Luis Frayle Delgado

 

 

 

 

 

 

PAULO JORGE BRITO E ABREU


LUIS FRAYLE DELGADO: A FROL E O FRUTO DA FRATERNIDADE

«O século XXI será religioso ou não será.»
André Malraux

(«in memoriam», caroal, de Pinharanda Gomes)

 

Aquilo que afirmávamos, no século pregresso, sobre o Poeta António Vera ( Freguesia das Mercês, 22/ 06/ 1923 – Lisboa, 26/ 12/ 2012 ), afirmamos hoje, com muito mais propriedade, sobre Luis Frayle Delgado ( Valverdón, Salamanca, 29/ 01/ 1931 ), o decano: é que ele clareia, abertamente, na clareira do Ser. Que o seminário é o sítio em que são lançadas, dessarte, as sementes à terra. Em que estua, e em que actua, o Logos seminífero. Nós queremos, aqui, assertar: polígrafo, linguista e biblista, é, Luis Frayle, um missionário de palavras, ele está, com este livro, em missão. O remetente é Poeta, e Deus é destinatário. Melhor dizendo: à guisa, caroal, do Apóstolo dos Gentios, Luis é soldado, curial, no Exército do Verbo, e essa a Literatura, e essa a leitura e por isso a lisura. Com tradução, liberal, de Carlos d’Abreu ( Maçores, 15/ 09/ 1961 ), dizer isto é escrutar, e esquadrinhar, «Quando Caem as Folhas da Alma»; Luis Frayle Delgado, seu promotor, Doutor e Autor. Em poema grafado em Salamanca, em 28 de Setembro do ano 2013, assim afiança, de facto, o Poeta: «Estendo os meus braços / para degustar a doçura da tua voz / e sentir-te descansar sobre o meu peito. / Para irmos juntos ao regaço de Deus.» Pois tal, na safra, como Santo Agostinho ( Tagaste, 13/ 11/ 354 – Hipona, 28/ 08/ 430 ), o Senhor fez o Poeta para Si, e o coração do Poeta está inquieto enquanto não repousar, de facto, em Si. Temos visto, no lance, e hemos de ver: escrever, neste livro, é uma forma de oração. Para este Vate, como é facto e como é feito, Poesia é o típico, é o «topos» do sagrado, e o digamos, agora, com «adresse»: quanto mais sagrado, tanto mais secreto, mas em roaz materialeira, o homem do segredo é o homem do degredo. E quanto mais hispano, dessarte, tanto mais universal, universal ou católico de água primeira. Sendo, a Universidade, uma quente e caroal universalidade. Averbemos, por isso, em verso e o diverso: palavras, para Luis Frayle Delgado, são qual a grã teofania, são as vias de acesso ao eterno e ao superno. Quero eu dizer: Luis Frayle Delgado é essente no Ser e é estado no estante. Pois em termos, novamente, de Martin Heidegger ( Messkirch, 26/ 09/ 1889 – Friburgo em Brisgóvia, 26/ 05/ 1976 ) não é nada, o «Dasein», sem o «Mitsein». É que o Eu só existe na reciprocidade, na lealdade a um Tu. Em cuidar, do mesmo Tu, com a festa da querença. Ou melhor: é criar e é querer com a força da crença. Ora eis o que escreve, o Autor, a 22 de Outubro do ano 2013: «Deixa-me recordar-te, / alcançar-te e abraçar-te, / não me fujas, não te percas nos mares de coral. / Não te escondas nos tamarindos marinos / entre os peixes dourados. / Quero adivinhar-te desde longe / e chegar a sentir-te com a gema dos meus desejos.» E ora muito e muito bem. Labora, Luis Frayle Delgado, para a Era, gloriosa, da Unificação. Ou em termos, agora, de José Marinho ( Porto, 01/ 02/ 1904 – Lisboa, 05/ 08/ 1975 ): se o Diabo é cisivo, ou decisivo, uniente e unitiva é a unívoca visão. Ou melhor: se a razão aparta o Homem da animalidade, a imaginação, em Luis Frayle Delgado, é factor divinizante. Sendo aqui, a Poesia, irmã gémea, ou germinal, da preclara Teologia. Do Poeta, na lauda 70, são os «Páramos» do Céu: «Voltei a percorrer / com escurecidos olhos de muitos anos / os ardentes páramos.» De Luis Frayle Delgado, então, é o Ser enquanto Ser, ele é firme, dessarte, como o preste Firmamento. Ou melhor: quando Moisés, mavioso, perguntou a Deus o Seu nome, foi, a resposta, a seguinte: «Eu sou Aquele que Sou» ( Ex. 3: 14 ). E indo, agora mesmo, ao sagrado Tetragrama: YHWH = Iod + Hé + Vav + Hé.  