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JOÃO WINCK
A formação de recursos humanos como estratégia das
políticas culturais de comunicação audiovisual
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A televisão ocupa lugar de destaque na cultura brasileira contemporânea. Basta ver que em nosso país 98% dos lares possuem aparelhos de TV. A utilização da TV para promover o desenvolvimento das instituições, da cultura, da informação e do entretenimento faz movimentar recursos próximos a 1/5 do PIB nacional, segundo o "Diagnóstico governamental da cadeia produtiva do audiovisual", documento recentemente publicado pelo Ministério da Cultura. Deste panorama se pode deduzir a necessidade crescente de incrementar a indústria do audiovisual que, por sua vez, alavanca amplos setores da economia.

A demanda por programação de TV hoje ultrapassa as 300 mil horas anuais de imagens. Com a recessão, por falta de infra-estrutura do parque tecnológico e recursos humanos para movimentar toda a cadeia produtiva do audiovisual, ficam prejudicados as indústrias da cultura, artes e espetáculos, do entretenimento, do turismo, dos esportes, da educação, da comunicação comunitária e institucional, da tele-medicina, e outros tantos setores da economia que se valem da TV para incrementar negócios e oportunidades.

O campo de atuação do produtor audiovisual, por sua vez, está submetido à indústria de eletro-eletrônicos, que vem experimentando substantivas alterações e inovações tecnológicas. A associação com a indústria das telecomunicações tem forçado constante demanda por novidades nos conteúdos e formatos audiovisuais que inovem em termos de fórmulas e estratégias para melhor informar, educar, consolidar e transmitir o patrimônio cultural por meio da telinha.

Como se pode perceber pelos breves dados citados, o campo da indústria do audiovisual é muito mais amplo do que os tradicionais canais de televisões. Se ampliarmos o conceito das atividades econômicas que envolvem alguma forma de audiovisual a lista se torna quase onipresente, abarcando a pesquisa científica de base nas áreas da física, da química de materiais e das engenharias até o garoto brincando com sua webcam ou seu videofone entre amigos.

O lugar das ciências do audiovisual, do ponto de vista do desenvolvimento da cultura, arte e tecnologias de expressão em linguagens cinéticas aplicadas, vem se tornando cada vez mais transversal às diversas atividades da sociedade. Entretanto, nos meios acadêmicos que se dedicam à formação de recursos humanos para as áreas da pesquisa, da criação, realização e circulação de audiovisual se encontra muito aquém da realidade da demanda.

Uma das grandes dificuldades que os meios acadêmicos encontram é a capacidade de adequar os currículos para a formação em audiovisual incorporando aos seus métodos pedagógicos a realidade instável dos pressupostos tecnológicos, as flutuações de gosto estético e, especialmente, as profundas implicações sociológicas e filosóficas decorrentes da própria natureza dos veículos de comunicação, extremamente imbricados às estratégias dos setores dominantes na economia e na política. Estas estratégias, dado seu caráter globalizado, não podem ser consideradas, entendidas e combatidas simplesmente desde a perspectiva nacional. Pensar e repensar os modelos da pesquisa e produção, os caminhos que deram certo e as alternativas viáveis são tarefas indispensáveis do currículo acadêmico. Projetar cenários possíveis para o desenvolvimento da cultura audiovisual, especialmente neste momento de transição das tecnologias convencionais para a tecnologia digital deveria ser a tarefa central do currículo para a formação profissional, aumentando sua qualidade e competitividade, uma vez que o audiovisual digital oferece um formidável potencial de desenvolvimento econômico e social, com a geração de pesquisa, tecnologia, cultura, lazer e emprego.

O momento de expansão da indústria audiovisual brasileira requer que as instituições de ensino universitário se adaptem aos novos pressupostos de regulamentação e desenvolvimento do setor, sacudido pela revolução tecnológica da informática, que inaugura formatos de produção e distribuição diferenciados, outras modalidades de promoção de conteúdos e novas exigências para a pesquisa de linguagens e políticas culturais.

É importante notar que as políticas públicas são fundamentais para promover o desenvolvimento da indústria do audiovisual. Graças a estas políticas, a porcentagem de produtos audiovisuais brasileiros que circulam mundo afora aumentou de menos de 4% em 1996 para 22% em 2003, gerando recursos da ordem de 2 trilhões de reais, conforme o documento divulgado pela Secretaria do Audiovisual.

Assim, estamos no momento de ampliar o planejamento de iniciativas públicas mais arrojadas e amplas de fomento à pesquisa, produção, distribuição e exibição audiovisual visando ao incremento da indústria da cultura como setor estratégico para impulsionar o desenvolvimento do país.

Nesta direção as universidades, como agentes responsáveis pela formação de recursos humanos para o setor, são convocadas a integrar esforços de planejamento estratégico de intercâmbio, destacando-se como fórum de interlocução permanente entre as diversas instituições da cadeia produtiva do audiovisual. A necessária interlocução - em nível local, regional e nacional - deve mirar o fortalecimento da ciência, arte, técnica e política da cultura audiovisual enquanto área do saber acadêmico.

