmico” de carácter social em que esta se apoiava e, colocando-o ao serviço da contra-subversão, pretendeu opor à revolução social subversiva uma eficaz contra-revolução anti-reaccionária, “(...) combatendo ideias com ideias (...)” (23), uma vez que estava consciente de que um plano de contra-subversão não se projectava “(...) no campo da missão das Forças Armadas, mas sim no campo do fomento económico e social e da promoção cultural das populações (...)” (24). A execução da manobra contra-subversiva, preconizada pelo General Spínola, visava o sector da manobra militar, o da promoção sócio-económica e o da manobra psicológica (25), estando a manobra militar e a sócio-económica interpenetradas, mas desenvolviam-se em esferas de acção diferenciadas - fomento e segurança - correspondendo-lhes, também, acções diferenciadas. A manobra militar actuava punitivamente sobre os grupos armados que prejudicassem a manobra sócio-económica, expulsando-os do território da zona de esforço por acções de retaliação e acções punitivas, procurando ao mesmo tempo aliciá-los para o lado da autoridade constituída. Esta manobra tinha por base um dispositivo de quadrícula, que permitia um maior controlo das populações, um apoio social e sanitário mais extensivo, facilitava a pesquisa de informações permitindo assim uma mais eficaz acção psicológica e a intervenção oportuna das forças especiais em operações de afirmação de soberania. A manobra sócio-económica visava conseguir a adesão da população e impedir ao PAIGC a realização dos seus objectivos psicológicos, a manobra militar pretendia garantir o espaço e o tempo necessários para a consecução dos objectivos da primeira. Parece-nos evidente a inutilidade do esforço militar, se os objectivos sócio-económicos que estavam na base da contra-subversão, não se concretizassem. Assim, para manter e aumentar a adesão das populações, o General Spínola desenvolveu uma manobra, que tinha por finalidade a promoção sócio-económica, utilizando frequentemente a capacidade militar sobrante utilizada através da estrutura administrativa em proveito das populações. Percorrendo ele próprio diversas vezes o território, ao mesmo tempo que assegurava que as suas medidas tinham a adequada cobertura pela imprensa da Metrópole (26). Face ao plano atrás expresso, vinha a ser desenvolvida, entre as populações, oportuna campanha psicológica baseada nas promessas de “Uma Guiné Melhor”, que satisfazia os seus legítimos anseios de promoção. Todavia, a manobra processava-se em clima de alguma precaridade de meios, resultando, assim, por um lado, a impossibilidade de se atingirem os objectivos sócio-económicos e, por outro, o de alcançar a vitória no campo militar. Mas, apesar dessa precaridade, foi decidido exercer o esforço no plano sócio-económico em detrimento da manobra militar. Esta decisão envolvia riscos inerentes ao enfraquecimento do dispositivo de segurança, face a um previsível agravamento da situação militar, risco que o Comando-Chefe procurou minimizar, no campo da manobra militar, através de um ajustamento do dispositivo e accionamento das suas forças, à luz do novo conceito operacional. A organização das tabancas em autodefesa e o reordenamento das populações, com a finalidade de proteger a população rural da subversão, na Guiné, foi determinada em 30 de Setembro de 1968 (27), envolvendo responsabilidades acrescentadas para o Governo e para as Forças Armadas, perante as populações e, assim, as medidas adoptadas deveriam revelar-se eficazes, no tocante à segurança das populações e dos meios de subsistência (28).
