MARIA ESTELA GUEDES
Dir. Triplov
Comunicação apresentada na Tertúlia de Artes e Letras, Espaço de Cultura, organizada por Aurora Simões de Matos. Biblioteca Municipal de Lamego, 19 de Novembro de 2022.
A escritora Maria do Pilar Bandeira Monteiro, de seu nome de solteira, era filha do morgado da Granja, freguesia de Cárquere (Resende), onde nasceu, em 1814. Casou com Manuel Maria Ferreira Sarmento Osório, senhor da Quinta de São Bento (Tarouca), e das casas de Nossa Senhora da Conceição, em Britiande, vila onde Maria do Pilar morou grande parte da vida, onde morreu, em 1887, e onde foi sepultada. O jazigo, mandado construir por ela, ainda se conserva; é o primeiro à esquerda de quem entra no cemitério de Britiande, sombreado por uma das nobres oliveiras que rodeiam a igreja. Três sepulturas o constituem. De acordo com informação da herdeira D. Margarida Osório, senhora bem conhecida dos lamecenses, na sepultura do centro jaz Manuel Maria Osório, marido da escritora. As laterais, simétricas, albergam, uma delas, os restos mortais de Maria do Pilar Osório; a terceira está vazia. A. de Almeida Fernandes, que pôde ler a inscrição no túmulo central, informa, no seu livro sobre Britiande, que o jazigo foi mandado construir por Maria do Pilar Osório. Porém, à data em que o historiador leu a inscrição, o jazigo ainda só tinha dois túmulos. Cito, da pág. 234: “ambos (Maria do Pilar e Manuel Osório, o marido) estão sepultados no cemitério de Britiande, em jazigo próprio, com dois túmulos – um, raso, e o outro alto (este, o dele)”. Quanto à transcrição, que o historiador britiandense declara já pouco legível dado o musgo que corroía a pedra, faz parte da nota 780, e transcrevo-a para o registo ortográfico atual, desdobrando as abreviaturas:
Aqui jaz o Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Manuel Maria Ferreira Sarmento Osório que tendo nascido a 14 do 8 de 1818 faleceu a 10 do 10 de 1865. Foi trasladado a 6 do 1º de 1866 e sua mulher a Ilustríssima Senhora D. Maria do Pilar Bandeira Monteiro mandou-lhe erigir esta sepultura em memória da sua dedicação.
Em 2007, José Augusto Mourão e eu organizámos o VII Colóquio Internacional “Discursos e Práticas Alquímicas”, que decorreu sob patrocínio da Câmara Municipal de Lamego, no seu salão nobre. Nessa altura apresentei uma comunicação sobre Maria do Pilar Osório, e publiquei um diretório da autora no Triplov. Vou utilizar agora esses documentos, à falta de novos. Realmente, na Biblioteca Nacional, creio que só existia nessa data um dos seus romances: A secular do convento de Barrô. Nunca li os outros, pois nem D. Margarida Osório (herdeira), que me acompanhou numa visita à Quinta de São Bento, onde viveu a escritora, e me recebeu na sua casa de Lisboa, os possuía, à exceção desse. Em Britiande, Maria do Pilar Osório morou no Quintal do Visconde, propriedade onde existiam diversas casas solarengas. Hoje, para referência do local, só o nome do Café Visconde resta. De acordo com informações de uma amiga nascida em Britiande, as antigas casas foram demolidas e o terreno loteado para habitação por João Francisco, conhecido como João da Cova Funda, proprietário da Quinta da Galinha. Segundo A. de Almeida Fernandes, a casa onde viveu e escreveu Maria do Pilar ficava à entrada de um esboço de rua, que hoje é a Rua Dr. Sá Carneiro, a delimitar um bairro bem habitado, com dentista, minimercado, banco, uma loja de produtos agrícolas, dois restaurantes a dois passos, o café Visconde, onde redigi parte desta comunicação, bairro cuja construção é posterior aos anos 70. Já sobre a outra casa de Maria do Pilar Osório há mais informação, a Quinta de São Bento.
Em suma, aquilo que está hoje disponível para leitura é muito pouco. Na verdade, ignoramos a totalidade das obras desta escritora e a que géneros pertencem, salvo o conhecimento indireto advindo de enciclopédias, da obra de A. de Almeida Fernandes sobre Britiande e do catálogo de Armando Rica & Fernando Cabral – Ilustres de Lamego (1).
