Mário Soares escritor

 

 

MARIA ESTELA GUEDES


Comemoram-se os cem anos que teria hoje, 6 de Dezembro de 2024. Mário Soares pertence a um tempo em que ainda havia grandes políticos e nós os conhecíamos pelo nome. Homem singular, subiu muito alto graças não só ao seu furor democrático como à sua grande cultura, que abrangia o leque dos artistas plásticos, dos músicos, etc.. Neste etc. cabe o facto de ter sido sócio da Associação Portuguesa de Escritores, escritor que foi, com umas duas dezenas de obras publicadas, sem contar com as participações em obras coletivas e centenas de textos dispersos: crónicas, discursos, entrevistas, prefácios a livros, enfim, toda a casta de intervenções escritas que foi fazendo ao longo da vida.

Mário Soares, como de resto os outros presidentes da República, aceitava sempre o convite da APE para o almoço e cerimónia de entrega do Grande Prémio de Romance, o mais importante da APE. As datas conformavam-se com a sua agenda, e para isso nos recebia em Belém, com direito a foto em jornal. Outras iniciativas também contavam com a sua presença, como aconteceu com uma cerimónia de rua na R. da Escola Politécnica, à entrada da Praça do Príncipe Real, nos anos 80:  colocação de uma placa a assinalar em dado edifício a primitiva sede da APE, que então se chamava ainda, à data em que ali funcionava, Sociedade e não Associação.

Foto: espólio da Fundação Mário Soares

Como alguns sabem, a Sociedade Portuguesa de Escritores foi extinta por ordem do governo salazarista, incomodado por causa da atribuição do Grande Prémio de Novelística ao livro “Luuanda”, do escritor angolano José Luandino Vieira, em 1965. O encerramento comportou vandalização por parte da polícia política, a PIDE, que destruiu a mobília, os livros e acumulou destroços de documentos por toda a parte. Ao vandalismo não escapou o livro de sócios, em que talvez já figurasse, uma vez que o primeiro livro de Mário Soares, As Ideias Políticas e Sociais de Teófilo Braga, com prefácio de Vitorino Magalhães Godinho,  foi publicado em Lisboa, em 1950.

Casou com uma amante do teatro, atriz, diseuse, que também conheci, Maria Barroso. No meu tempo de aluna, ela esteve presente em dois atos da Galeria Diferença, e sobretudo na vigília do corpo de Ernesto de Sousa, prestando assim homenagem não só ao artista como a todos nós.

De Mário Soares recordo um livro inesperado, «Poemas da minha vida», uma antologia de poetas portugueses que vai desde os primórdios das cantigas de amigo até aos mais atuais, caso de Herberto Helder, integrando alguns daqueles que já estão meio esquecidos, como Guerra Junqueiro.

Provavelmente, Mário Soares é o mais carismático e tutelar membro da Associação Portuguesa de Escritores.