Foram desenvolvidas diversas actividades de informação e de contra-propaganda, com a finalidade de atingir os vários grupos humanos, quer em território da Guiné, quer no dos países limítrofes, quer, ainda, na opinião pública internacional. Uma dessas actividades foi, de acordo com a Directiva 60/68, a libertação de prisioneiros políticos sem culpa formada da Ilha das Galinhas e a sua posterior reintegração na sociedade (30). A difusão, pela Secção de Radiodifusão e Imprensa (SRI), de vários programas radiofónicos, quer em Português, como o Programa das Forças Armadas (PFA) (31), quer em línguas nativas, como o Programa de Línguas Nativas (PLN), e mesmo em Francês, tinham presentes uma ou mais das seguintes preocupações:
Os programas radiofónicos em língua francesa visavam as massas populares da República da Guiné, da população senegalesa, em especial a do Casamansa, elites senegalesas e guineenses com a finalidade genérica de:
Como complemento destas acções procurou-se conquistar o apoio das populações (34) e desacreditar os elementos independentistas, através de assistência sanitária prestada nos postos fronteiriços. Quanto aos refugiados (35), a actividade de captação visava o seu regresso a território português, explorando os laços familiares, o apego ao “chão” e as realizações que consubstanciavam “Uma Guiné Melhor”. A Administração Portuguesa desenvolveu ainda outro tipo de acções de propaganda, por forma a sensibilizar a opinião pública nacional e internacional
Ainda no campo de acção sobre as populações não pode deixar de se referir a realização dos Congressos do Povo na Guiné, uma estrutura político-administrativa, realmente inédita e motivadora. Nestes congressos “(...) as populações eram chamadas a discutir e a interessar-se pelos próprios problemas (...)” (36). A Apsic sobre as Forças Armadas desenvolveu-se através da realização de sessões de esclarecimento, jornais de parede e de unidade, cartazes, programas de rádio, símbolos heráldicos, etc. Para além de procurar manter a moral e eficiência, foi orientada de forma a obter a comparticipação consciente na manobra sócio-económica e na dignificação e promoção do nativo. Quanto às tropas africanas, “(...) deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscegenação das unidades com europeus e africanos (...)” (37). Esta africanização dos quadros das forças armadas “(...) servia também a Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (...)” (38). Assim, na Guiné, formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território, como os comandos africanos, recrutados e instruídos no local, e, posteriormente, graduados como oficiais, sargentos e praças. A Apsic, orientada para o apoio das operações militares, visava o objectivo triplo das forças inimigas combatentes, os seus quadros políticos e das populações sob sua influência. Quando os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas antes, durante e depois das operações. Na maioria dos casos os meios utilizados para o efeito foram, entre outros, as emissões de rádio, altifalantes, panfletos e, após captura, o contacto directo e pessoal; dependendo a utilização e o doseamento de diversos factores, como sejam a disponibilidade daqueles, a fase de operação que se tratava e a sua finalidade (39). Na guerra da Guiné, tal como na de Moçambique, as pedras-base da Apsic foram o aldeamento, o colonato, a africanização dos quadros civis e militares e, de uma maneira geral, a promoção escolar, sanitária e o progresso económico. Mas, apesar de muito esforço feito, os mecanismos de accionamento e/ou opinião “(...) utilizaram: censura improfícua, propaganda predominantemente “branca” (que só impressionava os já convencidos); no terreno, Acção Psicológica de tutela dividida (para populações controladas e para não controladas) (...)” (40). A informação pública respeitante à guerra exercia-se, inicialmente, com desfasamento e, numa fase posterior, com restrições. Com o arrastar da guerra, a tendência viria a ser a de acreditar noutras fontes, que não fossem as governamentais, pelo que, como é obvio, quer o quintacolunismo, quer a subversão, tiraram os seus dividendos para accionamento psicológico. |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
