Nova Série

 
 

 

 

 

W.J. Solha (Brasil). Autor de alguns romances premiados: Israel Rêmora (Récord), A Canga (Moderna e Mercado Aberto), A Batalha de Oliveiros (Itatiaia), Relato de Prócula (A Girafa), de uma coletânea de contos, romances e um roteiro de filme: História Universal da Angústia (Bertrand Brasil); do libreto da primeira ópera armorial (Dulcineia e Trancoso, do maestro Eli-Eri-Moura). Autor de alguns quadros, como A Ceia (Sindicato dos Bancários da Paraíba) e Homenagem a Shakespeare (Universidade Federal da Paraíba). Ator em filmes como O Som ao Redor (de Kleber Mendonça Filho) e Era uma vez eu, Verônica (de Marcelo Gomes).  
Édipo

(Teatro)

Texto de W. J. Solha, a partir do próprio romanceamento  do Édipo Rei, de Sófocles,  publicado em sua História Universal da Angústia (Bertrand Brasil, 2005 – Prêmio Graciliano Ramos, da União Brasileira de Escritores – Rio, 2006,  e finalista do Jabuti no mesmo ano)

 

As varas de luz - todas acesas - "aterrissam" na vertical como uma nave até quase chegarem ao tablado. Vê-se que há cientistas nelas

VOZ DA EQUIPE FREUD – Atenção. Todos os integrantes da Equipe Freud -  mestres dentro da nave, discípulos na plateia do teatro. Haverá novo terremoto dentro de alguns segundos, no palco, sobre Tebas,  e nosso foco deverá ser, principalmente, o comportamento do rei Édipo.  

A nave começa a subir agora, no exato momento que precede o sismo. As varas de luz – muitas se apagando, outras vasculhando em volta – “decolam” na vertical. Música intensa. Sons típicos de uma metrópole em crise - alarmes, carros, sinos, buzinas, sirenes de polícia e de ambulância, helicóptero, vozes humanas em emergência. Teatro agora em trevas, a não ser pelo sol imenso que enche a boca de cena (um grande foco de luz), no momento exato em que  o vulto da lua começa a cobri-lo e se inicia o terremoto, como um urro de fera soterrada. Seguem-se, no escuro, fragmentos de documentários de tremores, avalanches, sons fortes de vidros, prateleiras explodindo, desabamentos, gritos, clarões de curtos-circuitos, um grande cruzamento de vozes de radio e telejornais, num crescendo nervoso: 

VOZES GRAVADAS ( como nos noticiários )  – ... depois da onda de assaltos, greves, atentados, quebra da bolsa, falências, terrível seca que já dura...  Um ônibus está sendo tragado por uma mandíbula que de súbito abriu-se e... se fecha agora no asfalto! -  Os trens do metrô descarrilaram, viadutos se despedaçaram com estrondo, guindastes vacilam no alto dos edifícios em construção, as chaminés de uma fábrica implodem nas alturas, paredes de enormes galpões desconchavam-se no distrito mecânico – O teto metálico do estádio range! – Irrompe  fogo voraz na biblioteca Palas Atena – O povo de Tebas, em peso, que fazia a marcha até o Palácio de Édipo para lhe pedir interseção do socorro divino, na série de penúria pela qual passa, espalha-se, apavorada,   

PESSOAS APAVORADAS ENTRAM NO TEATRO POR TODOS OS LADOS, TOMANDO O PALCO, GRITANDO, ENTRE FRAGMENTOS DE LUZ  

VOZES GRAVADAS - ... a plateia foi esmagada sob os escombros, no Cine Apolo, exatamente quando se via na tela uma alegoria do deus da peste (vê-se isso )  tocha acesa na mão, pela calamidade que vem há semanas devastando a periferia tebana.  

Treva simultânea ao som do desabamento. 

VOZ DA EQUIPE FREUD  – Atenção: O Rei Édipo. 

ÉDIPO OLHA, RÁPIDO, PARA CIMA, TIRA O CORPO NO QUE UM LUSTRE DESABA EXATAMENTE ONDE ELE ESTAVA. ELE BUSCA UMA SAÍDA NUMA SÉRIE DE RISCOS NO ESTILO INDIANA JONES – OBJETOS PESADOS OU PONTIAGUDOS VINDOS DA ESQUERDA, DIREITA, DE BAIXO, DE CIMA. UM LUMINOSO DA COCA-COLA DOBRA-SE SOBRE SI MESMO COM GRANDE RANGIDO, E O REI ESCAPA POR POUCO. ESFACELA-SE DIANTE DELE IMPRESSIONANTE MURAL PUBLICIÁRIO DO ESPETÁCULO “GIGANTOMAQUIA” (A ÚLTIMA BATALHA DOS GIGANTES CONTRA OS DEUSES) DIANTE DO QUAL ELE SE ESGUEIRA. 

TREVAS. BRUSCO SILÊNCIO. PISCA-PISCA VERMELHO DE AMBULÂNCIA, ALARME, ALGUNS MÉDICOS, ENFERMEIRAS SOCORRENDO OS SOBREVIVENTES. TROVÕES, CLARÕES DE RELÃMPAGOS. 

NO ALTO DOS ESCOMBROS SURGE, IMPONENTE, O SUMO-SACERDOTE KROISOS (COM LUXO CARMIM, BÁCULO). REPÓRTERES COM CÂMERAS DE TV OU COM FLASHES, MICROFONES, SE APROXIMAM DELE. MÚSICA INTENSA. 

KROISOS – Ó Apolo! 

OS SOBREVIVENTES, MÉDICOS, ENFERMEIRAS, OUTRAS VOZES, EM CORO – Ó Apolo! 

KROISOS – Tu, que curas todos os males!!! 

O MESMO CORO – Tu, que curas todos os males!!! 

KROISOS -   Envia-nos teu socorro!!! 

O MESMO CORO – Envia-nos teu socorro!!! 

Cai um raio. Kroisos olha para cima, apavorado. Uma sombra cresce sobre a cena. 

REPÓRTER DE TV, ENQUANTO O CÂMERA GRAVA IMAGENS DO ALTO - - As ferragens do hipermercado Arqueômetro gemem dolorosamente e, por um momento, o maior complexo varejista de Tebas – ainda bem que vazio - parece mover-se entre os arranha-céus.  

Grito de multidão,  um raio tríplice fulgura,  estrondando!  É para a força  que o desferiu,  entrevista por dentro das nuvens carregadas, que Kroisos  suplica, novamente no centro das atenções da mídia: 

KROISOS -  Ó Marte poderoso, deus da guerra, do desastre e da peste! Tu, que nos feres em meio a todos estes gritos de pavor,  afungenta nosso desespero para o vastíssimo leito de Anfitrite ou para as ondas dos mares da Trácia! 

Grito estridente.  

KROISOS – (aos microfones, entre clarões de relâmpagos e dos pisca-piscas da ambulância) - Meu Zeus: o que este dia não mata, amanhã será destruído!... 

VOZ DA NAVE -Lá está o rei!!! 

CORO - Édi-pô!!! Ajuda-nôs!!! Édi-pô!!! Ajuda-nôs!!! 

Kroisos, frustrado ante o corre-corre dos jornalistas, vê que apenas um continua ali, mas olhando para o céu, quando uma luz jorra do alto.  

JORNALISTA – É a nave da Equipe Freud!... em estudo sobre a psicologia das massas. 

Édipo entra em cena, entre pó e fumaça, que se tornam  deslumbrantes ao serem cruzadas por vários holóphotos – lilases e azuis – da Equipe Freud, que se concentram nele, os flashes dos repórteres  também iluminando os rostos ansiosos que o aclamam em crescendo, Édipo caminhando entre vidro e aço, dando ordem de recuar para a barreira de guarda-costas que imediatamente aparece – apesar da excepcionalidade do momento -  para escoltá-lo. Ele passa entre os olhares implorantes das mulheres com crianças nuas nos braços e consola  famílias que se agrupam em volta de seus moribundos. Sobe a   uma tribuna entulhada de microfones, junto a um monumento a sua vitória sobre o grupo terrorista Esfinge, a Virgem Atena a coroar de louros um Édipo mais jovem. Ele se emociona ante a cidade faminta, doente,  suja, ferida, assustada, que vai à loucura ante a iminência de finalmente ouvi-lo sobre todas aquelas calamidades. Ergue as mãos, fazendo-a calar-se. 

ÉDIPO - Tebanos!!!  Eu estou aqui para vos socorrer, apoiar e ouvir!!! 

Há um instante de hesitação, depois todos gritam ao mesmo tempo: dos representantes dos bairros aos líderes operários ( muitos ainda de capacetes e macacões ), dos pivetes  de rua aos chefes dos asilos de velhos, dos cabeças do movimento estudantil às presidentas das associações de donas-de-casa.  

CORO -  Ajuda-nôs!!! Ajuda-nôs!!! Ajuda-nôs!!! 

Ele olha para o realismo nu e cru dos rostos e corpos mais próximos – olhares suplicantes, muitos fanados, alguns febris, alguns aterrorizados, um e outro excepcionalmente lhe sorrindo de súbito ao se sentir reconhecido. Ergue novamente as mãos: 

ÉDIPO - Mandei que vos fosse prestada toda a assistência à disposição  do povo e a minha própria, e da rainha Jocasta, e de toda a família real!... 

Vê o sacerdote emergindo em meio à humanidade desvastada.  

ÉDIPO – Fale em nome de todos, Kroisos.  

A terra treme de novo. Trovões sinistros. 

VOZES DE REPÓRTERES - Estalam edifícios ainda intactos – como o da IBM e o da Seagrans -, estrondam ruínas do sismo anterior – milhares delas - , uma nuvem densa de pó avança pelas ruas feito um fantasma ameaçador,  

GRITOS -  “Pai!”, “Cibele!!!”, “Socorro, Socorro!!!” ”Um médico, pelo amor de Zeus!” 

KROISOS ( Ao ver que o abalo cessa ) - Édipo! Édipo!, a ciência de quase nada nos vale neste momento, embora te agradeçamos pelos médicos e bombeiros que inclusive mandaste vir  de tua cidade de origem, Corinto,  para nos atender no sufoco já tão grande antes dos desmantelos de hoje! Acontece, entretanto, que nosso mal é maior, porque tu sabes – e Tebas também – que nem tudo é tão fome e pão,  mal e cura! A razão de tanta calamidade sobre esta gente, Édipo, é – com certeza - um enigma, algo tão terrível quanto o de que nos livraste destruindo a Esfinge há onze anos, ao te aproximares pela primeira vez da cidade! Por isso estamos aqui! Nós todos vemos em ti o primeiro dos homens, aquele a quem se recorre quando a desgraça maior nos abala e se faz necessário o apoio divino, sim, mas através de um grande líder, não de um sacerdote! A ti, portanto, cujas virtudes veneramos, viemos suplicar que, valendo-te dos conselhos humanos e dos deuses, dê remédio a nossos males!  

