Ligeiros e pesados

JOSÉ PASCOAL


 José Pascoal (Portugal, Torres Vedras, 1953). Poeta, publicou:  Sob Este Título, Editorial Minerva, Março de 2017. Antídotos, Editorial Minerva, Março de 2018. Excertos Incertos, Editorial Minerva, Maio de 2018, Ponto Infinito, Editorial Minerva, Setembro de 2018. Dirige o blog Gazeta de Poesia Inédita, em: https://gazetadepoesiainedita.blogs.sapo.pt/


FICÇÃO CIENTÍFICA

 

 

Se eu tivesse uma máquina do tempo,

Teria de ter cuidado,

Porque essa máquina,

Como todas as máquinas,

Teria um tempo

De duração,

E, um belo dia,

Deixar-me-ia

Parado

A meio de um desastre

Do futuro

Ou do passado.


POR CONTEMPLAÇÃO

 

 

Contemplo, distraído,

Quase aborrecido,

O musgo do presépio,

O muro do presídio,

O decote da Dama

De Copas, a fazenda

Do casaco de inverno,

As Três Graças de Sâncio,

O monstro na Lagoa

De Óbidos, a pintora

De sinos, o relâmpago

Na capela, o realejo

Na taberna, a gazela

A jogar dominó,

O melro no café,

Nossa Senhora do Ó,

E logo depois digo:

– Tanta contemplação

Faz mal ao coração…


ESTUFA-FRIA

 

Faz hoje muitos anos que fui internado

No hospital!

 

Mas, juro-vos, só agora li as Serres Chaudes

De Maeterlinck!

 

Eu próprio poderia ter feito aquelas poesias

Sob o efeito da morfina!

 

Ó irmãs de caridade! Que presunção a minha!


AOS POETAS VINDOUROS

 

 

Catulo amava Clódia,

Que amava Clódio,

Que amava Célio,

Que amava Clódia,

Mas Clódia não amava Catulo,

Que não amava Clódio,

Nem Célio,

E, por isso, escrevia

Poesia.

 

José Pascoal