Ou melhor: se aduna, o Pentateuco, com a Ontologia, dessarte, do estreme Estagirita ( Estagira, 384 a. C. – Atenas, 322 a. C. ). Pois demanda, a propósito, demanda, providente, o Gottfried Leibniz ( Leipzig, 01/ 07/ 1646 – Hanôver, 14/ 11/ 1716 ): «Porquê o Ser, e não o Nada???» Se há Metafísica, aqui, ela é, pra citarmos, na sorte, Maria Zambrano ( Vélez-Málaga, 22/ 04/ 1904 – Madrid, 06/ 02/ 1991 ), «A Metáfora do Coração». Apalavrando em Pascal ( Clermont-Ferrand, 19/ 06/ 1623 – Paris, 19/ 08/ 1662 ), do coração que tem razões que a razão desconhece. Quero eu, aqui, aquilatar: se Luis Frayle Delgado, então, é Teólogo, é que ele pensa, ele medita, ele escreve com o coração. Biblicamente: ele ama, a Deus Pai, de todo o seu coração (Dt. 6: 5). Porquanto ele, certeiro, ele disserta dessarte: «Mas este Domingo / temos esperança. / Que ressuscitem os campos, / os mares e os céus!»; sabendo que foram grafadas, estas linhas, a 12 de Abril de 2020, na Páscoa, caroal, da Ressurreição, está então descoberta a chave do enigma. E está então, desperta, a Palingenesia, a novena genial, e a reencarnação. Ou melhor: sendo, o Doutor, o fazedor da doutrina, então professa, o professor, no jardim de «Academus», em ginásio da Poesia. O Poeta ensina, deveras, por meio, ou através, dos signos linguísticos. E educar, para os Latinos, é como alimentar: quem ora, na lavra, é como quem semeia, e faz, quem escuta, a Festa das Colheitas. Luis Frayle Delgado, então, qual ginasta de palavras, de parábolas o ginasta ele era, deveras, Fray Luis de León ( Belmonte, Cuenca, 1527/ 1528 – Madrigal de las Altas Torres, Ávila, 23/ 08/ 1591 ). Ouçamos, de São Paulo, 1 Cor. 9: 24: «Não sabeis vós que os que correm no estádio correm todos, mas só um ganha o prémio? Correi, pois, desse modo, para que o consigais alcançar.» E chegamos, agora, a um ponto de ligação entre a Musa de Luis Frayle Delgado e a Poesia, caroável, de Carlos d’Abreu: é que é nativo o natal e é natura a nutriz. «Quando Caem as Folhas da Alma» assevera, na seara, o Poeta: «Poeta, eu também estou sentado / junto ao tronco da minha velha azinheira / e escuto as desventuras e murmúrios / que trespassam a sua áspera casca. / No teu seio escuro e vigoroso / foste recolhendo os suspiros / das almas que passam a teu lado / e conheces os seus amores e mistérios». E eis, como em São Francisco de Assis ( Assis, 1181 ou 1182 – Assis, 03/ 10/ 1226 ), a prosopopeia, personificação, o fantástico animismo, aqui eis a Deméter, que é deia de Madre. É «Ars Magna», uma Arte Régia, uma Alquimia do Verbo, e não sentes, da oração, os fortes e férteis laboradores??? Então ouçamos, selectamente, o Apóstolo dos Gentios: «Efectivamente, nós somos cooperadores de Deus e vós sois cultura de Deus, sois edifício de Deus.» ( 1 Cor. 3: 9 ). Ou melhor: por a Palavra vem a Luz, se Deus criou o homem foi pra que o homem, ele mesmo, se torne Criador. E à guisa, graciosa, de Luis Frayle Delgado: pra que ele se libere a si, liberando os outros seres. E grande parte dessa liberação, ela é, laboral, uma obra da Ibéria. Ibéria úbere, com brio, do Pão e da Graça do Espírito Paracleto. Que o dever do homem, nesta terra, é plantá-la, cultivá-la, com o Verbo liminar. E ora muito e muito bem. Pra empregarmos um termo do Poeta, eis, na Eucaristia, a «celebração da existência», o estar à escuta, alacremente, das vozes recônditas que vêm do Ser. Ratificando, rectificando