Édipo inspira  fundo e abre a boca para falar. 

VOZ DA EQUIPE FREUD -  Édipo se pergunta: “O que dizer?” E aquela mulher, que tem um olho cego, e  que vai falar agora, é a escritora Ifigênia de Cólofon. 

IFIGÊNIA DE CÓLOFON -      Eia, Majestade! ( Ela se volta para os figurantes) Kroisos está certo, mas não é somente pelo fim da Esfinge que Tebas considera seu rei como um salvador, não é mesmo?  

CORO - Não!!! 

IFIGÊNIA DE CÓLOFON - Cessaram as guerras e revoltas, na cidade! Cavalarianos não mais caem sobre o povo, como ocorria até o reinado de Laio! Ninguém mais aqui vive na miséria, nossa moeda valorizou-se, nossos artistas e pensadores são hoje conhecidos em todo o mundo grego! As prisões arbitrárias e espancamentos, que ocorriam frequentemente, inclusive contra velhos e crianças, acabaram-se! Salvaste-nos, apesar... ou graças ao teu gênio explosivo, que não tolera nada que lhe pareça injusto, errado! E é por isso que penso: Kroisos pretende dizer que  teu governo não merece desgraças tão grandes quanto esta seca e esta peste e estes terremotos e que eles só podem ser alguma outra enigmática emboscada do Destino, que tens de solucionar! 

Um velho deitado ao lado de Ifigênia pede um aparte  

VOZ DA EQUIPE FREUD - É o escultor Filisco! 

FILISCO - Édipo, tu, que és o mais sábio dos homens! 

CORO - Édipo, tu que és o mais sábio dos homens!!! 

Filisco se concentra no que dizer... mas desfalece, no que as luzes se eclipsam dele, reacendendo-se piscantes, de três em três, quatro em quatro, noutro homem. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – É Aristipo, filho de Eaco, o dramaturgo. 

ARISTIPO Édipo,  reanima esta cidade infeliz! 

CORO -Édipo... reanima esta cidade infeliz!!! 

ARISTIPO -...  e confirma tua glória! 

CORO - ... e confirma tua glória!!! 

Uma descarga elétrica irrompe das nuvens, fuzila  o transformador de um dos postes por perto e encrava–se na parede restante do Hipermercado, fragmentando espelhos ainda inteiros e trincando mármores. Tebas fica, por um momento, na treva. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – O que vai falar agora é o mecano-médico-chefe de Corinto - terra de Édipo, como sabemos  - e, por isso, personagem muito importante na tragédia: o grandalhão Zêuxis. 

Ainda atônito, Zêuxis passa as mãos espalmadas no avental ensanguentado sobre a bata vermelha, coça o rosto escurecido de óleo e fuligem com a mão suja de sangue, e termina a fala de Aristipo:  

ZÊUXIS - Édipo! 

CORO - Édipo!!! 

ZÊUXIS - Resolve mais este enigma! 

CORO - Resolve mais este enigma!!! 

ZÊUXIS - ... mesmo com a truculência com que resolveste o da Esfinge, como se fosses Alexandre cortando o nó górdio que não se conseguia desatar... caso contrário acabarás reinando numa cidade fantasma! 

CORO – Sim! 

O rei se angustia. Procura algo no céu, e realmente começa-se a ouvir o som de um helicóptero chegando.  

VOZ DA EQUIPE FREUD - Esse helicóptero é de Creonte, cunhado de Édipo! 

ÉDIPO (enquanto cresce o som da aeronave)   Tebanos!!! Sabeis que de nós todos,  quem mais se aflige com os sofrimentos desta cidade está diante de vós! Sabeis que se cada um  tem sua queixa, eu padeço as minhas,   e todas as da polis! Por isso  tenho insistentemente procurado remédio que nos salve, e a única providência que me faltava adotar mandei-a executar hoje: enviei Creonte ao antigo templo de Apolo em Delfos, experimento da Equipe Freud, a fim de consultar o antigo oráculo acerca de nosso futuro e do que nos cumpre fazer para acudir Tebas, embora eu saiba de antemão que não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe  e que, portanto, mais dia, menos dia, tudo voltará ao normal entre nós. Ei-lo que chega de viagem (  aponta para o helicóptero que – presume-se - vem descendo com o farol inferior aceso )  – Logo que o irmão da rainha Jocasta chegue e fale, considerem-me criminoso ( suspira fundo ) se eu não executar com presteza tudo que me houver sido recomendado. Vede como o rosto dele vem luminoso de quem esteve lá! 

Creonte – com uniforme de campanha – desce por uma escada de corda, os cabelos e as roupas se agitando no vento das hélices. Todos veem que o cunhado do rei de fato vem com o rosto luminoso.  Édipo, agitado, deixa a tribuna e, pedindo perdão e licença aos feridos, vai ao seu encontro.   

ÉDIPO - Tomara que tu nos traga algo de bom!  

Aperta a mão do cunhado com  firmeza 

Uma mulher  se levanta carregando uma menina agonizante, em seus braços. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Aquela é Criseida, dona da concessionária da Honda, destruída no primeiro terremoto.  

CRISEIDA - Por favor, Creonte:  trouxeste uma resposta do oráculo? 

CREONTE -  Sim, Criseida! Mas meu Zeus do céu, Édipo, Tebas, agora, se acabou de vez.  

Édipo examina os esgares do rosto do outro no momento em que o cunhado se volta para ele. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – O rei está pensando: “Não me parece trazer nada de bom”.  

ÉDIPO (A  Creonte) - A resposta! 

Creonte se aproxima dele,  desligando com a mão direita os transdutores eletracústicos, prende-lhe  o ombro direito com os dedos firmes da esquerda... e pergunta-lhe... em voz baixa: 

CREONTE – Coloco... as imagens diante de todo mundo?... 

Édipo vê a multidão adensar-se atenta. 

ÉDIPO  - Claro. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Tecnologia tebana:  um jorro de luz deflagra  imagens da memória de Creonte. Todos se sentem, de repente, próximos da nossa Máquina do Mundo. Essa cara de águia é da sibila Calíope, de Delfos, nossa melhor analista. Avoluma-se em cor, som, calor. Todos começam a viver o sono, o sonho induzido de Creonte, 

CORO ( de frente pra plateia, descrevendo o que vê ) - Uma  nau... arfa e range sobre uma onda inchante, desandando,  em seguida, para  a vaga abissal! O comandante grita aos companheiros: “Vamos lançar a sorte para saber quem de nós  está nos fazendo sobrevir esse mal!” Presenciamos, então,  a visão de alguém que dorme entre as correntes grossas dos grilhões. “É ele! – alguém diz – O estrangeiro que foge do destino que lhe impôs seu deus!” Não conseguimos reconhecer o homem, no pesadelo, apesar das duplas de faróis que cada soldado traz nos peitorais da armadura. “Estrangeiro – o comandante pergunta Que faremos para que o mar se acalme? E o vulto, rouco: “Lançai-me a ele!” Aí... os soldados de faróis acesos o escoltam pelos corredores, amplos espaços do cavername e por escadas e salões escuros. E ao chegarem ao convés, vão, com dificuldade ( por conta de um enorme balanço das ondas ),  até a amurada, de onde lançam o homem às águas, que o engolem... no que a fúria da Natureza imediatamente.. cessa.  

SIBILA - a nau... é Tebas!... que  precisa ser  purificada da mancha que mantém, trazida por alguém de fora! Dize a seu rei que não a deixe agravar-se até que se torne incurável! 

CREONTE - Mas... que mancha?... 

SIBILA – O assassinato do rei... que precedeu Édipo na cama de Jocasta e no trono de Tebas!  

CREONTE – Laio foi morto pela Esfinge, que foi destruída por Édipo. 

SIBILA – E quem... era a Esfinge?  

Um espectro ronda a cena. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – É...  Laio. 

CORO – É o espectro de Laio! É Laio! É Laio! 

O Laio espectral  se aproxima de Édipo... real e atual, .... e lhe pede: 

LAIO – Filho, ... se alguma vez amaste o teu carinhoso pai... 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Édipo pensa no rei de Corinto, de onde ele procede. 

ÉDIPO - Oh, Zeus! 

LAIO - Vinga-me o assassinato estranho e torpe!... 

KROISOS -  Vistes? Laio foi afetuoso!... Nunca viu Édipo em vida... e o chamou de filho!... 

ÉDIPO - Mas... por que ele me pediu vingança, se eu já o vinguei?!... 

SIBILA - Não, Édipo! E urge expulsar o culpado pelo assassinato do Laio que te antecedeu no trono! O sangue dele é a causa de todos esses flagelos que recaem sobre a cidade! 

ÉDIPO - Mas eu destruí a Esfinge, que destruíu Laio! 

SIBILA - Sim! E não! 

Édipo se volta para Creonte. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Édipo conclui sobre o cunhado:  Ele está querendo me derrubar!... Quem não se lembra destas cenas, em Tebas? 

Estala os dedos, surge num telão: “Notícias Holográficas”. Em branco, preto e cinza, o charmoso rei Laio (legenda com seu nome) dizendo à reportagem ( “Sala VIP do Aeroporto Ícaro, onze anos atrás” ), sob a proteção atenta de seus cinco guarda-costas (ternos pretos, óculos escuros) :

LAIO  - Estou de saída para Delfos, onde vou consultar o Oráculo da Equipe Freud sobre como nos livrar da Esfinge, esse estranho grupo terrorista que vem nos assustando tanto, e quero que ele me esclareça,  primeiro: Quem o chefia, quantos e quem são seus integrantes. Segundo: por que só estripa rapazes, tanto tebanos quanto os estrangeiros que daqui se aproximam. Terceiro: como podemos nos livrar dele.   

Assiste-se, em seguida, ao velho noticiário com a chegada do cadáver do rei Laio a Tebas, com o de quatro de seus cinco homens de segurança. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Falta um corpo.  

Imagem com a legenda “Festa da consagração de Édipo como o grande herói que vingou o rei ao libertar a cidade da Esfinge, que o assassinou”. Entre os mais fascinados por Édipo, a viúva, rainha Jocasta, que  mal consegue – apesar do luto fechado - disfarçar o imenso interesse que lhe desperta  “o  príncipe de Corinto “ , conforme informam os caracteres. 

Em uniforme de camuflagem, lama negra no rosto, o Quinto Homem  se aproxima de Jocasta num ponto remoto, fora da cidade.  

