Um programa de Maria Estela Guedes com realização de Sara Sousa
Edição original na Rádio Transforma: radiotransforma.net
GUIÃO. Julho de 2023
A . Yuja Wang – Rachmaninov: Prelude in G Minor, Op. 23, No. 5 (Live at Philharmonie, Berlin / 2018) – 3:51’
1 SARA – Indicativo:
No programa de hoje apresentamos o livro «Os electrões também devem ter alma”, e quatro canções da banda Destinatus Obdura, obras da escritora e cantautora Marília Miranda Lopes.
Marília Lopes e a alma dos electrões
ESTELA GUEDES & SARA SOUSA
1 ESTELA – No mapa da nossa cultura, Marília Miranda Lopes, nascida no Porto em 1969, é uma personagem singular. Por exemplo, ela consegue conjugar a profissão de professora com a arte da música, assinando canções para a infância que integram vários projetos de animação do livro e da leitura, apresentados em auditórios, bibliotecas e escolas. Em segundo lugar, ela é caso invulgar ao conjugar ainda várias modalidades da arte. De facto, é raro vermos alguém manter atividade artística tão multifacetada como ela desenvolve: poeta, performer, compositora e cantora. Além disso, toca guitarra na sua banda, Destinatus Obdura, com a qual vai correndo o país a dar memoráveis concertos.
É tempo de apresentarmos aos ouvintes um trabalho dos Destinatus Obdura, em que Marília canta “Eu não sou ninguém”, com música e poema de sua autoria.
B – Destinatus Obdura – Eu não sou de ninguém – 3:25’
Nosso ficheiro
2 SARA – Ouvimos os Destinatus Obdura, banda criada por Marília Miranda Lopes. O seu reportório integra canções inéditas, em português, de sua autoria. Cantora, compositora, guitarrista, na banda Marília conta com Trindas, no baixo, Mário Prata, na guitarra e José Prata, na percussão.
O ambiente acústico das canções varia entre os géneros Pop, Jazz e Bossa Nova, proporcionando ao público uma conjugação sonora, ora leve, ora intensa, de momentos de grande envolvimento da música com a palavra. O resultado final é uma simbiose entre a poesia e a música; podemos ouvir, nos concertos, entre as letras que fazem parte do alinhamento, poemas de Luís de Camões, Fernando Pessoa , Florbela Espanca, entre outros, para além de poemas da própria Marília.
Vamos ouvir de seguida o tema “Aquela rapariga”, relembrando os elementos da banda: Voz/guitarra – Marília Miranda Lopes; Baixo – Trindas; Guitarra – Mário Prata; Percussão – José Prata .
C – Destinatus Obdura – Aquela rapariga –
Áudio nosso
2 ESTELA – A multifacetada personalidade de Marília Miranda Lopes integra-se afinal nos objetivos da arte contemporânea, que, nos tempos da vanguarda, anos 60 e posteriores, aliava não só arte e ciência, como recorria às tecnologias disponíveis como suporte ou ferramenta de criação. Lembremos os poemas de computador de Pedro Barbosa, nos anos 70, antecessores da arte robótica de Leonel Moura dos nossos dias.
Marília, já no título do livro que usamos como ponto de partida para este programa, “Os electrões também devem ter alma”, espelha a tecnologia e a ciência dos nossos dias. Publicado em 2021 no Porto, na Editora Exclamação, “Os electrões também devem ter alma» conta ainda com delicados desenhos do arquiteto Siza Vieira.
3 SARA –
D – Edith Piaf – La vie en rose – 3:02’
3 ESTELA – Marília Miranda Lopes pertence a uma família de músicos. «Os electrões também devem ter alma» é um livro cheio de referências à música. Alguns poemas aludem a canções em concreto, mas na maior parte trata-se do uso de termos próprios da música, pautas, notas, sons,etc., e sobretudo trazem à cena instrumentos como flautas e outros. É um livro muito marcado pela experiência quotidiana da autora, algo sombreada por irreveladas amarguras. As alegrias, escreve ela, “sobem mais de quarenta escadas» no ambiente pantanoso de casa citadina, o que associa as dificuldades à vida urbana. Nesse ambiente de cidade grande, ocorrem por diversas vezes segmentos biográficos, como no poema em que recorda o seu tio Alberto Augusto, conhecido músico do Porto. Com essa recordação vem também a música, o tango de Carlos Gardel.
4 SARA –
E – Carlos Gardel – Por una Cabeza – 2: 25’
4 ESTELA – Os electrões também devem ter alma, de Marília Miranda Lopes, é um poemário cujo principal tema é a viagem, seja percurso físico entre dois continentes, seja a vida como destino a cumprir, ou percurso de desenvolvimento próprio da idade, seja viagem em sentido mais radical.
Marília passou por Moçambique. A lembrança desse acidente biográfico aparece no poema “Malas”, que refere também um livro sul-africano para a infância, Abiyoyo. Esta história do gigante Abiyoyo vencido por um menino tocador de ukulele, tem muitas versões musicadas.
5 SARA
F – Abiyoyo – Ukulele Play Along – 1:01
https://youtu.be/eQmt8wefpGU
1 SARA – Indicativo:
No programa de hoje apresentamos o livro «Os electrões também devem ter alma”, e quatro canções da banda Destinatus Obdura, obras da escritora e cantautora Marília Miranda Lopes.
6 SARA –
5 ESTELA – Voltamos à banda Destinatus Obdura, para ouvirmos Marília Miranda Lopes, desta vez a cantar o soneto «Erros meus, má fortuna, amor ardente», de Luís de Camões. Relembramos os elementos da banda: Voz/guitarra – Marília Miranda Lopes; Baixo – Trindas; Guitarra – Mário Prata; Percussão – José Prat.
F – Destinatus obdura – Erros meus – 4:25’
Ficheiro nosso
6 ESTELA – «Há em nós um flautista de Hamelin”, escreve Marília Lopes. No cadinho das suas referências, a música ocupa lugar preponderante, como é natural numa “cantautora”, como ela diz. São referências muito amplas, que abrangem vários continentes, e não apenas a África a que já demos som, com a história de Abiyoyo. Os contos para a infância estão ainda frescos na sua memória e exercem fascínio poético. Marília também é sensível à música da América Latina, seja o tango, sejam os cantares índios, seja a mitologia asteca, cujo mundo inferior visita na sua viagem interior. Entretanto, no seu lugar mais secreto, o que a toca é a música clássica. Num livro que envolve tonalidades disfóricas, tocado pela tragédia, como é «Os electrões também devem ter alma», grande personagem operática desse teatro é Maria Callas. Vamos ouvi-la a cantar a «Casta diva” de Bellini, como sugere Marília Miranda Lopes.
8 SARA –
G – Maria Callas, Norma – Casta Diva – Bellini – 7:17’
9 SARA –
7 ESTELA –
O regresso à infância de tantas referências no livro de Marília Miranda Lopes, «Os electrões também devem ter alma» , são um refrigério, um ponto de equilíbrio para as tensões de uma vida urbana cuja violência se manifesta nos ruídos, no trânsito automóvel, e até no recurso ao vocabulário da ciência de ponta e tecnologia sofisticada de que afinal os electrões traçam a sinalética maior.
Vamos encerrar a viagem com a canção «Mar manhã”, de Marília Miranda Lopes e sua banda, Destinatus obdura.
H Destinatus obdura – Mar manhã – 3:55’
Ficheiro nosso