CONCLUSÃO | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Às Forças Armadas Portuguesas, pelo tipo de guerra travada foi imposto passar da vocação clássica do “ganhar ou perder” para a de “aguentar”, tendo a contra-subversão de fortalecer as estruturas político-sociais do Estado e evitar o êxito da subversão. A capacidade de resposta do Poder desafiado foi a possível, necessariamente global, exercendo acções oportunas, internas e externas, no campo social, político, militar e psicológico. A notável obra de promoção sócio-económica, com o plano “Uma Guiné Melhor”, desenvolvido pela Administração Portuguesa, em estreita coordenação com as Forças Armadas, na procura de conquistar populações, obteve apreciável grau de êxito, nomeadamente, no “chão” Manjaco, de que foi claro sinal o abate morte dos três responsáveis locais da manobra sócio-económica41, caso único em todo o processo de afirmação de soberania portuguesa tanto na Guiné, como em Angola e Moçambique. Todavia, o esforço armado transferido no final da época das chuvas de 1972, para a zona do Cantanhez, a sul do território, e o reforço feito ao PAIGC de mísseis terra-ar Strella, inverteram o curso da guerra, passando Portugal a admitir o colapso militar de consequências imprevisíveis e gorando-se parte dos efeitos da acção desencadeada. |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
NOTAS | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
2 Fórmula encontrada por Salazar ao comentar o conceito de território não-autónomo, quando pela primeira vez se desencadeou o ataque contra Portugal na ONU. A este propósito, ver Franco Nogueira, “Salazar - A Resistência (1958/1964)”, pág. 171. 3 A 11 de Setembro de 1969, a campanha eleitoral foi aberta com uma comunicação do Presidente do Conselho, Doutor Marcello Caetano. Este abordou a política ultramarina da seguinte forma: “(...) é preciso que cá dentro e lá fora, fique bem claro se o povo português é pelo abandono do Ultramar ou se está com o Governo na sua política de progressivo desenvolvimento e crescente autonomia das Províncias Ultramarinas (...)”. Em Marcello Caetano, “Pelo Futuro de Portugal”, págs. 318 e 319. 4 Marcello Caetano, “Renovação na Continuidade”, pág. 47, Ed. Verbo, Lisboa, 1971. 5 Unidade política expressa na forma unitária do Estado. O Artº. 5º da Constituição especificava: “O Estado Português é unitário, podendo compreender regiões autónomas com organização político-administrativa adequada à sua situação geográfica e às condições do respectivo meio social”. 6 No Título VII da Constituição, “Das Províncias Ultramarinas”, refere o Artº. 133º “Os territórios da Nação portuguesa situados fora da Europa constituem Províncias Ultramarinas, as quais terão estatutos próprios como regiões autónomas, podendo ser designadas por Estados, de acordo com a tradição nacional, quando o progresso do meio social e a complexidade da sua administração justifiquem essa qualificação honorífica”. No Artº. 135º era definida a autonomia das respectivas Províncias e pelo Artº 136º era assegurado que a autonomia, configurada como tal, “não afectará a unidade da Nação, a solidariedade entre todas as parcelas do território português, nem a integridade da soberania do Estado”. 7 Fernando Amaro Monteiro, “O Islão, o Poder e a Guerra (Moçambique 1964 - 1974)”, pág. 288. 8 Pedro Cardoso, em prefácio ao livro de Carlos Morais, “A Queda da Índia Portuguesa - Crónica da Invasão e do Cativeiro”, especifica : “(...) Depois de se constatar, em 1954, que Goa era militarmente indefensável, e depois da redução de efectivos militares, em fins de 1960, a exortação feita pelo Governo, ao sacrifício total das Forças Armadas do Estado da Índia, constituiu uma crueldade política inqualificável que marcou todos os militares da guarniçaõ do Estado da Índia e os da sua geração que também podiam lá ter estado, na noite de 17 para 18 de Dezembro de 1961 (...)”, 2ª Ed., Editorial Estampa, Lisboa, 1996. 9 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 26. 10 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 122, Lisboa: Estado-Maior do Exército, 1988. 11 Na Guiné e em Moçambique foram organizados ao nível do Comado-Chefe, SUPINTREP (Relatórios Suplementares de Informação) sobre as religiões e sobre as populações, em Moçambique, também os Serviço de Coordenação e Centralização de Informações elaboraram estudos aprofundados sobre estas temáticas. 12 Depoimento de Pedro Cardoso, Lisboa, 29 de Julho de 1998. 