O QUINTO HOMEM ( entra em cena e se aproxima de Jocasta exatamente como no vídeo) – Senhora, peço-vos que me permita exilar-me em seguida. 

JOCASTA - Por que? Se Édipo destruiu a Esfinge e a cidade está novamente aberta, não há mais perigo de retaliações!  

O QUINTO HOMEM - Senhora... o bando com que a Esfinge nos atacou era bem maior do que o que atacou Édipo. Quem me  garante que a falange,... que não  foi  totalmente destruída, não continue a nos atacar... com outro chefe? Se os sobreviventes souberem que escapei e onde estou, vão me perseguir e matar! Sem falar dos que – perdoe-me - torturamos no regime de Laio. Ficarei mais seguro se todos pensarem que meu corpo está mesmo perdido no despenhadeiro do Istmo.  

JOCASTA - Eram tantos assim? 

O QUINTO HOMEM  -  Muitos. Daí que não tivemos a menor chance de resistir! 

O povo, no vídeo,  assiste,  com um frêmito ao devaneio da viúva, que olha para o corpo do marido. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Ela pensa: “Estou livre!...” Claro, todo mundo a compreendeu. O alívio de viver sem Laio foi geral. 

Édipo olha para o seu povo, que se sente bem com a franqueza desse olhar... e começa a aplaudi-lo. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Édipo se lembra de seu pai, rei de Corinto, dizendo-lhe, tempos atrás: que “O universo é uma sequência de equações”.  “É estranho Édipo avalia Que relação poderia existir entre o crime... e esta crise? 

ÉDIPO ( a Creonte, Kroisos e ao povo ) - Muito bem. Fica evidente que para o oráculo quem matou Laio  não foi a Esfinge que destruí, mas... outra.  É possível, é possível, pois o fato de que aliminei o monstro é a única coisa de que sou testemunha e de que posso dar fé! Nesse caso, cabe-me voltar às origens do assassinato e desvendá-lo! Faço isso inclusive em meu próprio interesse, pois quem matou o rei que me antecedeu, pode perfeitamente querer me matar também... para desta vez alcançar o trono, já que na época ninguém contava com minha chegada...  

VOZ DA EQUIPE FREUD - Pensa nitidamente em Creonte. “Meu casamento com a irmã dele não estava em seus planos....” 

ÉDIPO (depois de atender a uma ligação pelo celular ) - Eia, minha gente! Acabo de saber que não há previsão, em nossos sismógrafos, de novos terremotos para pelo menos a próxima hora. Que se ergam, todos, e vão para suas casas, sacudam a poeira e deem a volta por cima! Recuperai a confiança na vida, ide tratar de vossas coisas, pois sabeis que não recuarei um passo nessa missão que me foi confiada!  

A sombra de uma nuvem passa por sobre todos  e, depois dessa transparência escura,  vem a luz nua e crua do sol.  

KR0ISOS - Levantemo-nos e vamo-nos embora, filhos! E que Apolo ponha fim a este flagelo! 

ÉDIPO Creonte, Kroisos, um momento. Um momento, tebanos: a primeira medida, que adoto desde já, é esta: quem quer que saiba quem matou Laio, filho de Lábdaco, fica intimado a vir à minha presença para mo dizer! Decreto, também,  que o criminoso não sofrerá pena alguma, a não ser o exílio, se confessar o crime antes que alguém o denuncie! Pois se a Máquina do Mundo tem urgência de ver o culpado punido, a nós o que mais nos interessa é  livrarmo-nos da peste, da seca e desses terremotos que nos castigam pelo que não fizemos! ... E determino que se alguém deixar de indicar um amigo ou parente, ou de se denunciar, sofrerá os rigores da lei! Ninguém mais poderá recebê-lo em casa nem lhe dirigir a palavra! Não poderá participar de preces ou do holókauston, nem receberá mais a água lustral! Todos deverão afastar-se dele, porque ele terá se tornado nódoa infamante, segundo nos revelou a pítia de Delfos! O morto era rei e seu espírito me chamou de filho! Jamais ele e Jocasta tiveram herdeiros, mas eu, que o substituí no poder, comprometo-me – como se ele fosse o próprio Rei Políbio de Corinto, meu pai – que tudo farei para lhe descobrir o assassino!  

Faz menção de se retirar, alguém grita na multidão: 

ZÊUXIS - Édipo! 

Ele e todos os demais param e se voltam, muitos apinhando-se nas pontas dos pés, a fim de ver o aparteante.  

VOZ DA EQUIPE FREUD -  Zêuxis, o agigantado médico-mechanikós de Corinto, de novo. 

ZÊUXIS - Como o crime já é tão antigo e nunca ninguém procurou lhe descobrir o autor, supondo que tivesse sido a Esfinge que tu esmagaste, sugiro que o oráculo da Equipe Freud – que nos assiste de lá de cima - seja consultado mais uma vez, revelando-nos também quem foi esse infeliz!  

Kroisos ergue a mão para  falar, em seguida assooa,  dobra o lenço,  mete-o na manga esquerda. 

KROISOS - Doutor Zêuxis: hás de convir que o oráculo nos impõe o empenho da busca. Asclépio não te passou a medicina num milagre. Exigiu-te estudo por muitos anos, que dissecasse dezenas de corpos, enfrentasse o cólera e a peste negra, se em-pe-nhas-se.  

Uma  estudante  - de casquete, mocassins e vestido zebrados – ergue a mão. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Ai-aiai-aiai... 

ESTUDANTE - Doutor Zêuxis, rei Édipo, sacerdote Kroisos: meu nome é Io e proponho outra coisa melhor! 

CORO - Fale! 

ESTUDANTE - Não sei por que tanta dificuldade para a elucidação do crime, se todos conhecemos alguém, aqui mesmo, em Tebas, que sabe dos nossos mistérios mais profundos quase tanto quanto Apolo! (Num gesto cheio de chocalhares de pulseiras zebradas e tigrinas, aponta para o profeta no meio do povo, enorme, cego, albino, cada mão no ombro de um guia)   - É Tirésias! 

O povo se comove, com curiosidade e alvoroço, Zêuxis se aproxima, Criseida carrega a filha para ver o vidente mais de perto, Ifigênia de Cólofon se levanta,   

VOZ DA EQUIPE FREUD - Édipo sintoniza o próprio ciúme e essa mesquinhez o repugna. 

ÉDIPO - Nós não omitimos nem esse socorro, Io! – declarou – Tirésias aí está, justamente atendendo ao chamado que lhe fiz, a conselho de Creonte! 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Ele desconfia: “Isso não será mais uma... armadilha?...” 

ÉDIPO - Mandei os dois kúroi , os rapazes  que estão com ele, trazê-lo até aqui.  

Os dois guias, atletas,  adiantam-se, fascinando as moças e os paiderastés. 

ORSÍLOCO (A Andrômaca de Ica ) - Meu Zeus! O moreno de olhos verdes é lindo!, tão belo quanto a estátua de Eros de Praxíteles!  

ANDRÕMACA DE ICA - Qual delas? 

ORSÍLOCO - Aquela, Drô, a que Frinéia ergueu um templo em Téspias! 

Os tebanos recuam ante o vulto gazo e leonino, ante os olhos como dois ovos cozidos e  acesos de Tirésias, que segue os kúroi, a maciça mão direita no ombro do moço loiro, a esquerda, cheia de anéis, no ombro do jovem moreno de olhos verdes. Seu rosto poderoso é impressionante, devido a tantos rastros de angústias e de perplexidades. Um ferido tenta tocar no tecido pesado e cinza que Tirésias veste, para lhe receber as virtudes...,  mas para a mão no ar quando dá de encontro com o “olhar” do Velho, tão vazio quanto terrível.  

ÉDIPO - Tirésias! Tirésias, que toda a Grécia tem como conhecedor de  todos os sinais dos céus e da terra!   

O homenzarrão o encara.  

ÉDIPO - Nós o  chamamos porque o oráculo nos declarou que Tebas só se libertará dos flagelos que a assolam quando o verdadeiro assassino de Laio – que a pítia revelou não ser a Esfinge, que destruí – for descoberto e morto ou desterrado! 

Para sua estupefação  de todos os que o cercam, Tirésias ordena  aos  guias “Vamos embora!!!”   

ÉDIPO - Tirésias?! ( pede-lhe, aflito ) Tirésias, não nos recuse a revelação! Salva a cidade,  a ti mesmo e a mim da peste, da seca e de todas essas calamidades!  

TIRÉSIAS (aos rapazes inseguros sobre o que fazer ) – Vamos! 

Édipo faz um gesto veemente aos soldados, que destravam as submetralhadoras, barrando a passagem do profeta e dos kúroi. Tirésias libera os rapazes com um rápido tapinha duplo em seus ombros e se volta devagar para onde Édipo está. 

TIRÉSIAS ( A Édipo e ao povo ) - Zeus! Saber é terrível... quando inútil!.. ( para Édipo, ameaçador )  Édipo, ordena que eu seja reconduzido à minha casa,  e já, pois  será  melhor para ti e para mim! 

ÉDIPO - E por que, posso saber? 

TIRÉSIAS (grave) - Depressa, antes que seja tarde!... Não sejas imprudente! 

Um holóphoto da Equipe Freud cresce sobre a cabeça de Édipo, deixando seus olhos na penumbra. 

ÉDIPO - Pelos deuses: se sabes a verdade não nos deves sonegá-la, a mim nem a ninguém... e é o que todos te rogamos, vidente! 

O velho sente, revoltado, que o rei lhe segura os ossos dos joelhos: ajoelhara-se, portanto! Faz um esgar de repulsa e recua cerrando os punhos, rosnando, tropeçando nos destroços do terremoto. Édipo ergue-se, olha para o povo em volta, atônito, aponta para o velho. 

ÉDIPO - Quer dizer... que ele conhece a verdade... mas não quer dizê-la!!! Tirésias,  queres nos trair, Tirésias?! 

TIRÉSIAS (  dedo em riste ) - Não me ameace! De mim não ouvirás nada! 

ÉDIPO ( a Creonte ) - Mas que desgraçado!.. 

TIRÉSIAS (  furioso ) – Tu, Tu olhas e não vês! Tu... não sabes quem és, de onde vens, nem para onde vais, não tens noção de onde estás, ... sequer sonhas quem é aquela com quem vives..., e no entanto me injurias! 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Chegamos ao ponto que mais nos interessa. Édipo pensa, num lapso:  “Por que ele diz isso?”  

ÉDIPO - Mas quem não te insultaria ouvindo essas palavras que provam o quanto desprezas a cidade? 

TIRÉSIAS - Édipo! Digo-te que se agora não vês, vendo tudo, em breve tudo verás, embora cego! Meninos! 

