Fala do quarto náufrago:
perdoai
Senhor
por minhas
vergonhas despidas
deixei as minhas
vestes
junto com a alma
estendidas
no varal imaginário
que dividiu o mundo
em duas vontades
e vos trago
terras e pedras
de uma terceira metade
vos trago mais
Senhor
mais que terras
mais que pedras
vos trago
as perdas preciosas
Fala do quinto náufrago:
sou eu
Senhor
mais um
dentre tantos
que descobriu mundos
e outras falas
para as páginas úmidas
de vossa história
mais um
dentre tantos
que descobrindo terras
se descobriu náufrago
em seus dois terços de mar
Senhor
a superfície
é a vaidade da terra
são pedras
são falas
(aglomeração de gente e pó)
e vos convido
ao mar
ao mar
Senhor
ao mar
(o cais é mais
que aguardar regressos
e temos que ir
além daquela laje azul
beber das águas incriadas)
Fala do sexto náufrago:
o mar
Senhor
é de águas muitas
e infindo
mas toda superfície
é longe
e longe
do mar de dentro
aos olhos
dos faróis
toda distância azul
é finita
e finda o mar
sem que bebamos
das distantes águas
que no coração
fazem dilúvio e sede
Senhor
longe somos nós
quando velejamos sonhos
(o vôo da gaivota
nos é pouso
e o mar
se faz bebedouro
de nossos pássaros)