Marcia Kupstas e o Stonehenge da Amazónia

 

 

 

 

 

 

 


MARIA ESTELA GUEDES

Dir. Triplov.com


Marco Zero faz parte de uma trilogia de romances para a juventude (e mais velhos), centrada na arqueologia amazónica. Duas são as protagonistas, a tia Léti e Maurícia, sobrinha universitária em idade de escolher o doutoramento e consequentemente a carreira.

O que Marcia Kupstas apresenta de mais notável para mim, nestes romances, é algo ainda raro, numa literatura ciosa das suas fronteiras humanistas, distantes dos meandros inextricáveis da ciência. Caso singular de que me recordo, por lhe ter estudado a obra, é Marco Luchesi, que chega ao extremo de publicar poemas matemáticos. Trata-se de uma literatura de fronteiras porosas, capazes de absorver e usar literariamente o que faz parte de campos do conhecimento muito dissemelhantes dela. É grato assim contar com Marcia Kupstas nessa lista de exceções, em que a literatura segue de mãos dadas com a ciência, e ousa até penetrar em territórios ainda polémicos dessa mesma ciência. Não me refiro à ciência que estuda os objetos voadores não identificados, especialidade da tia Léti, sim à arqueologia, ciência aliás muito invocada pelos ufologistas. Abro um parêntesis para declarar a minha posição face a programas de TV dedicados a esse assunto, e julgo que, com esta declaração de voto, concordo com um dos arqueólogos mencionados por Marcia Kupstas: independentemente dos ufos ou ovnis, esses programas têm o mérito de mostrar quanto de desconhecido e espantoso existe no mundo, em matéria de obras humanas de há vários milhares de anos, para as quais a ciência convencional não tem explicação suficiente, ou não tem a atraente e convincente explicação dos ufólogos: por muito que os ovnis sejam criação do imaginário (como tantas outras criações do espírito, no domínio do maravilhoso, cristão, pagão ou folclórico), por muito que o objeto dos ovnilogistas seja uma fantasia, as hipóteses de explicação que apresentam para os achados arquelógicos são brilhantes e convincentes.

Pois bem, na Amazónia vão-se descobrindo cada vez mais recintos arqueológicos, de modo que a curiosidade da tia Léti é espevitada, levando-a a arrastar consigo a sobrinha até um dos locais de escavação e estudo, no Estado do Amapá, cidade de Calçoene. In loco, pondo de parte uma aventura de caráter extraterrestre sofrida pela tia Léti, tudo o mais que o romance contém de observação de megalitos e artefactos pré-históricos, não só se funda na ciência, como parte do acompanhamento real de arqueólogos, que acolheram a escritora Marcia Kupstas nas suas instalações científicas e a conduziram aos monumentos em expedições no terreno.

Do meu ponto de vista, esta atitude, que evoca a de alguns escritores do Naturalismo, cujo interesse pela veracidade ia ao ponto, por exemplo, de frequentarem aulas e doentes em hospitais para estudarem casos de alcoolismo, demência, etc.., com o fim de os relatos serem o mais possível exatos, traz com ela uma vocação pedagógica, que alia a imaginação literária ao ensino de factos reais patentes na “Natureza”. Explico as aspas dizendo que um ponto provável de polémica no seio da ciência que estuda estes fenómenos arqueológicos, que violam por vezes os limites cronológicos da ciência oficial, um desses pontos delicados é o que, à luz do darwinismo, que estabelece que natural é aquilo que nunca foi manejado pelo Homem, por oposição ao artificial, ou antropogénico, aquilo que decorre de ação humana, nessa perspetiva, o que existe de artefacto humano na Amazónia, desde a terra negra ao recinto megalítico designado por “Stonehenge da Amazónia”, retira, pelo menos a parte da Amazónia, o seu caráter natural.