Sente os kúroi pegarem suas grandes mãos, colocarem-nas em seus ombros nus. Dá dois ou três passos, mas para, todo mundo assistindo-o vacilar entre dizer ou não. Move os lábios em silêncio. Até que comprime os ombros dos rapazes e continua a se afastar, murmurando: 

TIRÉSIAS - O que tem que acontecer,  acontecerá..., tanto faz que eu fale ou não! 

ÉDIPO ( grita, fulo ) - Olha aqui, seu vidente de uma figa! 

TIRÉSIAS (  sem se deter ) -  Podes te deixar levar pela cólera mais violenta, se quiseres, mas eu não direi nada! 

ÉDIPO (  vai insultá-lo mas se contém. Apruma-se ) - Velho, somos homens! E apesar de saber que a morte nos espera a todos... vamos ao teatro para... matar o tempo... e disso é que vem toda a nossa grandeza! O futuro é inevitável, mas...  

VOZ DA EQUIPE FREUD – Ele sente calafrio, lembrando-se do oráculo que o fizera fugir de Corinto e dos pais, onze anos antes. 

ÉDIPO - ... Predize-o! 

TIRÉSIAS - Não!!!  

 Tirésias se move para partir de vez. O ódio pelo desacato, de Édipo, é maior que o desespero pela salvação da cidade. Salta sobre os vivos, mortos e doentes, põe-se à frente do kúroi com o profeta.

ÉDIPO - Pare!!!  ( Tirésias se detém atrás dos rapazes ) Tirésias, deves ter sido cúmplice desse homicídio! Se não fosses um velho cego, eu te indiciaria pela própria morte de Laio! 

TIRÉSIAS ( possesso, larga os kúroi, volta-se para a multidão que se encolhe vendo-o crescer, dizendo) - Será que ouvi o que suponho que ouvi? 

ÉDIPO - Ouviu, sim! Tu estás evidentemente  implicado no crime ou não és nem nunca foste vidente, pois te pergunto: por que não revelaste, logo depois do assassinato, quem assassinou Laio, se não foi a Esfinge, deixando assim a cidade à mercê dessas catástrofes todas? Quem sabe foi Creonte? 

Creonte fica indignado, mas Tirésias faz um sinal que o contém. 

TIRÉSIAS (   vira-se lentamente para ele, vociferando-lhe ) - Pois seja. Falarei! Fica sabendo, Édipo, que quem está profanando esta cidade desde aquele tempo és tu! ( Eriça o indicador, acusando-o ) – Eis o homem, Tebanos!!! Ó cidade de Cadmo!!! Eis o homem que o rei, que é ele mesmo, como um cidadão acima de qualquer suspeita, procura pela morte de Laio!!!

Édipo abre a boca, pasmíssimo, há um flagrar de relâmpagos de flashes. Há um tumulto de vultos, cores, relâmpagos e sombras ao seu redor, flashes, flashes – Tirésias apontando-o ao povo – todo mundo vendo em seguida o rei  subir alguns degraus, rodar sobre si mesmo, alerta, parar, andar com os punhos na cintura e parar de novo, apontar ameaçador para o vidente e se calar, sem fala, para ao fim esganiçar, com vários outros clarões no rosto louco, rubro de cólera: 

ÉDIPO - Tu te atreveste, tu te atreveste, cachorro, com toda essa impudência, a fazer tal acusação... e pensas que sairás daqui... impune?!!! 

Tirésias segue-lhe os movimentos, pela voz. E ergue o punho parrudo: 

TIRÉSIAS - O que eu disse está dito!!! ( sua voz  faz a cidade tremer ) Eu conheço a verdade poderosa!!! 

VOZ DA EQUIPE FREUD - Ao próprio povo ocorre querer gritar “Tirésias está maluco?!” Mas quem se atreveria?  

Édipo abre caminho entre fotógrafos e cinegrafistas até junto de Tirésias, passa por ele, volta-se, para, seus olhos fixando-se ora num, ora noutro dos olhos vazios do vidente albino.  

VOZ DA EQUIPE FREUD – Édipo sente....medo! “Zeus, terei vivido coisas... que  desconheça?” Qual terá sido a sequência de equações entre sua fuga de Corinto e aquela acusação? É como se dirigisse sua moto à toda velocidade, desprovido de retrovisores..., sentindo que uma carreta lhe vem por trás, avançando de seu passado e já a ponto de lhe ultrapassar o presente para vir a destroçá-lo num futuro iminente. “Teria acontecido alguma coisa que não compreendi, nesse meio tempo, ou de que não consigo mais me lembrar?” 

ÉDIPO - Repita, para ver se compreendi bem, Tirésias! Faze de novo essa acusação que acabas de fazer!  

TIRÉSIAS – Édipo: conhece-te a ti mesmo!.... porque eu te digo...  Tu és o assassino que procuras!... 

Creonte fecha os olhos e morde os lábios com força. Kroisos aperta a mão contra o peito, em cima do coração, engole em seco e se recusa a aceitar a revelação, negando com a cabeça. As mulheres em volta passam as mãos pelas maçãs do rosto, enxugando as lágrimas. A multidão ferida se esquece dos terremotos, da seca, da peste diante da luz que vê sobre um estranho Édipo. 

VOZ DA EQUIPE FREUD ( depressa) – O coração do rei bate forte, sua pressão é de... 21 por 19, há uma preparação do seu sangue para coagular-se rapidamente diante da iminência de luta ( a fim de cicatrizar possíveis ferimentos ). Verifica-se, ainda, o aprofundamento da respiração, para que mais oxigênio seja  levado à corrente sanguínea,  a liberação do açúcar das reservas do fígado ( para dar maior energia aos músculos ) , o ativamento da circulação secundária do sangue ao coração, sistema nervoso central e músculos ( a fim de que Édipo pense claramente e aja rápido, pois domina-o, nesse momento, a fuligem que nos fica sempre na mente depois dos pesadelos intensos ). O rei pensa, com força: “Controla-te, máquina!” – e ele sente a mesma vasta solidão que o dominava entre as gigantescas e antigas colunas  de cerca de três metros de diâmetro, do tempo de Zeus em sua infância em Corinto. Solidão que ele, menino, percebia -  com`ekstasis e horror -, ser o deus... capturado! O deus inexistente... capturado!  

TIRÉSIAS - Além do mais... tu ainda te uniste criminosamente, sem o saber, àquela que te é mais cara e não tens a mínima ideia da desgraça em que te meteste!... 

VOZ DA EQUIPE FREUD - “O Oráculo!” Édipo se lembra! 

ÉDIPO ( com todo o ambiente de repente em trevas, monologa ) - “Matarás teu pai e possuirás tua mãe!”  Mas o que tem o Rei Políbio – meu pai – e a Rainha Mérope – minha mãe – todos dois em paz lá em Corinto – com isso tudo? Sei que somos todos robôs da trilionésima trigésima primeira geração, o modelo R-3.000.031 e que nos autorreproduzimos levados pelo “amor” e, com aparente autonomia, acabamos acreditando até que temos uma alma – eterna – e que somos livres. Porém.... quanta coisa desconhecemos de nossa programação e funcionamento, inclusive os labirintos de nossa mente! Aula de Pitágoras: “O Universo é uma sequência de equações ”.  Mas o que é, então, a vida humana? Uma sequência de equações gerando outra sequência de equações, que gera outra sequência de equações – ao infinito?  Exatamente, me disse o mestre – Máquinas! - mas tu te esqueces de que o todo é sempre maior do que a soma das partes, e de que essa diferença entre os dois... é o que o povo chama de... alma. Céus, jamais  pude olhar pra Jocasta e pensar simplesmente ‘aí estão os ovários, útero e glândulas mamárias ideais para a reprodução a que estou programado!’ Contra toda minha racionalidade fria tenho minha Sagrada Família: Jocasta amamentando os gêmeos nos gêmeos seios, belas mãos gêmeas acariciando-os com o ‘amor’ visível nos seus gêmeos olhos.      

Ouve Tirésias dizer da treva: 

TIRÉSIAS -  Infeliz! Que corrida insana, a tua, para tentar escapar do destino para o qual foste programado desde o Principio!!! 

ÉDIPO - “Programado!” Sinto, agora, a vida como a projeção de um filme rodado há muito tempo. Gravada minha fuga de Corinto, gravada minha chegada a Tebas, gravado o que vou  falar daqui a pouco, gravadas as batidas de meu coração, gravado cada passo que vou dar em seguida! 

Estonteante luz.  

ZÊUXIS - Que diabo de acusação mais danada, essa, Tirésias! Danada para Édipo,  porque um vidente não erra!, danada para ti,  pois o criminoso não pode ter sido o rei!  

UM DOS GUARDA-COSTAS DE ÉDIPO - Ninguém jamais poderá fazer uma acusação dessas ao rei! 

Forma-se um zumzumzum que evolui em alvoroço. 

KROISOS - Acho que Tirésias – como qualquer ser humano -  está sofrendo os efeitos do Tempo... e do haoma, que deve estar tomando demais!... 

ÉDIPO (gritando)  - Tirésias! Considera-te banido de Tebas para sempre! E tu, Creonte, vai com ele, pois tudo isso é invenção tua! 

CREONTE - Minha?! 

TIRÉSIAS - Édipo, será possível que mesmo com os dados de que dispões não percebes que tu somente és o teu inimigo?! 

ÉDIPO - Que dados?  

Treva em volta. 

ÉDIPO ( sob a luz da Equipe Freud ) - “Matarás teu pai e possuirás tua mãe”. Mas meu Zeus: o rei Políbio está vivo, lá em Corinto, e  jamais faltei ao respeito com a rainha Mérope!” No entanto... ô, meu Zeus, lembro-me de um inusitado insulto: “Enjeitado!” Alguém me chamou de enjeitado! 

Luz geral. 

ÉDIPO  - Tebanos!!! Pusestes em minhas mãos um poder que jamais vos pedi... e agora me vem Creonte, meu suspeito número um, de quem fui amigo fiel desde os primeiras horas, e se insinua sob mim e tenta me derrubar subornando esse bruxo, esse charlatão, esse forjador manhoso, que também na sua arte não passa de um cego! 

EURÍDICE DE CNIDO -  Quem foi que te chamou de enjeitado, Édipo?  

Édipo se assusta. 

CREONTE - Édipo, 

ÉDIPO - Não me venha dizer que não tem culpa nisso! 

 CREONTE - Olha, Édipo,  

ÉDIPO - Não me aconselhaste hoje de madrugada a mandar trazer esse falso profeta para Tebas? 

