No 9 º Centenário do Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL), a comemorar em Julho, abrimos a cantina e o livro de receitas da avó para um banquete virtual, no qual podem abancar os que tragam receitas, textos, imagens ou comentários sobre o tema alimentar

 

 

CARDÁPIO

9ºBanquete
Maria Alzira Brum Lemos com
BOLO DE ANIVERSÁRIO
DA D. MARLENE



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Lições de método e culinária:
Bolo de aniversário da Dona Marlene para o CICTSUL
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Em dezembro de 1993, empreendemos, eu e mais três brasileiros, uma viagem de carro de Madri a Lisboa. Chegamos quase meia-noite a uma Lisboa semideserta. Entramos num restaurante no Chiado. Iam fechar, mas compadeceram-se. A fome, o vinho, a emoção do desconhecido transformaram aquela numa das boas refeições das nossas vidas. Pão saiolo, bacalhau, grão-de-bico, batatas cozidas, azeitonas pretas, azeite de oliva extravirgem e os temperos crus – alho, cheiro verde – que me lembraram uma passagem tremendamente erótica de O Primo Basílio na qual Luísa e sua amiga partilham um jantar com cardápio semelhante.

Foi naquele dezembro que os portugais, tantas vezes imaginados, se atualizaram em presenças, arquiteturas, paisagens, vidas, gentes e começaram a fazer parte da minha história.

Foi nessa viagem que conheci a Professora Doutora Ana Luísa Janeira, já então às voltas com a proposta da criação do Centro Interdisciplinar de História e Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, o CICTSUL. O título Professora Doutora lhe faz justiça. Não é mérito burocrático ou distintivo social. Provém da autoridade conquistada e de um saber sobre o método tão raro quanto pouco entendido. Ana Luísa Janeira, como João Winck, é das poucas pessoas que entendem o método a que me refiro aqui e em quase todos os meus dispersos escritos.

Foi a partir dessa viagem que, por intermédio da Ana Luísa, começou minha participação, sui generis, diga-se, no “grupo português”. A originalidade dessa participação reside no fato de que, principalmente, exerci várias outras atividades que não a de pesquisadora ou especialista em história e filosofia das ciências. Fui mediadora entre portugueses e espanhóis. Fui anfitriã e cicerone dos portugueses em Madrid. Fui, algumas vezes, hóspede dos companheiros do CICTSUL em Lisboa. Em Madri partilhei casa com Isabel Cruz, de quem me lembro sempre com carinho, assim como da Isabel Lico e da Amélia (que já não estão entre nós), da Isabel Serra e do João, da Estela Guedes e de tantos outros, muito mais que nomes presenças importantes na minha vida.

Nesta experiência com o “grupo português”, aprendi que o conhecimento é inserção cotidiana em repertórios, criatividade, ciência, técnicas, valores, afetos e sabores. Com os amigos portugueses, aprendi que conhecer é navegar. A navegação é arte que lhes nomeia e identifica, pátria de portas abertas a oriente e ocidente, instável fronteira entre antigo e moderno. Translação como paradigma: navegar é preciso.

Navegamos pelas aventuras de Fernão Mendes Pinto, pelo Camões revisitado no volume dedicado pela “família Loff&Serra”. A pé, pá, e sem rumo por ruas, casarios, fados. Partir das tentações de Santo Antão no Museu de Arte Antiga e chegar na noite cosmopolita de tribos urbanas no Bairro Alto. Por um CD do Ruy, trocado por um do outro Veloso, Caetano, com a moça da Ilha da Madeira. Pelos Cravos. Pelas atas da Academia de Ciências de Lisboa. Pelas obras completas de Pessoa, cujos exemplares me foram gentilmente ofertados pelos editores. Durante meses, a Biblioteca Nacional foi caravela a bordo da qual explorei maravilhas tantas. Sobre a cabeça, os aviões, sob meus olhos Áfricas, Amazônias, Alexandres, Volneys, Vascos, Bonifácios.

Navegamos, também e saborosamente, pelos excessos de nossa origem ibero-americana – e em toda origem, como se sabe, há uma mestiçagem. Os companheiros do CICTSUL foram incontáveis vezes também companheiros de conquistas de territórios culinários nunca dantes explorados. Em nosso “cenáculo fraternal” (Oliverio Girondo uma e outra vez) misturamos moles poblanos e doses generosas de mojitos cubanos. Bacalhau com natas e tapas. Moros y cristianos e pastéis de Santa Clara. Sardinhada na casa da Amélia, ao pé do Atlântico. Vinho verde e moqueca. Cozido madrilenho precedido por jerez, acompanhado de bom Rioja e coroado com madroño e longa conversa sobre filosofia e ciência ibéricas. E, recentemente, com Ana Luísa, aqui na terra, chocolate quente na fria Curitiba e almoço no Terraço Itália. Sob nossos pés a incrível metrópole do apóstolo romano, do poeta canário e do Piratininga.

A distância e a falta de oportunidades não têm sido empecilhos à continuidade de minha peculiar inserção no grupo português nem ao prosseguimento das lições de método iniciadas com Ana Luísa. Estela Guedes, com o Triplov, re-propõe, agora no ciberespaço, a máxima segundo a qual conhecimento é obra coletiva, plural, inclusiva, aquém e além do autor individual e das fronteiras disciplinares. O Triplov é projeto híbrido e vaso comunicante entre pessoas, saberes, disciplinas e práticas, tradições e inovações. Conhecer é navegar. Já não bastam caravelas de madeira ou concreto. No ciberespaço, navegação é arte de transpor distâncias, porta entre corpo e alma, inexata fronteira entre tempo e espaço. Comunicação como paradigma: navegar é preciso.

No nono ano de nossa história, retribuo as lições de método com uma lição de culinária. Ofereço ao CICTSUL– e ao Triplov – o Bolo de Aniversário da Dona Marlene, minha mãe (1). Este bolo, até onde sei, foi inventado por ela. Consiste num pão-de-ló cortado em três camadas e recheado. O recheio varia sempre e pode ser feito, entre outros ingredientes, com coco, nozes, damascos, abacaxi. Dá para umas quinze pessoas. Aí vai, com meu carinho e agradecimento aos portugueses.

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BOLO DE ANIVERSÁRIO
DA D. MARLENE
Imagem: Magno Urbano
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Massa
3 xícaras de açúcar
3 xícaras de farinha de trigo
1 xícara de água fervendo
5 ovos
1 colher de fermente em pó Royal

Bater as claras em neve e ir adicionando, aos poucos, batendo sempre e nesta ordem: as gemas, o açúcar, a água fervendo e a farinha de trigo.

Forrar um fôrma quadrada com papel manteiga untado, despejar a massa e assar em forno aquecido por mais ou menos 45 minutos.

Cortar em três partes iguais, recher a gosto e cobrir.

Sugestões para Recheio
Damascos cozidos e liquidificados; coco ralado com nozes liquidificados; creme de pasteleiro; abacaxi cozido.

Sugestão para cobertura

1 pacote de chantineve e ½ copo de leite. Bater até dar ponto.

Dica: fazer furinhos na massa e regar com calda de abacaxi ou, para os mais ousados, com alguma bebida alcoólica.

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