Acordei-me, como todos os
dias, entre 5:00 h. e 5:30 h. da manhã. Costume dos 17 anos que passei
oficial do Exército Brasileiro. Fui respirar meu oxigênio matinal da
varanda do apartamento curtindo o deslumbrante amanhecer de um dia de
verão na Jatiúca. Ao longe um retilíneo e nivelado horizonte divisor:
por baixo um azul-esverdeado do mar, por cima um azul de pontos dourados
do céu. O Sol havia nascido por trás do coqueiral altivo
balançando as copas, como se estivesse dando boa vinda ao novo dia.
Respirei fundo, exercitando os pulmões, em
meditação, quando soou em minha mente o "lembrômetro". Tenho um
dispositivo, um mecanismo em minha memória que me faz lembrar alguma
coisa. Preciso apenas me esforçar para saber o quê especificamente. Nada
recordei. Fui andar pela orla enquanto tentava
lembrar o acontecimento importante que piscava no "lembrômetro". Algum
aniversário? Sim, do Bidão e do Cuca mas não relevante para a
intensidade do "lembrador". Continuei minha caminhada suando sem lembrar
o fato. Só quando iniciei meu café matinal, veio o
estalo: "O Mungunzá do Pinto!!!!"
No mesmo instante desci
rápido pelo elevador, fui para a concentração na orla
defronte ao Hotel Ponta Verde onde o Bloco Carnavalesco Pinto da
Madrugada oferecia aos foliões, andarilhos matinais e turistas um
gostoso mungunzá ao som da orquestra da Polícia Militar. Alcancei uma
boa parte da festa. A banda tocava música de carnaval antigo, música de
Capiba, enquanto a moçada, aliás a velharada caía no passo.
Por trás da tenda, duas enormes panelas
distribuíam o mungunzá para os foliões, turistas,
curiosos, esfomeados e outros desocupados.
É bom que se saiba: o
mungunzá estava de primeira. Eu me refestelei. Teve gente que chegou a
tomar 12 tigelas, verdadeiro recorde mundial.
Por isso foi devidamente
registrado no livro de recordes guinés. Veio especialmente da
Inglaterra, Mr. George Blair, um representante do livro para averbar o
fato. Hospedado no Hotel Ponta Verde foi encaminhado ao local por
figuras notáveis que estavam na festa como o governador Mano Gomes, o
Dr. Ardel Jucá, o Dr. Nilton Jorge e esse Duque que vos fala.
Atravessamos a pista escoltando o inglês que emocionado fez um breve
discurso entregando os prêmios de recordes mundiais
em degustação de mungunzá a: Marcelo Bonfim (tigela de bronze), Pascoal
Savastano (tigela de prata) e o grande campeão Miguel Vaz (tigela de
ouro) conseguiu comer 12 tigelas e meia.
Depois Mr. George Blair
agradeceu a presença do prefeito Cícero Almeida naquela festa e lembrou
que alcaide gosta de pintos, guinés e outros galináceos, apenas tem
restrições, não gosta de pardais (referência ao primeiro ato do prefeito:
retirada os "pardais", fiscalização eletrônica de trânsito com multa
automática aos motoristas que avançam o sinal.)
A festa prosseguiu até as
dez da manhã com muita animação e muita música. Foram apresentadas as
novas músicas do Pinto. Maravilhosas! Principalmente as do Nilton Jorge
e do Reinaldo Cavalcante. São marchinhas que tem tudo que pegar. Pena o
povo ainda não ter assimilado essas músicas. Não houve divulgação nem
caitetuagem nas rádios para tocá-las. O esforço do Edécio Lopes
em seu programa diário é enorme e importante, mas só ele não dá
conta.
Essas músicas poderiam tocar
nas rádios e tvs. Não só por serem boas, como também como renovação.
Gosto muito dos carnavais antigos, dos frevos , das marchinhas. Mas já
está se tornando enjoado só tocar essas músicas dos anos 50/ 60. É
preciso renovar e o Pinto trouxe músicas novas
maravilhosas, precisam apenas pegar. Não agüento mais ouvir nos blocos,
antigas músicas como: "Voltei Recife, foi a saudade que me trouxe pelos
braços..."
O nosso ator, escritor,
carnavalesco, publicitário, homem de cultura Marcial Lima, um dos
fundadores do Pinto, foi quem se travestiu representando
Mr. George. Impagável com um saiote escocês e uma máscara de um
inglês narigudo branco. Marcial é mestre do bom
humor inventivo.
O Pinto da Madrugada é um
bloco carnavalesco fruto da inspiração de quatro
pessoas preocupadas com o cultura e o carnaval
alagoano. Foi decretada a falência do carnaval de ruas e clubes na
cidade de Maceió, graças aos marqueteiros baianos que bombardearam o
Brasil, principalmente o Nordeste com o som do "axé
music" tendo como porta de entrada os carnavais fora de época.
Alguns foliões sentiram a grande perda de nosso frevo, marchinhas
de carnaval análogo culturalmente ao de Pernambuco.
Por conta disso um grupo formado por Marcial, Eduardo , Braga Lyra e O
Dr. Marcos Davi, resolveu fundar um clube carnavalesco com as
características dos carnavais passados, mas com uma auréola moderna e
deu-lhe o nome de PINTO DA MADRUGADA, uma referência ao padrinho
carnavalesco, o Bloco Galo da Madrugada do Recife, considerado o maior
bloco do mundo.
Assim hoje, pela sexta vez
percorrerá a orla da Pajuçara-Ponta Verde o Bloco Pinto da Madrugada,
que passou a ser um patrimônio do povo alagoano. Começa às seis da manhã
com a concentração em frente ao Hotel Enseada para o aquecimento do
Pinto. Mais ou menos às oito da manhã as 20
orquestras de frevo, a pé, arrastarão pela avenida mais de 100 mil
animados foliões dançando e cantando marchinhas de outros carnavais
misturadas com as marchinhas atuais da ala dos compositores do Pinto.
As camisas do Bloco estão à
venda, quem sai no Pinto, veste a camisa e a
camisinha. Não existe cordão de isolamento, o Pinto é democrata
e aberto para o público. Hoje é dia de dança, hoje é dia de frevo,
hoje é dia de alegria, hoje é dia de Pinto. Corra que ainda dá tempo.
Estarei também esquentado o
Pinto a partir das seis da manhã. Vou precisar do "lembrômetro" para não
esquecer meu cantil de uísque pendurado em minhas
vestes de gala, minha fantasia de Duque de Jaraguá.