CREONTE - Sim, mas 

ÉDIPO - “Sim, mas” digo eu! Pois como se explica que esse homem com tantos insigths  não tivesse revelado na ocasião o que hoje, onze anos depois, tarde demais, portanto, nos vem dizer de público? Por que ele não evitou que o “terrível assassino de Laio” se casasse com sua viúva, tivesse com ela filhos do incesto  e se tornasse rei sobre os súditos da vítima? Ora, esse velho cego não foi capaz  sequer de adivinhar para que foi chamado hoje, pois todo mundo aqui viu a surpresa dele quando eu lhe disse porque mandara buscá-lo!  

Isso provoca uns poucos aplausos. Édipo, estimulado, prossegue: 

ÉDIPO - E por que  ele mesmo não salvou a cidade da Esfinge enigmática?!Está provado, portanto, que ele não pode prever coisa alguma, nem abrindo vísceras, nem “ouvindo os deuses”! 

CREONTE Édipo,  eu não vou permanecer calado! Tebanos! O que foi que esta antiga e bela cidade aprendeu com o grande Pitágoras? Que o homem é a medida de todas as coisas! “O que as coisas me parecem ser – dizia ele – são, para mim, o que me parecem ser. E tudo o que as coisas te parecem ser – acrescentava – assim serão para ti!”   Mas nós também aprendemos, com nosso grande Aristipo, o quanto isso é perigoso, pois – conforme ensinava – não conhecemos as coisas em si mesmas, porém como as percebemos através de nossos sentidos”. Ao que vi Heráclito comentar, nesta mesma ágora: “E os olhos e ouvidos não são boas testemunhas!...” Posso dizer, acreditando nisso, que na verdade somos todos quase que... absolutamente cegos e surdos! Aliás, minha tese de doutorado foi justamente essa! Nela eu chamava atenção para o fato incontestável de que os olhos não recolhem... mas filtram, reduzem as imagens que encaminham aos nossos cérebros. Olhai essa coisa simples que é ... (pega, ao acaso)  um retrato... ( tira-lhe o pé e ergue-o)  Meu Zeus: é Laio! Ele parece estar me encarando. Mas ele está me encarando, Kroisos? 

KROIOSOS ( sem conter o sorriso ) – Não. É a mim que ele encara. 

CREONTE ( a Ifigênia) – É a mim ou a Kroisos que Laio encara, Ifigênia de Cólofon? 

IFIGÊNIA DE CÓLOFON – É a mim!  

ARISTIPO – A mim! 

CORO – A mim! 

CREONTE – Tu também estás vendo  Laio a encarar-te, Édipo, com teu único e paupérrimo ponto de vista! Cada um de vós, que também fazeis parte da Equipe Freud ( diz à plateia ) estais vendo o finado rei Laio... não a fixar-vos, mas  a fixar-te, a fixar-te, a fixar-te!  Os olhos, portanto, não são, realmente, boas testemunhas de nada! Em que podemos nos fiar, então? “A Sabedoria – dizia Heráclito – consiste no conhecimento da razão, que tudo penetra e governa!” Assim, somente alcançamos o bom senso quando não nos deixarmos levar pelo que as coisas parecem – como deve ter ocorrido contigo, Édipo, e com Tirésias, e com  o Oráculo, já que nem o Oráculo nem Tirésias jamais erram e já que sabemos, sentimos que todo esse teu furor é sincero! E às vezes, a realidade admite duas interpretações ao mesmo tempo a respeito da mesma coisa, como no anfiteatro, onde os assentos da arquibancada são, simultaneamente, degraus por onde descemos ou subimos até o lugar vago que buscamos para ver um espetáculo.  Daí, Édipo, é que desposaste minha irmã, e, assim te tornaste, além de seu esposo,  rei de Tebas. Não serei, por esse motivo, quase tão poderoso como tu? E acreditas mesmo que alguém, vivedor  como eu,  prefira o trono com os encargos que ele traz, como esse que suportas neste momento de crise, a uma vida tranquila como a minha, em que também desfruto do Poder, mas só com as vantagens dele? Eu tenho tudo quanto quero, Édipo! E nada a temer! Sou... contemplativo: eu me sento nos meus degraus! Nem muito em baixo – porque a visão do espetáculo ficaria muito restrita -, nem muito em cima – porque lá, a distância do que se passa não me permitiria entender tudo que acontece no palco. Não. É exatamente aqui onde estou que gosto de estar. É aqui onde estou, que posso me deliciar com essa cena completa, em que vemos um rei fazendo coisas contra a vontade – como consultar o Oráculo de cujas profecias tem horror – somente para dar uma satisfação ao povo, pois na verdade um rei nada pode contra terremotos, pestes nem secas, mas tem de mostrar serviço, sob pena de perder o carisma, liderança, etc, etc, etc... 

VOZ DA EQUIPE FREUD - O povo não o aplaude, em respeito a Édipo. Mas se vê que aprova Creonte. Seu raciocínio entra,  perfeito,  na ordem grega de pensamento, no credo nacional racional de um povo que se orgulha de ter vários  magníficos templos antigos... mesmo que um e outro  agora transformado em cinema, como o Cine Atena Pronaia, em Eléia, onde o filósofo Zenão mostrou alguns fotogramas a seus discípulos e lhes disse, assessorado por um telão: 

ZENÃO - Vejam, todos, como o movimento se compõe de uma série de instantes presentes  – ergue a fita   de celuloide,  lisa e negra, que se torna translúcida ( como um vitral ) exibindo a longa série de imagens de um voo de flecha - Reparem como a seta lançada está sempre em repouso, e como todo movimento, por conseguinte, é uma ilusão dos sentidos! 

ÉDIPO – Não, mestre. Não é porque uma história em quadrinhos me mostra o herói em vinte instantes fixos numa página, que vou dizer “é assim que funciona conosco”...  ( Aos tebanos ) -  A hora é grave! e não é com esses teus argumentos de sofista, Creonte,  que me provarás tua inocência! Por isso, a fim de evitar outro ataque teu pelas minhas costas, como esse de hoje, digo-te que não é apenas o teu desterro que eu quero agora, como decretei a Tirésias, mas a tua morte! 

O povo se crispa, tenso.  

CREONTE ( Contendo a fúria ) - Farás isso quando puderes provar que conspiro contra ti! 

ÉDIPO – (ao povo) - Ó cidade de Tebas! 

Algo acontece atrás dele, pois todos os fotógrafos e cinegrafistas entram em atividade e a população se ergue e se volta murmurante para alguém que vem do fundo da plateia e dá a ordem numa voz segura e alta, de rainha, flagrada pelos flashes: 

JOCASTA - Édipo e Creonte! 

ÉDIPO - Jocasta! Eu não te disse para ficares em Corinto com as crianças?!

Ela vem,  bela, madura, altiva, o povo sente que as palavras de Tirésias haviam-lhe acrescentado... mais mistério e charme, o rosto perfeito na atmosfera dourada criada pelo reflexo das luzes dos holóphotos.  

IFIGÊNIA DE CÓLOFON - Nem o passar do tempo, nem o nascimento de Etéocles e Polinice ou de Antígone e Ismênia – os filhos que extraiu do vigor de Édipo, bem mais jovem – fanaram-lhe a beleza!  

Ela passa ( como uma exceção sobrehumana ) limpa pelo meio do povo sujo., Incólume e calma entre os feridos e nervosos. 

ARISTIPO - Afrodite Anadiômene! 

JOCASTA ( em voz baixa, ao marido e ao irmão ) -  Que debate mais impudente é esse em público, num momento em que a calamidade arruína Tebas? 

CREONTE ( quase rindo ) - Ele quer me mandar executar, Jocasta. 

ÉDIPO - Ele anda conspirando contra mim! 

CREONTE -  Que eu morra maldito se cometi essa infâmia! 

Jocasta olha para Édipo como toda mulher que vê o marido lançar  ofensa à sua família. E vai  insultá-lo à altura, mas se lembra de que não é apenas uma mulher, mas rainha!  

JOCASTA - Creia no que ele te diz, Édipo. Não só pelo juramento que  Creonte proferiu, mas em atenção a mim e a todos os presentes.   

KROISOS - Deixa-te persuadir, Édipo... 

CRISEIDA ( com a menina doente nos braço ) - Édipo, eu também te peço isso... 

O rei olha para essa criatura bem nos olhos. Vai respondê-la quando  outras vozes o atraem, 

VOZ DA EQUIPE FREUD – São Heitor de Píndaro e Amateia de Licaonte. 

HEITOR DE PÍNDARO E AMATEIA DE LICAONTE - Creonte não é nenhuma criança, Édipo... 

ZÊUXIS - Édipo, não cometas, por favor, a mesma injustiça que o vidente cometeu contra ti! Não acuses Creonte baseado numa suspeita! Não lances à desonra, sem provas, um amigo que se voltou, ele próprio, à eterna maldição se te estiver mentindo! 

OUTRO GUARDA-COSTAS DE ÉDIPO (apagando os faróis dos peitorais, desfazendo a guarda, travando a automática AK-47) -  A desgraça que nós temos já basta, Édipo! Não queiramos nos acrescentar novos motivos de desgosto! 

ÉDIPO  (  fixa os olhos nos de Jocasta ) - Está bem. (E a Creonte). Mas estejas onde estiveres, meus olhos te seguirão bem atentos! 

CREONTE - Édipo, ter um temperamento como o teu é ter uma eterna fonte de problemas! E olha o que vou te dizer. Vais ter remorsos de tudo que me disseste, quando a tua cólera passar!... 

ÉDIPO - Ah, meu Zeus!: outro vidente!... 

CREONTE - Faço-te outra previsão: esta é última vez que me vês. 

ÉDIPO - O que vai diminuir em muito  minhas angústias... 

Creonte revira os olhos, vai até a irmã, toma-lhe as mãos e cheira-lhe o rosto. 

A VOZ DA EQUIPE FREUD -  Creonte tenta olhá-la de frente, mas a lembrança da voz e do rosto de Tirésias dizendo a toda Tebas... tantas coisas... que ela iria fatalmente saber... o impedem. 

CREONTE - Adeus, mana. Cuida-te. 

JOCASTA (depois que Creonte se afasta ) - O que foi que houve aqui de tão grave, Kroisos? 

KROISOS ( Olha para Édipo, ergue as sobrancelhas e inclina o rosto, voltando-se para ela ) - Ôh, Jocasta!... Houve acusações provocadas pela tensão da hora... Suspeitas... em face do oráculo e dos vaticínios... 

JOCASTA - Que vaticínios? 

KROISOS ( constrangido) – Que vaticínios?  

JOCASTA – Sim, dos oráculos. 

KROISOS - Ora, mesmo o que carece de menor fundamento nos corrói a alma se quem o diz  é respeitado... 

JOCASTA - Mas o que diziam, Kroisos?  

