VICENTE FRANZ CECIM: KARTA A K
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06-09-2004

j_magritte

alado livro libertador, inspirador para outras Alturas & só ter gerado um livro perverso,

Buraco Negro literário. Em vez de uma nova Estrela.

Horror Horror , uns Calafrios. Desde então, ah K, desde então

sem fundo soprando por dentro O Vento gelado

os anos se passando, se passando, os dias uns atrás dos outros, em fila, as Noites, um sol cego sobre nós

e, ó K,

eis que agora ando outra vez temendo pelo meu caso mais recente

:

pelo nosso amigo comum NS, em quem o envenenante Fenômeno das Migrações Literárias , mais uma vez, ainda mais uma vez - com pervertida & perversa & perversora & inédita ferocidade da Serpente, em relação aos casos já vividos por Andara - acaba de se manifestar novamente

Vem de quem menos eticamente esperava, mas sem dúvida esteticamente já suspeitava que viria

tu já o conheces, K. Àquele a quem chamamos fraternalmente de mano Nico

Mas nossos leitores, quem sabe se - e se tomarem conhecimento desta Karta

E para que eles disponham dos fundamentos dos meus temores também neste caso específico & tornemos essa Investigação ampla & para que todos possam dela participar & se precaver quanto ao Fenômeno - e vejam que eles não são infundados & constatem o quanto essas Assombrações Literárias são perigos iminentes Graves, e não apenas a ele, NS, aqui citado como um dos múltiplos exemplos que eu pudesse dar & adiante, sobre Aves de mais altos vôos que nós, ainda darei - mas a todos nós que escrevemos - ameaçam - uma outra Espada de Dâmocles sobre a sua e outras carreiras de escritor

- deixa que eu faça uma breve genealogia da trajetória literária do nosso amigo comum, e se nela me retardo mais é por ser o meu caso mais recente e do qual tenho, por isso, mais vívida memória & também mais íntima convivência.

 

Aproximações & Desvios: À Sombra do Outro

 

NS: Nicodemos Sena - iniciou sua vida pública literária em 1999, com o livro ‘A espera do nunca mais' (7), exatamente 20 anos após a publicação, em 1979, do primeiro livro de Andara: ‘A asa e a serpente' .

Vejam como se passam as coisas - e tu, mano Nico, meu caro, sejas generoso: ao leres isto, e por favor & se puderes entende que não és citado aqui apenas depreciativamente mas, também , como um exemplo real do pernicioso processo de absorção de obra alheia, se inoculando em nós , e que, ao te tomar como mais um caso exemplar, é porque, como sabes, ó K, sempre prefiro a Lição das Vivências às inúteis das teorias - e porque, NS - e por isso te somos gratos, tu nos forneces outros aspectos: Espectros & vestes a despirmos & desnudarmos até nos revelarmos inteiramente a Nu tudo o que há de nocivo & maléfico etc, etc nessa Absorção suicida:

A espera do nunca mais' foi um livro significativo, talvez até mesmo uma Saga, como NS o chama, ao menos por sua extensão, e embora ainda dependente de um certo naturalismo mimético & pseudo-realista que continua se praticando na literatura na Amazônia, quis renovar a vitalidade dessa Tradição (8) - para mim já morta desde que me iniciei como escritor, pois da Amazônia sempre só me interessou mais a Literatura Oral (9) - e é, no mínimo, um documento sensível e perspicaz destes tempos, sobre a História & as histórias & o Cotidiano da região. Recebeu o Prêmio Lima Barreto, Brasil 500 anos, em 2000. Auspicioso primeiro passo. Não posso assegurar mais que isso, porque nunca o li todo - ah, que enorme Dinossauro, e eu que já li o Dostoievski de ‘Os irmãos Karamazov' mas nem ainda o Tolstoi de ‘Guerra e Paz' - apenas folheei aqui e ali algumas páginas, e voltei a ele esporadicamente, enquanto escrevia & era escrito por meus próprios livros ou me perdia na leitura & releitura & descoberta & redescoberta de Aves de outras plumagens, as raríssimas: Bruno Schulz, Gyula Krúdy, Jean Giono, Julien Grac, Guimarães Rosa, Juan Rulfo, Samuel Beckett, Baltasar Gracián, John Bunyan - e isso: talvez um dia retomar a leitura do seu livro, ainda devo a NS, ao contrário dele que desde o início da nossa relação passou a ler avidamente tudo o que se referia à Invenção de Andara . E com que entusiasmo - quase perde seu vôo de avião um dia na minha casa em Belém, ocupado, da Bela Aurora ao Temível Crepúsculo, em colher todos os velhos papéis em que se havia escrito, até 2002, sobre Andara. Levou para sua casa, em São Paulo. Depois devolveu os originais & uma cópia encadernada, guardando uma duplicata para si - entusiasmo que me fazia recordar, entre comovido & temeroso por NS, aquele manifestado por Jorge Mun.

