Louvado sejas, Francisco!

 

 

Frei BENTO DOMINGUES, O.P.


  1. A 13 de Março de 2013, surgiu, na tradicional Varanda, o novo Papa que, antes de dar a bênção, pediu ele a bênção à multidão, aos que estavam ali presentes e a quem estava através dos meios de comunicação. Despediu-se, desejando um bom jantar a todos. Era um jesuíta que escolheu, para o seu pontificado, o nome de Francisco de Assis. Era estranho, mas percebemos rapidamente que não poderia ter feito melhor escolha.

Agora, crentes e não crentes, católicos e não católicos já passaram duas semanas a tentar despedir-se do Papa Francisco. Mesmo internado, não deixou de estudar e escrever para nos deixar trabalho programado e inspirador, até Outubro de 2028, que provoque novos trabalhos de todas as Igrejas.

Francisco continuou activo nas tarefas imediatas que apontou para mudar o mundo, mudar a vida[1]. Importa não esquecer este dado essencial: estabeleceu o início de um caminho que deve levar a uma Assembleia Eclesial, daqui a três anos, consolidando o que foi realizado até hoje e abrindo novos caminhos. O Papa Francisco procurou, em tudo o que disse e realizou, despertar a Alegria do Evangelho, suscitando sempre o sentido da liberdade e da criatividade. Não eram propriamente os dogmas e a sua  infalibilidade que o preocupavam. Essas dimensões, por mais importantes que sejam, não foram as suas preocupações dominantes. A Igreja é de todos, todos, todos, porque é fruto do trabalho, da oração e do empenhamento de todos. Deus não é só de alguns. Não podemos falar de uma Igreja do Papa Francisco, mas de uma Igreja acolhedora de todos os que andam à procura de um sentido para vida.

Não posso supor que um novo Papa tente eliminar este processo, que não é de um Papa, mas de uma Igreja Sinodal. É evidente que isso seria possível. No entanto, quem se metesse por esse caminho estaria a romper a maior redescoberta do pontificado do Papa Francisco. Por isso, é tão importante aproveitar este tempo para meditar e aprofundar as suas mensagens, os seus textos e a Carta dirigida a todos os bispos, publicada durante o seu internamento (11.03.2025), que se refere à fase de implementação do Sínodo concluído em 2024. Não é uma carta apenas de um hierarca, mas a expressão das próprias comunidades eclesiais que abraçaram o processo sinodal de comunhão, participação e missão.

Sinto-me obrigado a não esquecer essas vozes. Digo isto no plural porque se trata, de facto, de um texto que já é da Igreja – o Documento final da 16ª Assembleia Geral, Outubro 2024 – elaborado pelas comunidades cristãs, na sua diversidade, e assumido pelo Magistério ordinário do Sucessor de Pedro.

Como explicou o cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo, isto implica, para as Igrejas locais e para os grupos de Igrejas, o compromisso de implementar as indicações do próprio Documento sinodal, por meio de processos de discernimento e decisão, culminando na Assembleia Geral 2028.

A Igreja, sempre em reforma, é chamada a expressar a crença de que a Igreja Cristã deve continuamente reexaminar-se para garantir a pureza da sua mensagem e prática, conformes ao Evangelho.

  1. Importa voltar ao esforço de Francisco para que a Igreja viva preocupada e ocupada com as questões da sociedade: a pobreza, os descartáveis, os migrantes, as guerras e as vítimas das guerras, a ecologia integral, o diálogo inter-religioso e, sobretudo, a eliminação daeconomia que mata. Via a Igreja como um hospital de campanhade saída, não virada para si mesma, mas para o mundo com os seus problemas[2].

Como disse Paul Ricoeur, «se verdadeiramente as religiões quiserem sobreviver, devem satisfazer muitas exigências. É preciso, em primeiro lugar, renunciar a toda a espécie de poder que não seja o de uma palavra desarmada. Devem, por outro lado, fazer prevalecer a compaixão sobre a rigidez doutrinal. É preciso sobretudo – e é o mais difícil – procurar no mais fundo dos seus ensinamentos este excesso não dito, graças ao qual, cada um poderá esperar encontrar os outros, pois não é por ocasião de manifestações superficiais, que permanecem competições, que as verdadeiras aproximações são feitas: é apenas em profundidade que as distâncias são vencidas».

Quando andava à procura da Religião dos Portugueses, o arquitecto Nuno Teotónio Pereira ajudou-me a descobrir um movimento cristão, em Portugal, nos anos 40-50 do século passado, intitulado Metanoia e inspirado naquele que Bergoglio escolheu para o seu pontificado, Francisco de Assis. Este movimento foi sufocado pela época política em que se vivia. No entanto, ainda consegui falar com alguns dos seus fundadores e conservo várias das suas publicações.

  1. O Papa Francisco deixou-nos um legado de gestos e palavras que podem alimentar todas as correntes espirituais e sociais que desejem seguir o caminho sinodal. É normal que o novo Papa tenha outras inspirações, outros métodos e outras orientações. Não serão, porém, contraditórias porque o próprio do Papa Francisco foi o de abraçar a largueza das experiências humanas, católicas e não católicas. Bergoglio não gostaria nada de suscitar imitadores, mas mulheres e homens inspirados no Evangelho e no melhor de toda a história da igreja e da humanidade.

Além do seu programa – Alegria do Evangelho (2013) – e do impulso que deu ao diálogo inter-religioso, destaco, entre muitos outros textos, A Alegria do Amor (2016), a Declaração sobre a Fraternidade Humana pela Paz Mundial e a convivência comum (2019), a Fratelli Tutti (2020), sem esquecer os seus “3 Ts”: Terra, Tecto (casa) e Trabalho, inspirados no Encontro Mundial de Movimentos Populares (2014).

Em resposta a uma carta do Delegado da Região Pastoral de Buenos Aires, a propósito de A Alegria do Amor, o Papa recomenda simplesmente isto: acolher, acompanhar, discernir, integrar. Estas atitudes devem ter em conta a inculturação, no tempo e nas circunstâncias em que as pessoas se encontram. É esta a teologia do Papa Francisco para as famílias[3].

Nada será possível sem o radical cuidado da casa comum – Laudato Si’ (2015). Este cuidado da ecologia integral era o de Francisco de Assis: «Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras».

Louvado sejas, Papa Francisco, por todo o legado que nos deixaste e pela insistência com os jovens portugueses: procurai e arriscai.

 

[1] Cf. Pedro Bacelar de Vasconcelos, Mudar o Mundo, Mudar de Vida, Edições Afrontamento, 2021

[2] Cf. Pape François. Rencontres avec Domnique Wolton: Politique et société, L’Observatoire, 2017

[3] Cf. Miguel Almeida, SJ, coord., Alegria e Misericórdia, Frente e Verbo, 2020


04 Maio 2025

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