e progredindo. E adunando, à guisa de Unamuno ( Bilbau, 29/ 09/ 1864 – Salamanca, 31/ 12/ 1936 ), a Paideia dos gregos à «humanitas» de Erasmo (Roterdão, 28/ 10/ 1466 – Basileia, 12/ 07/ 1536). E sendo, a dialéctica, o diálogo, aprimorado, do Eu com o Tu. Ou sendo a Psicologia, afinal, uma fala da Alma. E uma vez aqui chegado, demandamos: qual a escala e a escola, o grão desiderando da cultura espanhola??? A resposta vem, caroal, de Miguel de Unamuno  (Bilbau, 29/ 09/ 1864 – Salamanca, 31/ 12/ 1936): nada menos que o holismo, «Nada menos que todo um Homem». Felice, desse modo, a Universidade salamanquense: ela tem Padres como oradores e Poetas, dessarte, como Reitores. E quanto, ainda, a Luis Frayle Delgado: sacerdote, etimologicamente, é Nazarita, é aquele que se oblata, alegremente, à divindade. Nada menos, nada menos que todo um homem: quem abre uma escola, fecha uma prisão. E escrutemos nós ora. Na história do povo bíblico, há duas formas máximas de servir, diligente, a Deus Adonai: uma é a profecia, a outra, dessarte, é o preste sacerdócio. Permanecendo no regaço da Igreja Católica, o Poeta secularizou-se, bem selecto, em 1970, ele escolheu, Nazarita, o caminho da profecia. E é dele, em Musa maviosa, o ministério menestrel. Ou melhor: se proclama, o Sacerdote, o seu Querigma, frente a uma assembleia, o Profeta, o «Nabî», ou Nazireu, é aquele que faz, turvador, a travessia do deserto. Pois a miúdo, ou amiúde, o sacerdote é um guia, é bem aceite, o profeta é trovador, ou então, estorvador. Pois sendo a Poesia afim da Teologia, o Vate ou Poeta, salvo raras excepções, é Amigo, é irmão do Vaticano. E quem acende uma Luz nas trevas cruciais é sempre o primeiro a dela, e com ela, se beneficiar. Ouçamos, solertemente, ouçamos o poema «Invocação à neve», em nonagésima lauda: «Cor de pomba branca. / Cobriram-se os baldios / destas terras castelhanas. / Como num espelho escuro / refletem-se no céu / e enchem de luz a minha alma.» Pois palavras são as cousas, e o livro, aqui, é um ser vivo. Pois aplica-se, a Luis Frayle Delgado, esta frase, forte e firme, de Friedrich Hegel (Estugarda, 27/ 08/ 1770 – Berlim, 14/ 11/ 1831): «A coruja de Minerva só levanta o seu voo ao cair do crepúsculo.» Immanuel Kant ( Konigsberg, 22/ 04/ 1724 – Konigsberg, 12/ 02/ 1804 ), «verbi gratia», nasceu em 1724, e só em 1788 publicitou, preste e pronto, a «Crítica da Razão Prática». Isto é: no ano em que foi nado o Arthur Schopenhauer ( Danzig, 22/ 02/ 1788 – Frankfurt, 21/ 09/ 1860 ). E dá a lume, Immanuel, em 1790, uma Bíblia da Estética, ou seja, a «Crítica da Faculdade de Julgar».  Não sendo, propriamente, um panlogista, retenho um comento do sápido Hegel: as três demandas do Espírito, as actividades mais nobres do bípede implume são a Arte, a Religião, e a figadal Filosofia. A elas se dedica, em lisura e letradura, Luis Frayle Delgado. Abarcando, e digamo-lo de novo, o homem todo e todo o homem. Abraçando, com «adresse», as Ciências da História, as Ciências, no carme, Sociais e Humanas, ou melhor: a Psicologia, decerto, Transpessoal. E relevamos e alçamos, da lavra do Poeta, o «Pensamento Vitalista em Fray Luis de León»  (2018). Ou melhor: o Homem surde como objecto das Ciências do Espírito na medida em que se vivem estados humanos, na medida em que a cultura ela é, sobremaneira, manifestação de vida. Sendo vida, em sua vis, o pensamento é movimento. E citemos o Santo: «Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância»; em Jo. 10: 10, aqui eis as palavras de Cristo Jesus. E uma vez aqui chegado, demanda o legente: mas qual o móbil, ou motor, de Luis Frayle Delgado? E a