Maria Azenha e o seu bosque branco

 

MARIA ESTELA GUEDES
Dir. Triplov


Mais recente livro de Maria Azenha, Bosque Branco traz como diferença, em relação a obras anteriores, o seu minimalismo: na maior parte, os poemas têm dois, três versos. Uma extrema economia de escrita para a imensidão do conteúdo imaterial. Um amor que é mais do que o amor, o mais corrente amor entre duas pessoas apaixonadas. Por isso este amor usa máscara, o que é próprio do teatro. A máscara apresenta o Amor, a personagem de uma divindade.

Se por vezes a personagem se apresenta como o Amado, na maior parte dos casos o amor surge como uma energia calorosa, o afeto suscitado pelas religiões, em especial o cristianismo, e num ambiente bucólico, imaginável como um bosque, criado pelos gestos e andamentos das figuras. O “bosque branco” faz parte desse ambiente angelical onde o amor não consente a violência, mesmo quando o cenário é citadino, e a cidade está trespassada de agressões. A brancura, cor que domina o livro, não oculta os sinais da vida difícil, envolve-os numa paz de inverno, de neve talvez anestesiante, em que o único choro é aquele que ainda não tem por motivo as paixões adultas. O choro é a fala das crianças e mesmo bebés que, com os anjos, povoam as folhas deste belo livro.

Vejamos um dístico:

O Anjo do deserto além flutua.
São as minhas mãos límpidas e puras à roda da tua cintura.

O livro é branco, no ar pairam brisas, tudo é leve e suave, benfazejo, neste livro encantado. Mesmo os sinais de tristeza e dor, caso das lágrimas, se desvanecem sob fumos brancos e além de neblinas. Chamariz de bem-aventurança, Maria Azenha conseguiu um livro bem-aventurado, de esconjuro dos males que nos afligem e das dores que diariamente sofremos e nos trespassam o coração. Mundo de descanso, de esquecimento, de paz, conseguido por obra de uma grande idealização, possível só numa obra de arte ou nos remotos tempos em que fomos crianças:

É chegado o reino das crianças.
Toma-me em teus braços e escandaliza os homens.

No extremo da calma, é claro que a é a morte que nos contempla, mas também ela é serena, se negada na sua habitual carga negativa. Amor e Morte parecem o par ideal deste livro que se passeia por desertos e cemitérios, sem gritos nem alardes de tragédia, tranquilo como o destino.

Uma vez disse-te: estou morta.
Mas nunca é isso o que alguém quer dizer.

Maria Azenha está madura como poeta, rainha absoluta dos seus meios de expressão, que são muitos e flexíveis, da riqueza de emoções que é capaz de transmitir, e também dos espaços transferidos da pintura para a escrita – há quase sempre uma grande espacialidade, um visionarismo na escrita que parece provir do que os olhos inventam: paisagens infindas, grandes mares, grandes desertos, ao longe contemplados como os poemas vistos:

Desenhei um poema.
Desenhei-o para ti.

Ficarias louco se o visses.

MARIA AZENHA
Bosque Branco
Pontevedra e São Paulo, Edit. Urutau, 2020