KROISOS – Ôh, é melhor encerrar esse conflito no ponto em que ficou, senhora... O infortúnio de Tebas por si só já nos amargura demais... 

ÉDIPO - Veem a que ponto chegamos? As perguntas não mais são feitas em voz alta e as respostas já se enchem de evasivas! Logo nossos reis farão acordos com cláusulas secretas com firmas estrangeiras e com outros Estados, para enganar o povo, e esta não mais será a democracia transparente que implantamos em Tebas! Estão todos perdendo a confiança uns nos outros devido à insídia desse terrível cizânia, que é o Creonte! E Tirésias mais ainda do que ele. 

CRISEIDA Édipo, Kroisos apenas... age com tato para não magoar Jocasta, a ti e a todos mais ainda. 

JOCASTA -  Magoar-me?! Então fui envolvida nessa intriga! 

Édipo fecha os olhos com força, em face da nova eclosão dos holóphotos.  Coloca os óculos rayban e olha para o céu. Vê a nave da Equipe Freud, descendo da treva como uma cintilante metrópole iluminada entre as nuvens. O interesse, lá em cima, parece crescer para o drama que se vive em baixo. Olha ao redor: Tebas tornara-se uma cidade lívida e até o pouco verde que lhe restava parecer espectral, cheio de escuridões fundas.  

JOCASTA ( chegando-se  ao marido ) – O  que levou nosso rei a cólera tão grande? 

 Ele baixa os olhos, desviando-os para os da mulher, tirando os óculos. 

ÉDIPO - Jocasta...  Creonte insinuou  que fui eu quem assassinou Laio... 

JOCASTA - Mas que absurdo! E por que ele teria feito isso? 

ÉDIPO -  Na verdade... foi através de Tirésias, que eu mandei chamar, por sugestão dele... 

JOCASTA – Ah, meu Zeus. E quem é que, com instrução,  ainda acredita em oráculos e adivinhos, aqui em Tebas?  ( Vacila um pouco, Édipo vê que as mãos e o queixo dela tremem.) . Vou dar a todos, agora mesmo, uma prova cabal de que ninguém pode devassar o futuro. Para tanto, faço em público uma revelação tão dolorosa... que jamais a fiz, antes, sequer a meu próprio marido atual... porque o caso pertenceu, até agora ( olha para Édipo ) ao grau indevassável de minha intimidade com Laio... 

O rei e a multidão se concentram nela. Jocasta  baixa a voz: 

JOCASTA - Todos sabem que Laio não deixou herdeiros... mas não por ser impotente ou estéril, como sempre foi divulgado... ( a cidade inteira olha para Édipo, que empalidece, engole em seco ) É que um oráculo nos foi enviado, certa vez, dizendo que o destino de meu marido seria o de ser morto por um filho do nosso casamento, um filho que... além de matar o pai... viria também... a me possuir... , uma predição exatamente igual à que Édipo recebeu em Delfos com relação ao rei Políbio e à rainha Mérope, seu pai e sua mãe, o que o faria nunca mais voltar a Corinto... 

VOZ DA EQUIPE FREUD - Os aviões correm fantasticamente no asfalto, até que consigam  velocidade suficiente – ou massa de ar bastante – para lhe sustentar o peso... e a decolagem. Como a história a que assistimos. Édipo, Kroisos – e Creonte, que já ia no meio da ágora e para – toda a multidão, comovida, flagra a vinculação da história de Jocasta com a de Édipo, tudo dentro da sequência de relações estabelecidas por Tirésias. 

JOCASTA - No entanto ( conclui titubeante,  diante do estupor geral que pode perceber e que lhe parece um tanto desproporcionado, desajustado à sua confidência em si ) No entanto... todo mundo sabe... que Laio pereceu sem filhos, nas mãos dos terroristas da Esfinge, no caminho de Delfos!, e que Políbio, pai de Édipo, continua vivo, Mérope sem a poluição insuportável do incesto! 

ÉDIPO - Mas... Jocasta... tu nos disseste que Laio não era... estéril... ( É a vez de Jocasta empalidecer pela constatação do que deixara escapar ).Não poderia nos assegurar isso,  se ele não tivesse tido algum filho, é óbvio... Ou o tivesse, não  contigo... 

JOCASTA - Na verdade... eu e Laio... tivemos um filho... 

Édipo cobre o rosto com as mãos.  

Noutro espaço e tempo. Trinta e tantos anos antes. 

SIBILA ( a Laio, que vê despertando com um copo de haoma na mão, dentro da Máquina do Mundo, em Delfos ) – Conta o sonho que acabas de ter. 

LAIO - ... Vi uma rainha  invocando  um demônio: “Escravo do espelho meu! Venha do espaço profundo e me diga se existe no mundo... alguém mais bela que eu!” O gênio lhe mostrou uma outra mulher, mais linda,   sensual... e  mais jovem. A Rainha, num ciúme furioso, voltou-se pérfida para o chefe dos caçadores da corte: “Ulisses, leve-a para a floresta,  mate-a e traga-me seu útero e os ovários!” 

SIBILA - Laio: teu sonho mostra que no curso natural das coisas... a filha substitui a mãe...provocando na megera – na maioria das vezes – um ciúme feroz. Mas como a revelação te veio         per speculum et in enigmate - por  espelho e em enigma, o que ela  te mostra é que tu... estás para ter um filho!, ante o qual sentirás  o que todos os homens sentem: que o novo é o assassino do velho!... Mas não aceitarás – generosamente, como os demais -   fenecer enquanto o herdeiro floresce, muito menos lhe ceder o lugar, depois,  tanto no trono... quanto  na cama!...” 

Tempo presente. 

JOCASTA - A mim, o oráculo me pareceu... alegórico, genérico. Na verdade  o filho não é o assassino do pai, claro, mas ... reposição que a espécie exige de todo mortal, humano ou não.  O pai envelhecerá e as mulheres serão do filho. Mas para Laio... ( as lágrimas começam a lhe escorrer com tinta,  rosto abaixo ) Ele interpretou o oráculo no sentido literal: o menino iria matá-lo quando crescesse... e me possuiria... Por isso... perfurou as articulações dos pés do  filho... amarrou-os... e entregou o bebê -  como um cordeiro - pendurado... para que um pastor protestante o precipitasse – já que sua religião lhe proibia isso - no abismo de Citéron, dizendo-lhe que isso era uma estranha ordem de Zeus, tal como a que o Jeová judeu dera ao Abrahão de matar o próprio filho Isaque!... 

Édipo quase não consegue falar: 

ÉDIPO - M... mataram-no?!  

A custo Jocasta estanca um grito ao confirmar em silêncio. Morde a mão fechada... e se abraça precipitadamente com o marido, em meio ao silêncio da cidade. Édipo se livra  ... delicadamente... dela, que permanece desamparada no lugar em que estava, passa por trás de Jocasta... e para. 

VOZ DA EQUIPE FREUD -  Creonte, de longe, vê  que o cunhado baixa a cabeça... olhando para os pés... onde existem misteriosas cicatrizes... cobertas pelas presilhas de prata dos tornozelos das sandálias. “Que foi isso, Édipo?” – lembra-se de que lhe perguntou logo depois que o conheceu. ”Marcas  de nascença. Minha mãe me disse que houve um problema no parto e fui puxado a fórceps por eles.  Daí eu ter esse nome de Édipo”. “Ah, ‘pés inchados’. Não havia me dado conta disso”. 

ÉDIPO  - Jocasta!... 

CORO – Jocasta!...  

ÉDIPO Ah, Jocasta, como isso que disseste traz dúvidas!...  

CORO - Como isso que disseste nos perturba a todos!... 

ÉDIPO - Ôh Zeus, o que fizeste comigo?... 

JOCASTA – Isso te impressionou tanto?  

ÉDIPO – O-Onde  o guarda-costa sobrevivente, testemunha da morte de Laio disse que ele foi morto, mesmo?  

JOCASTA - A duas ou três léguas da encruzilhada em que mataste a Esfinge. Por que? 

ÉDIPO -  Jura que isso é verdade? 

JOCASTA – Não preciso jurar. O corpo dele foi encontrado lá! 

ÉDIPO - A testemunha disse quantos homens o atacaram?  

JOCASTA  - Não, apenas que era um bando enorme. 

Édipo cerra  os dentes e os punhos, voltando-se para os rostos crestados, sujos, lívidos, ao seu redor. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Ele pensa: “Então não poderia, mesmo,  ter sido eu, pois estava sozinho, no incidente”. 

ÉDIPO - Mas que fim levou esse homem?  

JOCASTA -  Isso já foi dito um milhão de  vezes: exilou-se, temendo uma retaliação da Esfinge. 

ÉDIPO – Manda chamá-lo, dando-lhe garantia de vida. 

JOCASTA - Para que? 

ÉDIPO - Para nos contar tudo mais uma vez, diante de mim e em público. Porque estou reduzido a uma única esperança agora, Jocasta: a de que esse segurança sustente o que disse... depois de todos esses fatos novos que surgiram. 

V OZ DA EQUIPE FREUD -  “Enjeitado!!!”  “Não: Meu pai é Políbio! Minha mãe é Mérope!” 

EURÍDICE DE CNIDO - Édipo! Quem foi que te chamou de enjeitado? 

VOZ DA EQUIPE FREUD (Imitando Édipo) - “Ô meu Zeus!” 

ÉDIPO -  Isso me aconteceu, de fato, foi uma coisa horrível,  numa festa em Corinto. Idomeneu, filho de Teucro, bebera demais e discutimos ( eu sempre tive esse meu gênio ) . De repente ele me lançou essa palavra, de que pareceu ter-se arrependido imensamente, mal a pronunciou. Mas foi Scopas, Criseida, que me rugiu com ódio em seguida: “É isso mesmo! Enjeitado!  Que príncipe-herdeiro porcaria nenhuma!” Idomeneu segurou-o,  apavorado: “Scopas, pelo amor de Zeus!” E o Scopas: “Pelo amor de Zeus coisa nenhuma! Eu não aguento mais a presunção desse filho de uma puta desse estrangeiro metido a sucessor do trono de nossa cidade! Quem foi, aqui, que viu Mérope grávida? An? Heim? Alguém viu? Pergunta a quem quiser à tua volta, Édipo, às pessoas da geração passada! Dizei-lhe, coroas: quem é que não sabe que ele não é filho de Mérope?” ( Édipo suspira fundo, olha ao redor, em Tebas )  Olhei ao redor e vi todo mundo baixar a cabeça, lá e cá, desviar os olhos.  