A Universidade tem como missão dar conta da demanda do setor audiovisual e para ele promover marcos metodológicos, éticos e estéticos compatíveis com as efetivas exigências deste setor. Compete à universidade desenvolver parâmetros para a criação de conteúdos, bem como promover a regulação e legislação dos serviços de comunicação audiovisual visando ao bem comum, à inclusão social pela democratização das comunicações, à geração de empregos e oportunidades e ao desenvolvimento sustentável do setor.

Mas, se nas universidades há muitas idéias e projetos, praticamente não há meios para desenvolver bons produtos com a regularidade que o setor exige. As universidades carecem do firme propósito político de elaborar e implantar um programa local e global para a pesquisa, produção, distribuição e exibição audiovisual, tendo em vista um sólido programa de formação recursos humanos para a indústria audiovisual brasileira, estruturado como planejamento estratégico de políticas públicas para o setor e para a área do saber.

A opção pela ênfase no desenvolvimento tecnológico não pode prescindir da ética dos conteúdos, da estética das culturas regionais e do conhecimento rigoroso, sólido e estruturado acerca dos saberes e práticas da ficção, da informação e do entretenimento socialmente responsáveis. Tampouco pode desconsiderar o conjunto de meios e modos de gestão da produção de gêneros e formatos sistematizados pela indústria do audiovisual ao longo de sua história. Incorporar estes saberes à pesquisa acadêmica significa romper com o isolamento e a distância que as universidades têm mantido frente ao mercado da cultura audiovisual.

Os currículos para formação de recursos humanos para o audiovisual devem preocupar-se, centralmente, com o que se pode fazer para preservar a diversidade cultural de nossa nação,e. ao mesmo tempo, inserir esta diversidade no contexto de comunicação globalizada. A pesquisa na área do audiovisual, bem como a criação, produção e difusão de conteúdos e formatos devem garantir as presenças nacional, regional e local como a partir de um pressuposto político, considerando que nossos produtos audiovisuais têm se consolidado como um dos principais produtos de exportação da industria da cultura.

Resgatar a importância da universidade no contexto da formação de recursos humanos é tarefa estratégica para o sucesso de qualquer política de comunicação que se pretenda séria. Entretanto, não cabe considerar a universidade fora da sociedade e da rede social. As universidades não podem prescindir dos apoios técnicos, administrativos e criativo de representantes de outros órgãos ou entidades, sejam públicas ou privadas ligadas à indústria audiovisual, conforme conveniência de cada instituição de ensino e da realidade regional ou local ou pretende investir.

As universidades, garantidas as realidades regionais e locais, devem se preocupar com uma estratégia nacional de criação de instrumentos de ação coordenada que incidam sobre a ordenação e a estruturação do setor audiovisual no Brasil, por meio da formação de recursos humanos. A comunidade acadêmica, antes de esperar que os tecnocratas do mercado ditem as regras, não raro perversas, deve tomar para si a tarefa de coordenar a pesquisa e o desenvolvimento da área do saber, em parceria com a indústria do audiovisual, por meio de medidas críticas objetivando o diálogo entre os atores sociais, especialistas, artistas, cientistas e tecnólogos e gestores responsáveis pelo investimento numa pauta comum para o setor.

Esta pauta deve orbitar em torna da formulação de propostas para o fomento à pesquisa e desenvolvimento da ciência do audiovisual, com destaque à promoção de protocolos de unificação dos objetivos e métodos para a formação de recursos humanos para o setor, mirando os seguintes propósitos:

1- Formulação de propostas para o incremento da pesquisa de base e aplicada em audiovisual, com abertura de laboratórios de experimentação em cinema, televisão e multimídia universitários;

2- Análise aprofundada das necessidades sociais no campo do audiovisual visando acionar a legislação, especialmente de ordem tributária, capaz de promover o acesso à experimentação e produção audiovisual de qualidade;

3- Avaliação da conjuntura dos métodos e recursos de formação acadêmica do profissional, das ações e mecanismos necessários à sua melhoria permanente;

4- Definição de diretrizes para o circuito de pesquisa, desenvolvimento e distribuição dos produtos audiovisuais promovido pela universidade, em parceria com as redes de TVs públicas e comunitárias;

5- Definição de políticas públicas para a convergência e coordenação dos setores do empreendimento audiovisual visando ao incremento da qualidade dos produtos e a ampliação do público espectador;

6- Programa de infra-estrutura laboratorial para a formação continuada dos profissionais do audiovisual visando à capacitação para a tecnologia digital, mercadologia da indústria do audiovisual, formação nas áreas de engenharia e tecnologia de comunicação, nas áreas da arte e técnica da linguagem e na escritura de roteiros e programas, entre outros laboratórios.

Por fim, é necessário compreender que a tarefa da universidade não se limita à formação de mão-de-obra especializada para chamada Industria Cultural. A universidade não pode restringir seu manancial criativo e crítico apenas ao fornecimento de profissionais capacitados para executar produtos audiovisuais no mercado. Ao contrário, a tarefa maior da universidade é formatar e gerir o amplo espaço público das comunicações, da informação e da ação comunitária. A universidade deve saber preparar pessoas especializadas em projetos de comunicação audiovisual, muito mais do que produtores licenciados, porém não capacitados à grandiosidade da sua missão social.