Até pouco antes, não nos conhecíamos - nem literariamente, pelo menos eu a ele, NS, pois como poderia se ele até então não havia publicado nada.

Passamos a nos conhecer, uma boa amizade: ele lendo, ou já houvesse lido,

todos os livros de Andara e se deixando cativar não apenas por eles, mas também pelo ‘Manifesto Curau/Flagrados em delito contra a noite', que escrevi e lancei provocativamente durante o Congresso da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência realizado em Belém, no já distante ano de 1983.

Pois NS elegeu como sua nova referência & orientação literária o ‘ Manifesto', que tem nesta frase a sua proposição central poética & política para a Amazônia:

“- Nossa História só terá realidade quando o nosso Imaginário a refizer, a nosso favor.”

No início, os benefícios foram recíprocos e imediatos: amigo, NS passou a hastear aos quatro ventos o ‘ Manifesto' como uma bandeira - fazia citações explícitas de adesão à sua proposta central acima citada.

Mas o Mal já havia mais uma vez se instalado. O sub-reptício animal verbal que a todos nós nos ronda, espreita, aguarda o momento preciso do bote.

O primeiro sinal claramente perceptível - mas já então dissimuladamente positivo e não víamos - nem eu e, espero & creio, nem NS - foi a transformação total que ocorreu em seu estilo de escrever e abrir seu Imaginário para perceber, captar e expressar a Amazônia - e essa mutação se manifestou em seu segundo livro: ‘A noite é dos pássaros' (10), que se inicia com uma epígrafe do até então livro inédito de Andara ‘ K O escuro da semente' (11) , certamente lido entre nós, pois amigos, e prossegue me instalando - e com as minhas próprias palavras extraídas dessa inédita Escura semente - como Personagem - anjo profético que adeja nos ares lá pelas páginas finais do livro, enunciando:

-Tudo vem como sombra do Um e para o Um volta como Sombra/Aqui, na breve Residência, a vida,/imersos nesta luz cheia de penumbras em que somos e não-somos, pois permanecemos sendo lá no Um enquanto aqui até parece que somos,/as sombras estão no Vários,/ e se tornam coisas/para se darem em alimento umas às outras, enquanto aqui permanecerem,//podendo esse alimento ser/visível e Invisível/e visíveis e invisíveis as bocas nas coisas, sempre famintas umas das outras//e também podendo ser os alimentos/bênçãos e venenos//assim como podendo ser as bocas por onde se colhe o alimento/abençoadas e venenosas,//havendo ainda os alimentos simulacros/e as bocas simuladas na colheita.”

etc

Um fragmento dessas palavras NS usa como epígrafe do seu livro, aí identificando o autor - pois Andara tendo vindo antes e já havendo se tornado um balbuciante abre-te-sésamo para leitores, críticos e potenciais editores interessados em Literatura na Amazônia - mas, quando as incorporada ao texto do livro em si, todo o Jorro de Palavras citado acima se derrama de sua Fonte Original já sem dono. E elas, assim, anônimas, surgem no livro como palavras de seu novo & oblíquo na verdade não-auto r.

NS, dividido entre dar a césar o que é de césar e a deus o que é de deus - ou ficar com tudo para si, ainda está na Fase Intermediária do processo migratório . Aguardem: Todo o Delírio do Processo Migratório, seus Delitos, ainda está por vir

O livro é bom & curiosa a pesquisa feita para torná-lo bilíngüe, mesclando falas dos personagens em português e em tupi. Interessante achado? Ah, também indício de uma deformante Vocação para pesquisadores de palavras alheias que no humano às vezes se manifesta

Disse a ele: é uma farsa picaresca e - embora bem aquém - me lembrou

algumas vezes aquele maravilhoso ‘Lazarillo de Tormes', é também um folhetim com acentos poéticos. Etc.

Teria o autor enfim chegado a um estilo e acervo temático próprios, extraídos a sua própria maneira já agora diretamente da História, das histórias e das dimensões lendárias da Amazônia - paralelamente à interpenetração do fantasma literário de Andara? Sua Salvação estaria próxima?

Não, não. O processo da Absorção desoriginalizante do absorvedor ainda avançando semi-oculto em suas sombras, tudo se entremostrando já não tão inocente

pois que Inocência fosse essa, que resultou numa deformidade? Se agora temos uma anomalia consumada e irreversível: uma vez que o livro sequioso de NS que sugou para si aquelas palavras de Andara já é agora um livro público, editado, desde 2003 - enquanto o livro matriz dessas palavras, já nesses confins de 2004, ainda nem tem data certa para sair.

