O Livre Pensar continua homenageando o poeta Lúcio Lins, com poemas retirados do seu livro Perdidos Astrolábios - Editora Universitária - UFPB - João Pessoa - 2002.
A página de hoje desse Livre Pensar, contém os três primeiros discursos dos 10 náufragos que se dirigem ao rei no poema Diante d'El Rei (fala dos dez náufragos). Ivg
Fala do primeiro náufrago:
Senhor
sou eu
este infante
ou corsário louco
que vos tenta
a fala
trazendo nas mãos
as páginas
inda úmidas
doutras cartas
rasguei
todos os mares
depois de navegar
por mapas
náufrago de palavras
nunca dantes navegadas
Senhor
vos digo mais
não existe mar
além do búzio
que tendes no peito
e no cais
nos espera
a mais antiga
das caravelas
(nosso barco de papel)
Fala do segundo náufrago:
Senhor
me procuro
desde o ventre
desde o gênesis
eu me procuro
e toda busca
é perda
vaidade
aflição do barco
Senhor
arregaçai vossa alma
para a travessia
que não navegar
é encalhar-se no corpo
eternamente entre
Ítaca e Canaã
a esperar por Moisés
com a tábua das marés
ao mar
Senhor
ao mar
em terra
todos seremos
o mesmo fim
(pobres e esquecidos
já em outra Valladolid)
Fala do terceiro náufrago:
Senhor
sois vós
senhor de muitos
mares
e de muitas terras
o mundo
é vosso
exceto o mundo
que vos pertence
porque é exato
e espalha certezas
sobre o assoalho
de longe
Senhor
a terra
é tão grão
que nem supomos
terra à vista
e vos trago as mãos
de naus vazias
(sequer uma água-marinha
de conquista)
Senhor
o que é nosso
são os nossos quiças
(os ossos das naus
que aguardamos
entre a âncora e a ânsia
pelo veludo
e pelo lodo do cais)