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LIVRE PENSAR
Do ponto mais Oriental das Américas
- João Pessoa - Paraíba - Brasil
Número 624 - 23 de fevereiro de 2005

Poemas retirados do Livro Perdidos Astrolábios, 2002 - Editora Universitária - UFPB, do poema intitulado: Diante d'El Rei (fala dos dez náufragos). Abaixo os últimos quatro poemas que fecham a fala dos dez náufragos ao rei.

Com está página a gente conclui a homenagem prestada pelo Livre Pensar ao grande poeta paraibano Lúcio Lins, que fez aniversario por esses dias e a quem desejamos tudo de bom. Ivg

LÚCIO LINS

Fala do sétimo náufrago:


Senhor
o mar
é um soneto antigo
e a poesia
ritmo de poucos


e mais
o mar é mais
quando barco
divaga
quando a quilha
metrifica
(um verso a cada ilha)


vê-se em vossos olhos
de colecionar pedras
que ainda sois vós
a mesma sede
cá na terra sempre triste


mas vos trago versos
versos que encontrei
espalhados pelas ilhas
em garrafas de mensagem
e na taberna vos aguarda
um sarau de náufragos


entre eles
Senhor
vos sentireis à vontade
nem sereis rei
nem sereis destronado
e podereis com eles
partir na Nau dos Insensatos



Fala do oitavo náufrago:


naveguei
Senhor
naveguei
e navegando aprendi
do mar
o balé de suas águas
(quando a maré vem
é um convite que faz
quando a maré vai)


e navegando aprendi
do mar
que o mar
todo mar
é um naufrágio
(a água tece na pedra
a lápide de seus náufragos)


ao mar
Senhor
ao mar
vossa palavra de rei
só vos servirá de epitáfio


Fala do nono náufrago:


Senhor
sou eu
talvez o mais errante
de todos os navegantes
por não naufragar
em vossas águas


Senhor
me errei
desde a infância
desde da infância
eu me mirei


toda a corte
me queria infante
mas inda aspirante
à errância naveguei


errei de mar
e me errei


pus os soldadinhos
de chumbo
no barco de papel
e com eles
naufraguei nos céus


Senhor
eu me irei
desde a infância



Fala do décimo naufrago:


Senhor
me fiz ao mar
inda quando o mar
era mar de inéditas águas


me fiz ao longe
inda quando o longe
era longe de vossas páginas


naveguei
Senhor
e venho das águas de antes
das águas de muito antes
de Aragão e Castela
pra vos dizer dos mares


Senhor
a história baldeou o mar
espalhando velas e sífilis
por tudo que é superfície
e nas tabernas os navegantes
inda por serem navegados
bebem garrafas sem mensagem
com o coração à beira lágrima


Senhor
vossa história baldeou o mar


Essa coluna é editada por Ivaldo Gomes e colaboradores. ivg@terra.com.br

"o mar
sou eu
coração posto à deriva
(mar errante
no porão de uma nau perdida)"
Lúcio Lins

(primeira estrofe do poema (auto-retrato)).