resposta, aqui, é lógica e lícita: é a Cruz, é o Querigma, é  cultura sujeita ao culto das virtudes teologais. Sendo, os Latinos, qual a Ítala, de feito, sendo a Grécia como a arca e a Ibéria como a  barca. E ora muito e muito bem. Lobriga-se, na próxima cita, a «necessidade metafísica» de que fala o Schopenhauer: «Os vinte e cinco anciãos / fecharam com sete chaves / o livro sagrado. / Ouve-se a lira / que desfia / uma história eterna / tangida por anjos. / Anjos escuros / fecharam a porta / com as sete chaves.» E não nos enganemos, mas preste elucidemos: é dos poemas mais belos de todo e todo o livro. E sendo, a Filosofia, irmã da Teologia, o patético vem do «pathos», falamos, em Luis Frayle, de uma enfática, empática, compreensão. Exactamente: essa preensão por a qual  apreendemos. Que, em Luis Frayle, o homem económico, ele cede a voz, e a vez, ao homem, caroal, da misericórdia. Coração, quente e crente, para «Os Miseráveis» ( 1862 ), dessarte, de Victor Hugo (Besançon, 26/ 02/ 1802 – Paris, 22/ 05/ 1885). Que ser Amigo do ABC, é sempre, sempre e sempre, ser Amigo do «abaissé», e por isso a Beleza, como em Dostoiévski (Moscovo, 11/ 11/ 1821 – São Petersburgo, 09/ 02/ 1881), salvará o mundo inteiro. Ou pra citarmos, aqui, o Aquinate (Roccasecca, 1225 – Fossanova, 07/ 03/ 1274), «o belo é o que provoca um conhecimento gozoso». Ou, ainda, do mesmo Teólogo: «O belo é aquilo que agrada à visão.» Quero eu dizer: sendo o escopo da Arte a Ideia platónica, o Belo é desinteresse, o Belo é a mesma Ideia tornada sensível. É, por vocábulos outros, a manifestação sensível da Ideia. Sendo, precisamente, o Mundo das Ideias, os Arquétipos de que fala o Carl Gustav Jung ( Kesswil, Turgóvia, 26/ 07/ 1875 – Kusnacht, Zurique, 06/ 06/ 1961 ). E ora vamos ovante avante. Redigido em «El Refugio», Salamanca, ouçamos o poema «Quando anoitece»: «Cultivei palavras, / a hortelã e o alecrim / entre a amendoeira e as macieiras, / em tempo de feridas abertas / por um arado antigo, / que deixou profundos sulcos / no meu peito.» Quero eu dizer: o Poeta se distingue numa arte oratória, e fulgura, o Poeta, numa arte aratória; e trata-se, aqui, da Agricultura Celeste. E sendo, a palavra, uma nau, o arado é a espada e a espada é a Cruz. E sendo a secretária, em que o Poeta exara, a safra, o conclave, e a pedra da ara. Onde haja, portanto, dous ou três, manducando uma adiafa, e partindo o mesmo Pão, Deus estará presente no carme e na oração. De tal modo que diremos: «Quando Caem as Folhas da Alma», aclara-se a «ecclesia», e convoca-se, no cor, o conciliábulo. E celebra-se, em tertúlia, o Erasmo ( Roterdão, 28/ 10/ 1466 – Basileia, 12/ 07/ 1536 ) o Dom Quixote e o Tertuliano ( Cartago, c. 160 – Cartago, c. 220 ). O Leão, Leão Hebreu ( Lisboa, c. 1460 – Nápoles? c. 1535 ).  E, por que não, o carisma, o caroal, e o Carlos d’Abreu ( Maçores, 15/ 09/ 1961 ). Inferindo, aqui, informamos o ledor: Luis Frayle é Licenciado em Teologia, Licenciado, de feito, em Filosofia, e Catedrático em Latim. Pra Santo Isidoro de Sevilha (Cartagena, c. 560 – Sevilha, 04/ 04/ 636), «verbi gratia», Teólogos, na Antiguidade Clássica, eram, deveras, os Poetas pagãos, eram aqueles que defendiam, providentes, o panteão do seu povo. Pois seguindo e segundo o Martin Heidegger (Messkirch, 26/ 09/ 1889 – Friburgo em Brisgóvia, 26/ 05/ 1976), o mester do Poeta é nomear o Sagrado. É ser fiel aos seus sonhos, Eutopias e Alotopias. De tal modo que diremos: em tópicos e tropos, o Poeta alegoriza: ele é láurea e é Luz, é ébrio do sangue de Cristo Jesus………………..


Tomar, 14/ 07/ 2024

SPES MESSIS IN SEMINE

PAULO JORGE BRITO E ABREU