Espírito crítico e irreverência de Luiz Pacheco elogiados
06.01.2008 - 13h45 Lusa, PUBLICO.PT
Irreverência, liberdade crítica e capacidade de “destruir corrosivamente as convenções” foram três aspectos destacados em Luiz Pacheco pelo investigador de literatura Vítor Aguiar e Silva em declarações à Lusa, hoje, a propósito da morte do escritor.
A morte do escritor e crítico literário Luiz Pacheco está a suscitar reacções de consternação e elogio à irreverência e ousadia da sua obra literária. Aos 82 anos, faleceu ontem à noite, tendo dado entrada já sem vida no Hospital do Montijo.
“Sempre admirei muito em Luiz Pacheco, o seu espírito de irreverência, a liberdade crítica, a capacidade de destruir corrosivamente as convenções, quase sempre mortas já”, disse ainda Vítor Aguiar e Silva.
Era “um espírito que, naquela atmosfera passiva, adormecida, dos anos 50, 60 e ainda 70, trouxe, por vezes com excessos de linguagem, uma lufada de ar novo. Era dos espíritos mais irreverentes deste país”, acrescentou.
Sobre o facto de a obra do falecido escritor ser fragmentada, observou que ele “tinha de ganhar dinheiro aqui e ali – e, porventura, porque a censura não lhe permitiria escrever essa grande obra satírica. Ele é, no fundo, um grande satirista”.
Fusão da literatura com a vida
O professor universitário e ensaísta Manuel Gusmão também lamentou a morte de Luiz Pacheco, considerando a sua obra “escassa, mas bastante interessante”, com destaque para “Comunidade” e “O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor”.
Luiz Pacheco praticou “uma fusão entre a literatura e a vida, o que significa uma espécie de projecto de linhagem romântica, mas de cariz surrealista”, considera Manuel Gusmão, para quem tudo que “tudo o que [o escritor] fez foi marcado, entretanto, por um riso ao mesmo tempo satírico, irónico e auto-irónico”.
Por seu lado, Vítor Silva Tavares, editor que acompanhou durante mais de 40 anos o percurso de vida e literário de Pacheco, realçou o “fulgor anímico, estilístico e estético que marcam o grande escritor que é”.
Silva Tavares foi, então na Ulisseia, o primeiro a editar em livro textos de Pacheco, “Crítica de Circunstância”, que reunia “os estilhaços que estavam dispersos em papelinhos, opúsculos só conhecidos de meia dúzia de pessoas que o admiravam”. E recordou: “Esse livrinho foi de imediato apreendido pela PIDE, o que marca o poder interventivo de Pacheco. Era tudo menos um livro inofensivo”.
Ria-se da morte
O escritor Pedro Paixão, que dedicou um livro a Luiz Pacheco, chama-lhe “mestre querido”, cuja “inteligência era um raio nas trevas deste país adormecido”. Pedro Paixão, que num comentário deixado no site do PÚBLICO, diz ainda que Pacheco se “ria da morte”.
Luiz Pacheco publicou dezenas de artigos em vários jornais e revistas, incluindo o antigo “Diário Popular” e a “Seara Nova”, e acabou por fundar a editora Contraponto em 1950, onde publicou obras de escritores como Raul Leal, Mário Cesariny, Natália Correia, António Maria Lisboa, Herberto Hélder e Vergílio Ferreira.
Com uma vida atribulada, por vezes sem meios de subsistência para sustentar a família, Luiz Pacheco chegou a viver situações de miséria que ia ultrapassando à custa de esmolas e donativos, hospedando-se em quartos alugados e albergues. Foi nesse período difícil da sua vida que se terá inspirado para escrever o conto “Comunidade” (1964), que muitos consideram ser a sua obra-prima.
Escritor e crítico literário tinha 82 anos
Morte de Luiz Pacheco foi "perda irrecuperável", diz João Pedro George
06.01.2008 - 02h16 Lusa
A morte do escritor e crítico literário Luiz Pacheco constitui "uma perda irrecuperável", disse hoje à agência Lusa o professor universitário João Pedro George, que considerou o escritor um "tipo humano singular e irrepetível".
Em declarações à agência Lusa, João Pedro George - que está a fazer a tese de doutoramento sobre a biografia do escritor e crítico literário - disse lamentar "imenso" a morte de Luiz Pacheco, que considerava um "amigo pessoal", um "tipo humano singular e irrepetível" e não "um exemplar em série como acontece normalmente".
Luiz Pacheco, que chegou a ser conhecido como "um escritor maldito", fez da crítica a maneira de estar na literatura e da literatura o estar, referiu.
"Sinto a morte de Luiz Pacheco de uma forma muito profunda, já que o considerava um amigo pessoal e é quase como se o conhecesse intimamente", acrescentou João Pedro George.
A nível literário, João Pedro George considerou que com o desaparecimento de Luiz Pacheco "se perde um escritor como não voltará a existir outro".
Sublinhou ainda que o projecto literário de Luiz Pacheco foi "indissociável" da sua vida, razão por que é difícil perceber um sem que se entenda a outra.
"Era uma personalidade que poderíamos considerar excêntrica, que sempre que abria a boca nunca se sabia o que ia dizer, mas era um ser humano único", frisou.
João Pedro George acrescentou que há "vários anos" que estuda a vida e obra de Luiz Pacheco, pelo que a vida do escritor tem "estado quase diariamente presente" na sua vida nos últimos anos.
"O crocodilo que voa" é o título do livro de João Pedro George, que sairá ainda este mês pela Tinta da China e que reúne as últimas entrevistas dadas por Luiz Pacheco.