Preocupante? Sim, oh sim. Mas eu nunca me preocupei mesmo com essa coisa chamada propriedade privada aplicada a quase nada.

E o processo foi avançando mais e mais

Dias, meses se passando

E então o Mal ou Animal da Influência ou, como eu prefiro chamar: do Fenômeno das Migrações Literárias - mostra toda a sua Face medonha e dá seu bote decisivo sobre meu amigo NS, que, como havia ocorrido em menor escala com o meu amigo Jorge Mun, há duas décadas atrás: ébrio, em estado de Transe,

Sonâmbulo de si mesmo, como ele, Jorge Mun, NS passa a falar com as palavras de Andara - como suas, a empregar pensamento, frases inteira de Andara - como seus, situações ficcionais de Andara - como suas, o despojamento de Nomes e identidades de personagens & coisas de Andara - como seus.

E assim avança - ah, se afastando de si próprio - para se apropriar das características mais próprias dos livros visíveis de Andara , coisas brotadas, nascidas de Andara que só em Andara até então se manifestavam. Cito algumas delas? Cito:

O anonimato e o despojamento de nomes com que se apresentam os personagens-fantasmas da literatura fantasma que é Andara, nela se manifestando - também como as Coisas - como Seres Neblinas, imersos em luz crepuscular e eternas névoas

Ou a elevação de palavras, abstratas ou concretas - como o Medo, a Pedra - à condição de Entidades

- Ah, paro por aqui, K

Enfim: tudo migra dos livros visíveis de Andara, perde suas Origens Originais Originantes e se torna autoria de NS - mais um autor preso na Armadilha

Vítima do horrendo Fascínio, Nicodemos Sena deixa de ser Nicodemos Sena e se torna horrendamente Vicente Franz Cecim.

Vejam: Todo o Delírio do Processo Migratório, seus Delitos, como ele opera. Como ele nos des-Alma

Como nos transforma em Outros que não somos

ah K, K , que agora todos nos ouçam:

pois vou tornar agora isso um Bem Público, como fiz com os outros casos migratórios e também para o bem do próprio NS, nosso mano Nico

:

quando apontei a migração indébita da frase publicada em meu livro de 1994 para seu novo livro ainda inédito de 2004 (Nota 1), já foi um Outro em NS quem me respondeu & tranqüilamente, oh, tão tranqüilamente, esse Outro que eu não conhecia, me disse:

- Não foi intencional.

E com que autocomplacência ou delirante esse Outro que já fosse o nosso

ex-mano Nico acrescentou:

- Se mantiver a frase, colocarei entre aspas, e assim se alguém um dia vier pesquisar sua genealogia descobrirá a intencional intertextualidade

- Se alguém, um dia

São palavras suas, em e-mail prudente & privado que me enviou. Mas já Quem em NS é o autor do e-mail? E não são palavras amorosas - tudo menos amorosas.

- Nenhuma Palavra sobre identificar o Autor original. As suas, pois as minhas estremecem em Escândalo que já não posso mais conter tão longamente todos esses anos e gritam para todos os que vieram Antes, estão vindo Agora e ainda virão Depois - Plagiantes & Plagiários & outras subespécies da raça dos escribas, aos quais não é concedido nem o álibi da Angústia, da Influência:

- Ó Farsa que se nega, ó Mal que ainda insiste em se passar por Bem através de todos nós

- Eu peço que venham logo: o Tempo dos Ventos Severos - purificadores

Os Ciclos de Eliminações das Resíduas: as Alquimias do On em nós

onde estamos todos, Sonâmbulos?

nesse Horizonte de Lodos. Nesse Livro de Lama onde cintilam suas cinzas ainda Negros, Caim & Abel - ah, K: as águas, as Águas das nossas Submersas Memórias Arcaicas, seus Signos Amargos que nos rondando e estreitam o Cerco, vindo ainda à tona em nós: é Lá longe e tão perto? - É em nós

não quero amigos, tenho as Ânsias de desistir dessa Miragem: a miragem da Amizade das coisas pelas coisas de que tanto falei nos livros de Andara? ó Coisa Humana à Noite, tu cada vez mais me horrorizas e já há Asas Negras demais nos céus de Andara

Não me sinto bem entre aspas, entre parêntesis - não sou um Fenômeno de Husserl - sou um homem com uma fronteira Sagrada - me nauseiam as intimidades excessivas, as Invasões não por mim buscadas, consentidas