Uma fumaça negra começa a cruzar por sobre a multidão, atravessada pelos holóphotos. Édipo dá com os olhos desesperados de Kroisos, no silêncio entre essas sombras e luzes. E prossegue: 

ÉDIPO - Fiquei aturdido, mas me contive. Procurei meus pais e lhes falei a respeito. Eles ficaram “brancos”. E se irritaram muito com Idomeneu e Scopas, negando tudo. Tomei uma decisão pesada: “Mãe, perdoa-me, mas eu vou consultar o oráculo de Delfos sobre isso!”  

Outro espaço e tempo. 

MÉROPE - O que?! Tu vais viajar para Delfos com esse terror da Esfinge solto por aí, nas estradas, matando rapazes a torto e a direito? Não senhor! E para que? Eu não estou te dizendo que sou tua mãe? Será possível que esses bêbados sabem mais sobre isso do que eu, que te gerei? Eu te concebi quando estive na Mesopotâmia, filho, lá onde velhas estéreis e virgens conseguem ficar prenhes contra todas as evidências, e eu também o consegui, embora até meu médico Bryaxis duvidasse de que o pudesse! Mal cheguei a Corinto de volta, te dei à luz, nunca ninguém me viu pejada por isso! Meu Zeus, que povo mais despeitado! Querido, isso é porque tu és o herdeiro do trono e eles vivem com medo de teu futuro reinado, com esse teu gênio explosivo, apesar de todo o teu senso de justiça! 

Tempo presente. 

ÉDIPO - O susto, o nervosismo dela, entretanto, o constrangimento de meu pai... me fizeram aumentar a suspeita de que Idomeneu e Scopas tinham deixado escapar uma verdade dolorosa. Mas tudo nada mais do que suspeita. Por isso peguei a moto fui a Delfos, consultar o Oráculo. Tomei o haoma, e a  psitonisa Terpsícore me disse : “Toi egrêgorosin hena kai koinon einai – ( Os que estão acordados têm um mundo em comum), “ton de koimômenôn  hekaston eis idion apostrephesthai” ( mas... cada um de nós, adormecido, volta para seu próprio mundo...” ). 

TERPSÍCORE– (mostrando-lhe duas bobinas de filme) – Este é o teu passado, Édipo. E este... o teu futuro. Tu sonhaste com o sol nascendo, na madrugada de um vinte e cinco de dezembro, exatamente sob a constelação de Virgem, que parecia estar te dando à luz. Um rei quis matar-te, com medo de que por seres superior a ele,  lhe tomasses o trono. Isso já aconteceu com muitos reis. Por isso foste levado para o deserto, que é esta área, no céu, sem estrelas. Agora, o teu futuro: a... esfinge... formada pelas constelações dos quatro  pontos cardeais do firmamento – Homem, Leão, Touro e Águia -  lhe diz “Decifra-me ou te devoro!” Decifrar o que? O enigma de tua origem. E tu só o conseguirás se tomares o lugar de teu pai e possuíres tua mãe. Mas para isso terás de matá-lo.  

Édipo para a moto numa encruzilhada – setas mostrando TEBAS e CORINTO. Desesperado, nega Corinto e segue para Tebas, mas ouve gritos A Esfinge! A Esfinge!, e se vê cercado por um grupo mascarado com caras de egípcios utilizadas nas tumbas, o líder com algo muito parecido com a máscara funerária de ouro de Tutankhâmon. Atacado, se defende, desarma um dos agressores e, com sua arma, vai matando a todos, inclusive o chefe, ao que um dos terroristas, foge. Édipo tenta tirar a face dourada do comandante, mas, sem consegui-lo, desiste. Tira o celular e fotografa-o. Veem-se os flashes da câmera. 

Manchete de jornal: A ESFINGE É DESBARATADA E SEU LÍDER MORTO. Ilustração: a foto tirada por Édipo. ‘Os cadáveres desapareceram, resgatados por outra facção do bando, como por ela mesma    foi divulgado.” 

Alarido: clamor pasmo nas ruas: “Ele matou a Esfinge que matou o rei!!!”Cobrem o caminho de Édipo com folhas de palmeiras, moças lindíssimas  correm ao lado de sua moto, as crianças numa ânsia incrível por vê-lo de perto.  

O corpo do monarca de Tebas é depositado no mausoléu dos Lábdacos e é para lá que  levam o novo herói. Édipo se deslumbra com a escultura em aço polido – do famoso Leocares – que representa Laio idealizado, majestoso e nu, controlando sua biga que corre com estrépito sobre um palco circular que simula o trajeto irregular de Tebas/ Dáulis. Uma moça coroa Édipo de louros, outra o beija na boca, as autoridades abrem caminho à sua passagem, um friso de cavaleiros em alto-relevo, galopando ruidosamente dentro de uma luminosa poeira vermelha, uma procissão de panatenéias, o vazio em que será teatralizada a morte do rei. Édipo vê Laio atacado por um  grupo egipcíaco  maior do que o que  ele, Édipo, enfrentara,  e ser morto pelo homem de garras de leão e cara de ouro, que ele, Édipo, matara. O alarido se faz novamente quando, com alguns passos a mais,  a tumba chega até ele, que vê Creonte pela primeira vez, ele recebendo extasiado aa série de fotos e lhe dizendo 

CREONTE - Tu o mataste de veras! 

ÉDIPO - Deixei-o caído na tríplice encruzilhada  Tebas/Corinto/Delfos... 

CREONTE - Esta é minha irmã Jocasta, cujo marido – nosso rei Laio – vingaste! 

JOCASTA ( a Édipo) – Dize-me quem és, de onde vens, para onde vais.  

Édipo – em lugar reservado – vê os seios de Jocasta... e beija-os, suga-os.

Tempo presente. 

ÉDIPO - Jocasta... se aquele homem que matei era Laio... estou perdido!... 

JOCASTA -  Então Laio seria a Esfinge!... Não faz sentido!... 

ÉDIPO – De qualquer modo sou um infeliz. não poderei voltar para Corinto, pois estou fadado a matar meu pai... e a possuir minha mãe!... 

JOCASTA - Tem tanta gente que faz isso em sonhos...  

KROISOS - Ora, Édipo: há sempre a testemunha ocular de que Laio foi morto pela Esfinge! 

ÉDIPO -  Jocasta! Precisamos que essa testemunha confirme, perante todos, que viu Laio ser assassinado pela Esfinge! Manda chamá-la, urgente, urgente, urgente! 

KROISOS - Ó Apolo Lício! Édipo está perturbado e nossa inquietação é terrível! Por isso te suplico: dissipa estas sombras sobre Tebas e traz-lhe a tranquilidade e a luz de volta! Todos nós estamos tão... amedrontados!...” 

ZÊUXIS -Édipo! Um dos médicos que vieram de Corinto, a teu pedido, para nos ajudar,  tem uma revelação muito importante a te fazer. 

O cirurgião, bata encarnada e ar cansado, um clarão boiando no espelho circular da testa, caminha para falar com os reis. Édipo o examina, tenso: 

ÉDIPO - Doutor Bryaxis?! 

BRYAXIS - Eu mesmo, Édipo! Só agora percebo, graças ao Doutor Zêuxis, que tenho uma informação  muito importante... para ti e para todos os tebanos, meu filho. Estava tão mergulhado no trabalho, que não me dei conta do momento em que o que teria sido uma péssima notícia de repente passava a ter um... valor positivo... 

ÉDIPO (tenso) - Sim?...  

BRYAXIS -  Acho, então, que como bom médico-mechanikós,  devo trincar os dentes e te fazer sofrer um pouco mais, menino, para te curar de uma vez por todas deste teu excruciante mal! 

ÉDIPO - Meu pai... morreu?... Minha mãe?!... 

BRYAXIS - Não, não, o que é isso! A coisa não é tão ruim! Príncipe: todo mundo sabe que saíste de Corinto para ter uma confirmação de tua identidade, depois que aquele infeliz do Scopas te... ofendeu tanto. E todo mundo sabe que nunca mais voltaste para lá porque as sibilas te vaticinaram alguma coisa terrível – parricídio, incesto – desgraças desse naipe. Édipo, não há para ti o que recear em nossa cidade, pois todo mundo sempre soube, lá, menos tu, que ... bom... eu te garanto isso porque sou o médico-mechanikós da família real desde que me entendo de gente. Édipo, Scopas disse a verdade: minha amiga Mérope mentiu-te... por amor..., pois  jamais teve filho algum...  

O rei se ressente do solavanco. Reabre bem os olhos. E se reestabiliza nos pés, vendo o rosto de Bryaxis de frente, sob o espelho circular.  

ÉDIPO - E... quem é minha mãe, então? 

BRYAXIS - Bem, quem são teus pais... nunca ninguém soube em Corinto. Eu me lembro apenas de quando um pastor chegou contigo no colo, no Palácio de Políbio e Mérope... 

As têmporas de Édipo latejam forte, ele treme. 

ÈDIPO - Um pastor? 

BRYAXIS – Pastor protestante.  Chamado... Enômano, Enômao, se não me falha a memória. Morreu há anos. Ele te encontrara numa grota de Citéron sendo preparado para a morte  por um outro pastor... protestante, esse daqui de Tebas, 

JOCASTA – ( aterrorizada ) -  Tem certeza?! 

BRYAXIS - Sim senhora. Do nome desse eu me lembro, pois é o mesmo de meu sogro: Mársias. Édipo, tu ias ser atirado por ele no abismo, porém Enômao implorou que Jeová o libertasse daquilo, como libertara Abrahão , quando seu confrade de Corinto apareceu, como a salvação ... 

Édipo, Jocasta, Kroisos, todo o povo fica paralisado. Édipo olha para Jocasta e a vê...lívida.  

ÉDIPO ( num berro, à multidão  ) - Mársias!!! 

Um velhote de paletó e gravata, bíblia na mão, encolhe-se ligeiro, acocorando-se entre as colunas do Apolo, imiscuindo-se de quatro entre as pernas das pessoas. Édipo volta a berrar: 

ÉDIPO - Mársias!!! 

JOCASTA ( A Édipo ) - Pelo amor de Zeus, querido: abandona essa investigação! 

ÉDIPO - Nunca!!! Eu... vou... nisso até o fim! 

Ela tenta abraçá-lo, ele recua com as mãos erguidas, sem querer tocá-la, gritando acuado: 

ÉDIPO - Mársias!!! 

JOCASTA  ( Atônita ) - Infeliz!

ÉDIPO - Esse desgraçado desse pastor vai aparecer ou não?  

Jocasta sai,  os dentes cravados no pulso direito. Uma sombra espessa avança, cobrindo a cidade... e há um momento de silêncio pesado, em Tebas.  Édipo olha para a porta por onde a rainha desaparece iluminada pelo holóphotos. Olha para muitos dos que estão mais perto.  

KROISOS -  Édipo... receio que... agora... nos venham dissabores ainda maiores!... 