Menciono os outros títulos de Maria do Pilar Osório mais conhecidos, na esperança de que existam na biblioteca particular de algum dos presentes nesta tertúlia, e que o feliz proprietário dos livros se disponha a emprestá-los para recolha de notícias e eventual publicação. Além de A Secular do Convento de Barrô, refiram-se então Uma Família que viveu no Século Passado, Lágrimas e Saudades, A Filha do Povo e As Duas Mulheres.
O Convento de Barrô
Disponíveis em triplov.com, encontram-se alguns textos relativos a lugares da nossa região, extraídos da obra A Secular do Convento de Barrô. Em primeiro lugar, o capítulo intitulado “A fundação do convento”. Trata-se do Convento de Barrô (2), esse mesmo que dá título ao romance. Maria do Pilar relata como se fundou ele, tal como noutras situações se ocupa de factos que ainda hoje permanecem na região e na memória, apesar de A. de Almeida Fernandes, a propósito de Britiande e da própria escritora, lamentar o esquecimento em que mergulhou o nosso passado. Maria do Pilar luta pelo oposto, pelo que deve ser lembrado, o que nos permite integrar a sua obra na linhagem romântica do romance histórico. Depois de nomear a fundadora, e de referir que Mariana da Madre de Deus foi o nome adotado por ela na vida religiosa, a escritora refere a Ordem das Clarissas, escolhida pela futura abadessa para nela professar, na companhia de outras senhoras. Escreve Maria do Pilar Osório, mostrando-se muito bem instruída na matéria:
Todas estas senhoras se recolheram á clausura e professaram. Como fica dito, Marianna da Madre de Deus adoptou para o seu convento a ordem de Santa Clara na qual fez algumas alterações, taes como: não fallarem as religiosas senão a parentes dentro do terceiro grau, não terem criadas próprias e usarem de hábitos de saial, véus de barbilho e toucas de linho sem nenhum ornato; e em empregarem o tempo na oração e serviço de Deus.
A nova communidade foi iniciada nos preceitos e praxes da ordem pela religiosa soror Izabel Baptista, freira no convento das Chagas, a qual a fundadora mandou vir expressamente para esse fim.
Como se nota, a escritora está na posse de informações relevantes para nós, pena é que pouco reste do convento. Visitei-o, tirei muitas fotografias, parte delas estão publicadas no diretório de Maria do Pilar Osório, no Triplov, mas o convento já não existe. Só a igreja se mantém de pé, mirando o Douro, tudo o mais são ruínas, com a carga afetiva habitual do Romantismo.
Uma jornada de Lamego até à Quinta de São Bento
Entre outros passos do romance bem aliciantes para nós, que aqui vivemos e gostamos de saber como eram os nossos lugares há uns cento e cinquenta anos, menciono a viagem de duas senhoras desde Lamego até à Quinta de São Bento (3). Nela morou algum tempo Maria do Pilar Osório. Propriedade de Margarida Osório, falecida há poucos anos, julgo que a casa continua a ser gerida pelo seu filho, António Osório, para fins de turismo rural. Em A secular do convento de Barrô, Maria do Pilar Osório ultrapassa o domínio da ficção, casada embora com a historicidade, para entrar no domínio da autobiografia. Vejamos o que ela narra:
Ignora-se como se operou essa transformação, mas é certo que se operou, e que d’essa familia muitas gerações se derivaram, que alli nasceram e morreram, até que essa descendência veio a recahir na nobilissima família Vaz Pinto de Menezes da Villa de Bretiande, da qual Manoel Maria Ferreira Sarmento Osorio foi o ultimo descendente, e deixou a sua esposa, que é a auctora do presente livro e hoje a possue.
Seguindo caminho para a Quinta de São Bento, Maria do Pilar Osório vai assinalando casas, propriedades, igrejas e capelas. À saída de Lamego, escreve ela:
Chegando à capellinha da Senhora do Desterro, a cavalgada desceu a calçada que vae para a ponte que atravessa o caudaloso e frio Balsemão, transpoz esta e subiu para o lado opposto, seguindo a estrada que vae para o alto da província. Não muito distante da ponte saudou o nicho do Senhor da Boa Passagem, e avistou além na mesma direcção, a antiga casa de Calvilhe, solar de um dos principaes ramos da nobilíssima familia dos Pintos, de que é primitivo solar o castello de Cham no concelho de Ferreiros de Tendaes; e um pouco mais adiante a freguezia de Cepões, em cuja elevada colina se ostenta o palacete dos Pintos Coelhos, nobre e antiga familia que ha séculos alli tem residência.
