ADELTO GONÇALVES
Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela USP e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp)/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (José Olympio Editora, 1981; Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
I
Depois de incursionar por outras áreas do pensamento, como poesia, crônicas, estudos biográficos, História e obras jurídicas, o professor e advogado David de Medeiros Leite (1966), mestre e doutor em Direito pela Universidade de Salamanca, na Espanha, começa agora promissora carreira como ficcionista, com o lançamento de 2020, romance escrito na primeira pessoa, que procura resgatar a vida de um personagem que viveu num convento entre 1963 e 1968.
Esse personagem, José Silvestre de Araújo, nascido e criado em Pedras de Fogo, município da região metropolitana de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, seria levado já moço por um tio para Recife, onde ingressaria numa ordem carmelita, o Convento do Carmo, tradicional estabelecimento religioso de Pernambuco. Lá, teria a oportunidade de tentar concretizar um sonho da infância, surgido depois de ouvir muitas lendas contadas por parentes e conhecidos: encontrar uma botija que estaria enterrada em determinado lugar, escondida por um frade da ordem carmelita.
Escrito em linguagem madura que faz esperar outras incursões do autor na área da ficção, 2020 presta também uma homenagem ao historiador e antropólogo Câmara Cascudo (1898-1986), a quem frei José de Santo Elias, nome religioso do protagonista, recorreria na tentativa de encontrar pistas para localizar a tal botija, que, afinal, nunca seria achada.
Aliás, as ligações do autor com Câmara Cascudo já são antigas, pois, aproveitando o tempo que passou em Salamanca fazendo mestrado e doutorado em Direito, ele conseguiu localizar na Casa-Museu de Miguel de Unamuno (1864-1936) uma carta em que o historiador potiguar se solidarizava com o pensador espanhol em razão do “banimento” sofrido este por sua oposição à ditadura do general Primo de Rivera (1870-1930), que durou de 1923 a 1930.
No romance também aparece a figura de Dom Hélder Câmara (1909-1999), bispo católico, arcebispo emérito de Olinda e Recife, um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e grande defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar (1964-1985).
II
Misturando história e ficção, 2020 recupera também fatos ocorridos em 1968, ano em que houve um endurecimento por parte do regime militar, com perseguições a líderes políticos e homens de pensamento. Mas, a rigor, o romance gira em torno do Convento do Recife, como é mais conhecida aquela instituição, e sobre a presença de carmelitas em Mossoró, município localizado na região Oeste do Rio Grande do Norte, sem deixar de recuperar um fato que até hoje desafia a memória dos mossoroenses mais antigos, ou seja, um crime ocorrido naquele ano de 1968 no Grande Hotel, até hoje nunca esclarecido.
Depois da vida religiosa, Silvestre de Araújo assumiria a profissão de carteiro, viajando, certo dia, a Mossoró para visitar as ruínas da Casa do Carmo, que seria o local onde estaria escondida a botija. Em suas rememorações já como carteiro aposentado, o protagonista não deixaria de recordar as perseguições sofridas pelo acosso do desejo sexual, depois de conhecer Marília, recepcionista de um hotel em Mossoró, diante da promessa que fizera de não romper o celibato.
Em resumo: escrito em estilo leve, que atrai a atenção do leitor deste a primeira linha, 2020 é romance que veio para ficar não só na história da ficção do Rio Grande do Norte, mas da Literatura de expressão portuguesa. E que já foi saudado pelo poeta peruano Alfredo Pérez Alencart, radicado como professor universitário em Salamanca desde 1987, que, inclusive já traduziu para o espanhol um livro de David de Medeiros Leite sobre aquela mítica cidade espanhola.
Do romance do advogado potiguar, “escritor que vai abrindo sua própria senda nos diferentes deltas da literatura”, Pérez Alencart diz que se trata de uma história bem trabalhada, com diálogos bem construídos, com ritmo cadencioso que permite leitura fluída. “Há reflexões que configuram a condição humana em todos os tempos e lugares, como, por exemplo, quando o protagonista comenta: “Ah, a inveja! Quão subjetiva e, por vezes, imperceptível! Depois de um comentário sobre a brilhante homília proferida por nosso Provincial, percebi, na reação de alguns frades, esboços de inveja. O elogio mesclado com ironia deduz inveja, com certeza” (pág. 74).
III
Nascido em Mossoró, David de Medeiros Leite, graduado em 1999 pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), é também gestor com atuação em diversos cargos na administração pública e professor da UERN desde 2004, onde desenvolve pesquisas, especialmente na área de Direito Público.
Foi pró-reitor de Gestão de Pessoas na UERN e é assessor jurídico da presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte. Foi ainda diretor-científico da Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado do Rio Grande do Norte (Fapern). Em 2005, em parceria com o escritor Clauder Arcanjo, criou a editora Sarau das Letras. Além de livros de poemas, tem publicado biografias e livros de crônicas e de História com temas ligados ao Nordeste, em especial à cidade de Mossoró.
É autor de Companheiro Góis – dez anos de saudade, biografia (Coleção Mossoroense, 2001), Os carmelitas em Mossoró, em coautoria com Gildson Souza Bezerra e José Lima Dias Júnior (Coleção Mossoroense, 2002), Ombudsman mossoroense (Sebo Vermelho, 2003), Duarte Filho: exemplo de dignidade na vida e na política, biografia, em coautoria com Lupércio Luiz de, Azevedo (Sarau das Letras, 2005), Incerto caminhar (Sarau das Letras, 2009), Cartas de Salamanca (Sarau das Letras, 2011), Casa das lâmpadas (Sarau das Letras, 2013), Mossoró e Tibau em versos – antologia poética, em coautoria com Edilson Segundo (Sarau das Letras, 2014), Mi Salamanca: guía de un poeta nordestino, com tradução e prólogo de Alfredo Pérez Alencart (2018), Aldemar Duarte Leite: centenário de nascimento, biografia (2018), e História da Liga Operária de Mossoró, em coautoria com José Edílson Segundo e Olivá Leite da Silva Júnior (2018).
Em 2015, lançou Ruminar (Rumiar), livro de poemas em edição bilingue, pela Editora Sarau das Letras, de Mossoró, e Trilce Editores, de Salamanca. Em 2017, publicou ainda Rio de Fogo, coleção de vinte poemas, com 40 fotografias do magistrado Bruno Lacerda que mostram aspectos da cidade de Rio de Fogo, localizada na região Norte do Rio Grande do Norte.
Na área de Direito, é autor ainda de Presupuesto participativo en municipios brasileños: aspectos jurídicos y administrativos (Editorial Académica Española, 2012) e Participação política e cidadania – Amicus Curiae, audiências públicas parlamentares e orçamento participativo, em coautoria com José Armando Pontes Dias Júnior e Aurélia Carta Queiroga da Silva (2018).
2020, de David de Medeiros Leite,
com apresentação de Humberto Hermenegildo, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras
e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Mossoró: Sarau das Letras, 234 páginas, 2020.
E-mails: clauderarcanjo@gmail.com davidmleite@hotmail.com