Treva. Jocasta, noutro ambiente, alucinada, encolhe-se ganindo de dor. Reergue-se, , louca, gritando “Laio! Laio!” 

ÉDIPO ( na cena exterior ) - Ali está o pastor que procuramos! 

O povo abre espaço para Zêuxis, que põe o velho Mársias no chão e grunhe: 

ZÊUXIS - Anda! 

Mársias recua, procurando socorro de encontro ao avental sujo de óleo e sangue de quem o entrega, mas o médico-mechanikós o empurra para a frente, Mársias recolhe a bíblia, que caíra à sua frente, quase cai, continua a se aproximar – sempre com o enorme Doutor Zêuxis atrás – até que para de cabeça extremamente baixada, diante de Édipo, que lhe ordena em voz baixa: 

ÉDIPO – Olha pra mim! 

O pastor, ao contrário, fecha os olhos com toda força, a mão direita cobrindo a cabeça, como que a protegê-la, acuando-se nas pernas de Zêuxis. 

ÉDIPO - Olha para mim, velho!!! 

O homenzinho abre os olhos inflamados, olha para cima, vê Édipo lhe dar a ordem, contra a luz: 

ÉDIPO - Responde a tudo que vou te perguntar! 

O pastor afirma rapidamente com a  cabeça, apavorado.  

ÉDIPO - Tu recebeste de Laio a missão de matar um filho dele e de Jocasta? 

PASTOR - E-eu... ,  sim... 

Zêuxis vê que o pastor vai fugir, segura-o, sente-o tremer intensamente.  

ÉDIPO - E te lembras de haver entregue essa criança a um pastor de Corinto chamado ( estala os dedos urgentes para o médico-mechanikós mais velho ). 

BRYAXIS - Enômao! 

Mársias olha para o cirurgião do espelho: 

PASTOR - Ô, Doutor, por que o senhor foi dizer isso? 

ÉDIPO - Responde! 

PASTOR - Responder o que? 

Édipo dá um urro e se precipita,  fragmentado por uma dezena de flashes, para cima do homenzinho aos pés de Zêuxis. Agarra-o pelos colarinhos, erguendo-o e atraindo-o estupidamente contra si: 

ÉDIPO - Olha aqui, diabo: se não me responderes por bem, já e já, vais fazê-lo à força, estás me entendendo? 

PASTOR - E-eu te imploro piedade! De mim e do senhor! 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Meu deus!  

ÉDIPO - Algemem esse bandido com as mãos às costas! (e a Zêuxis e Bryaxis)  Vamos ver até onde ele resiste de boca fechada a uma boa tortura do tempo de Laio! 

Dois pares de luzes acendem-se por trás do pastor e se aproximam, a bíblia lhe cai novamente, o homem é agrilhoado às pressas, chorando: 

PASTOR - Mas por que faz isso comigo? O que é que o senhor quer saber e que já não sabe? 

ÉDIPO ( de punho  fecha, dentes cerrados ) Eu quero saber... do menino!!! 

PASTOR Ó Senhor, eu devia de ter morrido naquele dia!... 

ÉDIPO - Pois é o que vai te acontecer agora mesmo se não me confessares logo tudo! 

PASTOR – O rei vai me matar é se eu lhe disser a verdade! 

ÉDIPO – E tu nem imaginas o que posso te fazer, se continuares a fugir dela! 

PASTOR - E-eu... , Ôh meu Deus! Eu de veras entreguei o menino pro pastor Enômao de Corinto!... 

VOZ DA EQUIPE FREUD – E chegamos ao olho do furacão! 

ÉDIPO - E de quem você o recebeu, peste? 

O homem desmorona de joelhos, cabeça pendida até quase junto à bíblia, mãos pra trás: 

PASTOR - Por tudo quanto te  é de mais sagrado, pela alma de tua mãe, eu te peço, Édipo: não me pergunta mais nada! O rei já sabe,  já sabe... 

ÉDIPO - Fale... ou eu... te mato... agora mesmo!... 

O velho faz que sim, que sim, desesperado, e confessa: 

PASTOR - O menino..., o menino nasceu no palácio de Laio! 

ÉDIPO - Era filho de um funcionário, de um criado, de quem? 

PASTOR - E-eu num posso te dizer! 

ÉDIPO - E nem eu ouvir! Mas fala!!! 

O velho chora...  e Édipo hesita, arrefece. Deixa-o plantar-se no chão e tossir. Depois tira o lenço e enxuga a própria testa, o rosto. Sente os pulmões insuficientes para a respiração, o coração estourando.  

ÉDIPO - Desculpe-me. Desculpe-me... mas é preciso que fales, meu amigo!... 

PASTOR Ô, meu filho!... O nenenzinho era filho (engasga e repete) O neném era filho do Rei Laio!... 

Édipo olha-o como se estivesse dopado. Fecha os olhos, a mão com o lenço contra o rosto, fica por um momento surdo. 

PASTOR - Acho... acho que a tua mulher  é quem melhor te pode contar tudo... 

ÉDIPO - Jocasta... 

PASTOR - É... 

ÉDIPO - Foi ela... Foi ela que te entregou o bebê para que o levasses para longe, a fim de que escapasse à ordem de Laio para matá-lo! 

PASTOR -  Não! Ô, meu filho: foi ela mesma que me deu a ordem pra que eu matasse o menino. Foi ela que me deu a ordem para que eu te matasse,  Édipo!... 

O mundo para. O único movimento, nele: o das lágrimas do rei listrando-lhe a atônita amargura: 

ÉDIPO - Minha mãe... fez isso?!... 

O velho confirma...e Édipo entrega-se ao choro 

PASTOR Édipo,  ela me mandou fazer isso pra evitar as pragas do oráculo!... 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Édipo quer saber... tudo.  Confirmar tudo.  

ÉDIPO - Que pragas, Mársias? 

PASTOR - Aquele menino... devia de matar o pai... e possuir a mãe!.. 

Édipo faz que sim com a cabeça, a mão com o lenço cobrindo a boca. Faz que sim. Mas de repente livra o rosto e explode: 

ÉDIPO - Então por que, porra, foste inventar de desobedecê-la e entregaste o monstro ao pastor de Corinto? A rainha não te havia dado uma ordem, imbecil? Heim? 

PASTOR - Havia!... – ( Mársias também chora ) Mas eu tive tanta pena do bichinho!... 

Édipo abraça-se a ele, atraca-se com ele, e os dois choram juntos,   a multidão com os dois. 

ÉDIPO ( erguendo-se, furioso) - Jocasta!!! (corre para o palácio) 

KROISOS - Ó vós, ó deuses...,  ou máquinas como nós! Como é terrível submeter-se sem compreender! Fizestes Édipo  vencer a Esfinge, fizeste com que ele se apresentasse aos olhos dos tebanos como o Prócer, o Libertador, o Salvador, mas a que terrível armadilha levavas o teu herói e a todos nós!  

Sente no ombro direito o peso da mão esquerda de Zêuxis. Apresenta-lhe alguém. 

ZÊUXIS – Este é o sobrevivente do assassinato de Laio. 

O SOBREVIVENTE - Realmente quem  matou o rei foi Édipo, que vinha de Delfos.  

KROISOS – Mas ele não matou não foi a Esfinge? 

O SOBREVIVENTE – Que era Laio. Soubera, por espiões,  que o pastor não o matara. E que outro pastor levara o bebê para Corinto, mas o religioso morreu  sob tortura sem dizer a quem dera a criança. Por isso Laio mantinha uma rede de informação sobre todo jovem que deixava Corinto em direção a Tebas, aterrorizado pela ideia do cumprimento do oráculo. Daí o surgimento da Esfinge e tantos jovens assassinados. Mas Édipo nos enfrentou a todos. Desarmou-me e, com minha K-17 fulminou todo o grupo. Quando ele se foi, tirei os corpos do lugar e  deixei Laio, sem a máscara, no lugar onde ele foi encontrado, duas léguas mais adiante. Vim para Tebas só algum tempo depois, onde vi Édipo... agora rei, daí que criei aquela história de que Laio fora morto pela Esfinge, que nos teria atacado com um bando enorme.  

VOZ DA EQUIPE FREUD - “Tudo é verdade”, dizia Protágoras. “Nada é verdade”, Górgias negava. (a nave recomeça a descer até o palco ). Jocasta se enforca, ao saber que cometera incesto e através dele gerara seus filhos, dos quais era também avó. Mas depois de toda essa catarse, recuperamos Édipo que, segundo a lenda e conforme a tragédia de Sófocles, furou os próprios olhos e se exilou de Tebas, mas – Final Um - isso apenas acrescentando algo à  lenda e à obra-prima do teatro grego.  

Luz da nave sobre Édipo. 

ÉDIPO (reentra cego, as órbitas sangrando, com  Jocasta morta nos braços. Põe-na no chão, ao ver que começa novo terremoto. Ouve a gritaria lá fora, o trovão surdo nos subterrâneos de Tebas ) –

Tirésias me disse: “Se agora não vês, olhando tudo, breve tudo verás, embora cego!” Será que, cego,  verei tudo, mesmo, como ele?” 

´VOZ DE ÉDIPO EM OFF - Tirésias! 

Ele se volta. Mas nada vê. Está tudo no escuro, fora ele.  

VOZ DE ÉDIPO - Tirésias, que conheces todos os signos dos céus e da terra! Nós te mandamos chamar porque Apolo nos declarou que Tebas só se libertará dos flagelos que a assolam se o verdadeiro assassino de Laio – que ele revelou não ter sido a Esfinge, que eu matei – for descoberto e morto ou desterrado!   

Édipo para, compreendendo a situação, assombrado.  Como aquilo acontecera?  

ÉDIPO - Vamos embora! 

VOZ DE ÉDIPO (na treva) - Não nos recuse a revelação! Salva a cidade, salva a ti próprio e a mim 

ÉDIPO ( à plateia ) - Zeus  Saber é terrível, quando inútil!... 

Black.out.  

Luz sobre a nave. 

VOZ DA EQUIPE FREUD – Final Dois. Ou não haveria uma Equipe Freud para cuidar de nosso complexo Édipo.  

ÉDIPO - Queriam que me inculpasse de tudo e me cegasse e me exilasse! Mas... que culpa eu tive de tudo que se passou? Que culpa eu tive?  

CREONTE (entrando) - Quem – todos da Equipe Freud concluímos – Quem tem culpa de coisa alguma? Vão – todos vós, mestres, (dirige-se à nave), todos vós, meus condiscípulos (dirige-se ao público), com esta confirmação do que disse Tirésias: Saber é terrível, quando inútil. A que acrescento agora, na conclusão de minha tese: quando não é inútil, não.