Dominando formosos valles e cultivadas encostas, a estrada graciosamente encurvada desenvolveu-se-lhe na frente, como longa fita branca orlada de verde. Próximo da villa de Bretiande bifurca-se esta, seguindo a principal em frente e desviando-se a inferior para a esquerda. Por esta tomou a pequena caravana.
Enfim, seguem-se Alvelos, num vale fértil, a igreja e a capela de São Sebastião, em Várzea de Abrunhais, a quinta dos viscondes de Várzea, com o seu belo palacete: “entre copados cedros, alveja como cândida açucena a capella que completa a ostentosa residência dos preclarissimos descendentes de Geraldo sem Pavor, família illustre pelas tradições, pelas allianças e pelos serviços prestados á pátria”.
A cavalgada vai revelando os encantos da região, torneia
a formosa quinta de Ferreirim, de cujos nobilíssimos proprietários, sahiram homens que foram investidos em altas dignidades e occuparam eminentes logares na magistratura, na diplomacia, na milicia e nas antigas ordens militares, d’entre estes avultam um embaixador em paiz estrangeiro, um bailio na ordem de Malta, um desembargador do paço e um general em tempos não remotos.
Finalmente, as duas senhoras e sua comitiva alcançam a Quinta de S. Bento, cuja antiguidade se descreve nestes termos:
Remonta a mui antigas eras a origem d’esta quinta, talvez a dos celtas, dos quaes bem como dos sarracenos, se encontram alli pronunciados vestígios. Passou depois a velha quinta por differentes phases, algumas das quaes estão envolvidas em espesso veu. O que se vê em documentos e consta de tradições, é que em 1400 era residência de familia nobre, d’ella passou não se sabe como a hospício das freiras do convento de S. Bento da Ave-Maria da cidade do Porto, para as quaes era o que nas ordens monachaes chamavam brevia ou pequena quinta de temporária residência.
As freiras do mosteiro de S. Bento da Ave-Maria, não só faziam n’aquelle hospício essa temporária residência, mas alli permaneciam quando enfermas ou quando de provecta edade.
Como se nota, é preciosa a notação histórica que o romance nos vai proporcionando sobre lugares, pessoas e temas do nosso interesse. Mais útil ainda seria, se pudesse alcançar maior audiência do que a nossa, que, sendo pequena em número, é grande na atenção que revela ao nosso património comum e na parte que me toca muito agradeço.
NOTAS
(1) Nuno Resende refere a escritora em ensaios que ainda não tive oportunidade de ler. Graças à amabilidade de Joaquim Melo, vou pôr em linha no Triplov dois textos de Maria do Pilar Osório, “As violetas” e “Avé imortal – Homenagem a Camões”, publicados no Novo Almanach de Lembraças Luso Brasileiro, de 1889 e 1882.
(2) O Convento de Barrô, imagens, em: https://www.triplov.com/Britiande/Maria-do-Pilar-Osorio/Secular-Convento-Barro/Capitulo-4/Convento/index.htm#4
(3) Quinta de São Bento no tempo de D. Maria do Pilar Osório:
https://www.triplov.com/viagens/Quinta-de-S-Bento/Residencia/index.html
LEITURAS
– A. de Almeida Fernandes – A História de Britiande. Edição da Câmara Municipal de Lamego e da Junta de Freguesia de Britiande. Barbosa & Xavier, Editores, Braga, 1997.
– Armando Rica & Fernando Cabral – Ilustres de Lamego. Edição da Câmara Municipal de Lamego, Lamego, 2006.
– Maria do Pilar Osório , A secular do convento de Barrô. Porto, Typographia Occidental, 1882.
– Maria do Pilar Osório. Diretório no Triplov (2007):
https://www.triplov.com/Britiande/Maria-do-Pilar-Osorio/index.htm
– Maria Estela Guedes, «Maria do Pilar Osório, escritora em Britiande». VII Colóquio Internacional Discursos e Práticas Alquímicas. Salão Nobre da Câmara Municipal de Lamego, 22-24 de Junho de 2007.