LUCINDA LOUREIRO
…… Merda! Mesmo depois de tanto esforço, de tanta mudança no seu quotidiano, de tantas novas experiências, ainda era uma espécie de corpo transparente como o daqueles animais que dão à costa nas praias!? Caravelas Portuguesas lhes chamam. Ainda não tinha deixado a sua pegada na cabeça dos outros? Ainda era constantemente apagada das vivências comuns!?
Merda! Começavam a aparecer milhares de cabelos brancos, o bolo de aniversário tinha cada vez mais velas. Por sorte, no mês passado conseguiu apagar sozinha um pequeno incêndio, resultado do sopro carregado de desejo sobre as cinquenta e muitas velas que ornamentavam o bolo. Mas merda! Estava farta de tocar a sineta para que não fosse esquecida e atirada para um canto, parecendo mais um naperon do móvel de televisão da avó do que a mulher que desesperava ser. CHEGA!
Tomou uma decisão! Amanhã mudava tudo outra vez. Acabava com as idas aos estúdios, aos sets de filmagens, voltava à vida real. A verdade é que interiormente ela já pressentia estar para breve uma nova mudança. Quando e como é que ainda não era claro. Mais animada arranjou-se muito bem vestida, calçada, penteada, boca pintada e saiu de casa. Começava a noite a cair. Hoje ainda ia ao cinema.