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LIVRE PENSAR
Do ponto mais Oriental das Américas
- João Pessoa - Paraíba - Brasil

Número 616 - 29 de janeiro de 2005

 

CARLITO LIMA
O Pinto da Madrugada
 

Acordei-me, como todos os dias, entre 5:00 h. e 5:30 h. da manhã. Costume dos 17 anos que passei oficial do Exército Brasileiro. Fui respirar meu oxigênio matinal da varanda do apartamento curtindo o deslumbrante amanhecer de um dia de verão na Jatiúca. Ao longe um retilíneo e nivelado horizonte divisor: por baixo um azul-esverdeado do mar, por cima um azul de pontos dourados  do céu. O Sol havia nascido por trás do coqueiral altivo balançando as copas, como se estivesse dando boa vinda ao novo dia. Respirei fundo, exercitando  os pulmões, em meditação, quando soou em minha mente o "lembrômetro". Tenho um dispositivo, um mecanismo em minha memória que me faz lembrar alguma coisa. Preciso apenas me esforçar para saber o quê especificamente. Nada recordei. Fui andar  pela orla enquanto tentava lembrar o acontecimento importante que piscava no "lembrômetro". Algum aniversário? Sim, do Bidão e do Cuca mas não relevante para a intensidade do "lembrador". Continuei minha caminhada suando sem lembrar o fato. Só quando iniciei meu café matinal,  veio o estalo: "O Mungunzá do Pinto!!!!"  

 

No mesmo instante desci rápido pelo elevador, fui para a concentração na orla defronte ao Hotel Ponta Verde onde o Bloco Carnavalesco Pinto da Madrugada oferecia aos foliões, andarilhos matinais e turistas um gostoso mungunzá ao som da orquestra da Polícia Militar. Alcancei uma boa parte da festa. A banda tocava música de carnaval antigo, música de Capiba, enquanto a moçada, aliás a velharada caía no passo.  Por trás da tenda, duas  enormes panelas distribuíam o mungunzá para os foliões, turistas,  curiosos, esfomeados e outros desocupados.

 

É bom que se saiba: o mungunzá estava de primeira. Eu me refestelei. Teve gente que chegou a tomar 12 tigelas, verdadeiro recorde mundial.

 

Por isso foi devidamente registrado no livro de recordes guinés. Veio especialmente da Inglaterra, Mr. George Blair, um representante do livro para averbar o fato. Hospedado no Hotel Ponta Verde foi encaminhado ao local por figuras notáveis que estavam na festa como o governador Mano Gomes, o Dr. Ardel Jucá, o Dr. Nilton Jorge e esse Duque que vos fala. Atravessamos a pista escoltando o inglês que emocionado fez um breve discurso entregando os prêmios de recordes mundiais  em degustação de mungunzá a: Marcelo Bonfim (tigela de bronze), Pascoal Savastano (tigela de prata) e o grande campeão Miguel Vaz (tigela de ouro) conseguiu comer 12 tigelas e meia.

 

Depois Mr. George Blair agradeceu a presença do prefeito Cícero Almeida naquela festa e lembrou que alcaide gosta de pintos, guinés e outros galináceos, apenas tem restrições, não gosta de pardais (referência ao primeiro ato do prefeito: retirada os "pardais", fiscalização eletrônica de trânsito com multa automática aos motoristas que avançam o sinal.)

 

A festa prosseguiu até as dez da manhã com muita animação e muita música. Foram apresentadas as novas músicas do Pinto. Maravilhosas! Principalmente as do Nilton Jorge e do Reinaldo Cavalcante. São marchinhas que tem tudo que pegar. Pena o povo ainda não ter assimilado essas músicas. Não houve divulgação nem caitetuagem nas rádios para tocá-las. O esforço do Edécio Lopes  em seu programa diário é enorme e importante, mas só ele não dá conta.

 

Essas músicas poderiam tocar nas rádios e tvs. Não só por serem boas, como também como renovação. Gosto muito dos carnavais antigos, dos frevos , das marchinhas. Mas já está se tornando enjoado só tocar essas músicas dos anos 50/ 60. É preciso renovar e  o Pinto trouxe músicas novas maravilhosas, precisam apenas pegar. Não agüento mais ouvir nos blocos, antigas músicas como: "Voltei Recife, foi a saudade que me trouxe pelos braços..."

 

O nosso ator, escritor, carnavalesco, publicitário, homem de cultura Marcial Lima, um dos fundadores do Pinto, foi quem se travestiu representando  Mr. George. Impagável com um saiote escocês e uma máscara de um inglês narigudo branco. Marcial é mestre do  bom humor inventivo.

 

O Pinto da Madrugada é um bloco carnavalesco fruto da inspiração  de quatro pessoas  preocupadas com o cultura e o carnaval alagoano. Foi decretada a falência do carnaval de ruas e clubes na cidade de Maceió, graças aos marqueteiros baianos que bombardearam o Brasil, principalmente o Nordeste com o som  do "axé music" tendo como porta de entrada os carnavais fora de época.  Alguns foliões sentiram a grande perda de nosso frevo, marchinhas de carnaval  análogo culturalmente ao de Pernambuco. Por conta disso um grupo formado por Marcial, Eduardo , Braga Lyra e O Dr. Marcos Davi, resolveu fundar um clube carnavalesco com as características dos carnavais passados, mas com uma auréola moderna e deu-lhe o nome de PINTO DA MADRUGADA, uma referência ao padrinho carnavalesco, o Bloco Galo da Madrugada do Recife, considerado o maior bloco do mundo.

 

Assim hoje, pela sexta vez percorrerá a orla da Pajuçara-Ponta Verde o Bloco Pinto da Madrugada, que passou a ser um patrimônio do povo alagoano. Começa às seis da manhã com a concentração em frente ao Hotel Enseada para o aquecimento do Pinto. Mais ou menos às oito da manhã as  20 orquestras de frevo, a pé, arrastarão pela avenida mais de 100 mil animados foliões dançando e cantando marchinhas de outros carnavais misturadas com as marchinhas atuais da ala dos compositores do Pinto.

            

As camisas do Bloco estão à venda, quem sai no Pinto, veste a camisa e  a camisinha. Não existe cordão de isolamento, o Pinto é democrata  e aberto para o público. Hoje é dia de dança, hoje é dia de frevo, hoje é dia de alegria, hoje é dia de Pinto. Corra que ainda dá tempo.

 

Estarei também esquentado o Pinto a partir das seis da manhã. Vou precisar do "lembrômetro" para não esquecer meu cantil de uísque  pendurado em minhas vestes de gala, minha fantasia de Duque de Jaraguá.

 

Carlito Lima é escritor, cronista e poeta alagoano. carlitoplima@bol.com.br

 
"Estou perfeitamente consciente entre meus sonhos, e o de todos nós, e a realidade. Sou um escritor que vê o mundo através de emblemas. Acho que o dever e todos nós, escritores brasileiros, é colocar, mesmo que a realidade seja dura e cruenta, um sonho mais belo e alto que possa mover o povo, porque se perdermos até a esperança, não há caminho pra nós."
Ariano Suassuna 
Essa coluna é editada por Ivaldo Gomes e colaboradores. ivg@terra.com.br