13 Carlos Serra, “Sociologia Política da Etnicidade - Do Paradigma Actual Ao Ensaio De Um Novo Paradigma”, Universidade Eduardo Mondlane, Centro de Estudos Africanos, 2º. Curso Aberto, 10 a 22 de Maio de 1996, Maputo, 1996. Carlos Serra, Doutorado pela Ecole de Hautes Etudes de Sciences Sociales e Professor na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, procura a “(...) desconstrução da hermenêutica tradicional da etnicidade e, em particular, uma ruptura com a etnomentalidade «convencional» (...)”, op. cit. texto 1º, pág. 5. No texto Nº. 2 considera Etnicidade Estratégica ou Politizada “(...) quando a crença subjectiva numa comunidade de origem se afirma numa conflitualidade plena, numa confrontação «Nós/Eles» virulenta, quando está em jogo a luta pelos recursos existentes, quando, em especial, determinados grupos ou chefes carismáticos de grupos se sentem marginalizados da distribuição estado-prebendial face a um centro monopolizador (ou assim sentido) e põe em campo todo um conjunto de dispositivos, negociais e/ou de luta integral, destinados a inverter a situação a seu favor, entramos numa (...) forma identitária, esta claramente ofensiva, «reflexiva», rigorosamente indutora, enquanto exercício de «nós», das condutas do «eles» (...)”, op. cit. pág. 16. 14 Depoimento de Pedro Cardoso, Lisboa, 29 de Julho de 1998. 15 Romeu Ivens-Ferraz de Freitas, “Conquista da Adesão das Populações”, pág. 68, Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Moçambique, Lourenço Marques, 1965, Reservado. 16 Romeu Ivens-Ferraz de Freitas, “Conquista da Adesão das Populações”, pág. 68, Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Moçambique, Lourenço Marques, 1965, Reservado. 17 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Directiva Nº 8/70, de 11 de Abril de 1970, Confidencial. 18 Romeu Ivens Ferraz de Freitas; “Conquista da adesão das populações”, pág. 3, Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Moçambique, Lourenço Marques, 1965, Reservado. 19 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 387. 20 Em 1960, por decisão do Subsecretário de Estado do Exército, os efectivos militares haviam sido reduzidos de 12000 homens, dois navios de guerra, e três lanchas de fiscalização, a 3500 homens, um navio e três lanchas. Podemos encontrar mais detalhes sobre este assunto em “A Queda da Índia Portuguesa - Crónica da Invasão e do Cativeiro” de Carlos Morais, 2ª Ed, Editorial Estampa, Lisboa, 1996. 21 José Lomba Martins, “Guiné-Bissau da Década de Sessenta à Actualidade”, pág. 89, em “Africana”, nº. 10, Centro de Estudos Africanos da Universidade Portucalense, Porto, Março de 1992. 22 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 388. 23 António de Spínola, “O Problema da Guiné”, pág. 15. 24 Idem, Exposição ao Conselho de Ministros em Maio de 1969. 25 De acordo com Otelo Saraiva de Carvalho, a manobra preconizada processava-se: “(...) 1- No âmbito da promoção sócio-económica: execução do plano de fomento com esforço prioritário no «chão» Manjaco; e previsão de transferência para o «chão» mandinga e mancanha; papel das Forças Armadas, fundamental para a execução; 2- No âmbito da manobra militar: isolamento do Teatro de Operações, relativamente à tentativa de infiltração de grupos inimigos, segurança das populações e estruturas; aniquilamento do inimigo, emprego e constituição da reserva; 3- A manobra psicológica: visava exercer esforço na manutenção da adesão das populações sob controlo português, integrando-as no movimento da Guiné Melhor, através de acções de justiça social e de promoção sócio-económica, visando o abalo das populações: sob controlo do PAIGC e dos seus combatentes; refugiadas nos países vizinhos; de países limítrofes (...)”. Em “Alvorada em Abril”, págs. 88 e 89, Livraria Bertrand, Lisboa, 1977. 26 Para Tom Gallagher, “(...) o General Spínola limitou-se a expressar, tal como Caetano já havia feito dez anos antes, pontos de vista federalistas. Como Governador da Guiné, entre 1968 e 1973, imaginou poder deter a insurreição do PAIGC com um ambicioso programa de assistência às populações negras. Para isso, utilizou frequentemente as tropas como se fossem funcionários (...)”. Em "Portugal - A Twenty Century interpretation" pág. 184., Manchester University Press, Manchester, 1983. 