Livraria do Mondego

 

A.M. Galopim de Carvalho

 

 

 

Segundo a letra da lei (Decreto-Lei 19/93, de 23 de Janeiro), Monumento Natural é “uma ocorrência natural contendo um ou mais aspectos que, pela sua singularidade, raridade ou representatividade em termos ecológicos, estéticos, científicos e culturais, exigem a sua conservação e a manutenção da sua integridade”.

Em palavras da Autarquia visada, a Livraria do Mondego constitui um “monumento natural que marca a paisagem das margens do rio, junto a Penacova. Depois de ter recebido o Alva, seu afluente da margem esquerda, o Mondego estrangula-se ao atravessar o contraforte de Entre Penedos”. E é, com toda a propriedade, um Monumento Natural, porém, incompreensivelmente, não se encontra ainda classificado.

É aqui que, na margem direita do rio, as camadas de quartzito com 480 a 490 milhões de anos (do período Ordovícico) empinadas à vertical, configuram uma série de livros arrumados numa estante.

Obras levadas a efeito pela Câmara Municipal, no sentido da preservação e valorização do sítio, permitem hoje ao visitante uma perfeita visão desta antiquíssima e singular ocorrência geológica.

Para entender o significado desta “livraria” temos de começar por dizer que todo o interior do País e da Península Ibérica, é o que resta de uma pequena parte de uma grande cadeia montanhosa, com mais de 300 milhões de anos, que se estendeu pelo que é actualmente o sul da Europa, o noroeste africano e o leste norte-americano, numa época da história da Terra em que estes continentes, unidos entre si, formavam um único supercontinente conhecido por Pangea. No que se refere a toda a península Ibérica, a erosão actuante no decurso da imensidade de tempo que se seguiu, quase arrasou o vigoroso relevo que aqui existiu, pondo a descoberto toda a complexidade das entranhas desta montanha, hoje esventrada, de que fazem parte diversos tipos de rochas transformadas em profundidade (onde as temperaturas e as pressões são elevadas), a partir de outras, na maioria depositadas no fundo e nos litorais de um muito antigo oceano que aqui existiu antes do dito supercontinente.

Para os leitores mais afastados destas conversas dos geólogos, e no propósito de terem uma ideia muitíssimo simplificada de como nasce uma montanha, convido-os a imaginarem uma série de lençóis, mantas de diversas qualidades e espessuras, cobertores, colchas e o mais que quiserem, tudo bem esticadinho em cima da cama. Imagine-se que este empilhamento representa uns quilómetros de espessura das camadas de sedimentos depositados no fundo de um grande oceano, ao longo de uma ou duas centenas de milhões de anos, como é, por exemplo, o que está a acontecer no Oceano Atlântico, aqui ao nosso lado. Vamos agora abrir bem os braços e agarrar esta pilha de roupa, uma mão de cada lado, e empurrar tudo para o meio da cama. Fica tudo amarrotado, com dobras para cima e outras para baixo. Com a força dos nossos braços (que nesta imagem representam dois continentes em aproximação), enrugando dois metros de roupa, em segundos, fazemos, assim, o que a Terra faz, com todas as forças do enorme brasido do seu interior, em milhares de quilómetros de fundo de um oceano a fechar (como está a acontecer com o Mediterrâneo, que já foi um grande oceano) em mais de cinco dezenas de milhões de anos. Nesta exemplificação, a porção das dobras que fica para cima, representa a parte da montanhosa que se eleva à superfície do terreno e a porção que fica para baixo representa a parte que se afunda na crosta terrestre, ou seja, como se pode dizer, a sua raiz.

As camadas de quartzito da Livraria do Mondego são a parte empinada, quase à vertical, de uma dobra.

«Mas o que é o quartzito?» Pergunta quem não sabe.

Como nos dias de hoje, os mares litorais desse antigo oceano acumulavam grandes quantidades de areia, trazidas pelos rios, resultantes da erosão das terras emersas. São camadas destas areias que, tomadas durante a formação da referida cadeia de montanhas, aquecidas e apertadas no seu interior, se colaram, grão a grão, fortemente entre si, transformando-se na rocha coesa e a mais dura de toda a nossa paisagem, a que foi dado o nome de quartzito.

 


A.M. GALOPIM DE CARVALHO