27 Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Directiva Nº. 43, de 30 de Setembro de 1968, Secreto. Segundo a Directiva Nº. 49, de 16 de Outubro de 1968, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto, a Divisão de Organização e Defesa das Populações ficou responsável pelo estudo, impulsionamento, coordenação e fiscalização do reordenamento, pelo recenseamento e pelo enquadramento e defesa das populações. A experiência demonstrou que era preciso reajustar as directivas sobre reordenamento e autodefesa. Assim, pela Directiva Nº. 19/69, de 5 de Março de 1969, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto, foram publicadas as “ Normas Reguladoras de Reordenamentos e Autodefesas”. 28 Em Dezembro de 1971, havia 46 tabancas organizadas em autodefesa, 341 com armamento distribuído e 26 em que os seus elementos colaboravam com as tropas portuguesas, perfazendo um total de 11163 armas distribuídas à população; in Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Relatório de Comando, Secreto, 1971. 29 Directivas das Operações Psicológicas Alfa de 26 de Outubro de 1968, Secreto - Esforço no «chão» Manjaco, através de acções panfletárias, campanhas de informação e propaganda radiofónica e exploração de motivações ligadas ao sobrenatural; Directiva Nº. 58/68, que para a época seca de 1969, Secreto, no tocante à acção psicológica referia o esforço de Apsic sobre os Manjacos, Balantas e Mandingas do «chão» Fula; Directiva Nº. 17/69 de 22 de Fevereiro de 1969, para apoio às populações, Secreto; Directiva Nº. 57/69 de Junho de 1969, Secreto, planos de urbanização para disciplinar acções tendentes a resolver o problema da habitação das populações; Directiva Nº. 60/69 de 15 de Julho de 1969, Secreto, para incremento da instrução primária;•Directiva Nº. 78/69, de 19 de Novembro de 1969, Secreto, plano da manobra a desenvolver na a época seca de 1969/70 (Outubro de 1969 a Março de 1970). 30 No décimo aniversário do evento de Pidjiguiti, o General Spínola liberta, de forma espectacular, 93 presos políticos, entre os quais o Presidente do Comité Central do PAIGC, Rafael Barbosa, preso a 13 de Março de 1962 pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). Barbosa agradece em nome de todos os prisioneiros, num discurso difundido pela rádio de Bissau. Esta manobra visava desiquilibrar, psicologicamente, os combatentes. Procurava a recuperação de ex-combatentes, capturados ou apresentados, quebrava a determinação de lutar e procurava ainda conseguir um maior número de apresentados. 31 O Programa das Forças Armadas dirigia-se a toda a população (europeia e africana), sendo emitido 3 horas, semanalmente, em várias línguas nativas (Manjaco, Fula, Mandinga e Balanta), excepto o Crioulo que tinha 7.30 horas semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tem pouca penetração na Guiné. Os programas tipo foram, essencialmente, orientados através da exploração de temas de contra-propaganda, como: “Colóquio”, “África em Foco”, “Tua Terra é Notícia”, “Sete dias em Foco”. A Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica (Repacap), em 1971, utilizando os emissores de ondas curtas e médias da Emissora Oficial da Guiné Portuguesa, emitiu um total de 2372 horas distribuídas assim:
Em Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Relatório de Comando, Secreto, 1971. 32 Idem. 33 Estes programas preenchiam um total de três horas semanais. Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Relatório de Comando, Secreto, 1971. 34 Segundo o Relatório de Comando, classificado de Secreto e datado de 1971, a Administração Portuguesa controlava 487448 indivíduos. O PAIGC controlava 107.200 indivíduos, distribuídos da seguinte maneira: 60 mil no Senegal; 20 mil na Gâmbia e República da Guiné; dentro do território da antiga Província Portuguesa 27200 indivíduos. 35 Cerca de 13% do total da população, segundo o Relatório de Comando, do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Secreto e datado de 1971. 36 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, pág. 391. 37 Idem, pág. 390. 38 Allen e Barbara Isaacman, “Mozambique, from Colonialism to Revolution (1900-1982)”, pág. 80, Westview Press, Boulder, Colorado, 1983. 39 Comissão para o Estudo das Campanhas de África, “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 1º volume, Enquadramento Geral”, págs. 391 e 392. 40 Fernando Amaro Monteiro, “A Guerra em Moçambique e na Guiné - Técnicas de Accionamento de Massas”, pág. 29. 41 Os elementos do Estado-Maior do CAOP - Majores Passos Ramos, Osório e Pereira da Silva. |
||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||