Manuel Jorge Marmelo acaba de ser distinguido com o Grande Prémio do Conto "Camilo Castelo Branco", pelo livro «O silêncio de um homem só».
Kaminhos tem vindo a apresentar obras deste autor que é um caso sério na narratologia portuguesa. Os leitores já sabiam o que o merecido galardão agora confirma.
Há livros assim, que ousam gritar os silêncios, revelando o lado inconfessável e sombrio da alma. "O Silêncio de um homem só" é uma colectânea de quinze histórias, ou quinze corredores ou nervos, desse exílio mudo, porém o único onde somos verdadeira e inteiramente sós. Esta leitura mostra-nos, também, desafiando-nos, o impulso criador da solidão e como com ele se constróiem as asas da liberdade. Uma surpresa. Sobretudo, uma companhia preciosa para a solidão do nosso silêncio.
Manuel Jorge Marmelo nasceu no Porto em 1971. Jornalista desde 1989, editou o seu primeiro título em 1996, "O homem que julgou Morrer de Amor". Este "O silêncio de um Homem Só" é o seu 12º livro e tem a chancela da Campo das Letras.
O Grande Prémio do Conto "Camilo Castelo Branco" é atribuído pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e Associação Portuguesa de Escritores(APE), com o valor pecuniário de 5.000 euros. Manuel Jorge Marmelo passa a figurar ao lado de escritores como Mário de Carvalho, Urbano Tavares Rodrigues, Maria Velho da Costa, José Jorge Letria, José Viale Moutinho, Teolinda Gersão ou José Eduardo Agualusa, galardoados em anteriores edições do prémio.
O Livro foi buscar o título, e a própria apresentação, ao décimo terceiro conto "O silêncio de um homem só", entendendo-se por isso a intenção aglutinadora de toda a antologia: dar voz ao silêncio que está bem no fundo da solidão, donde medram ideias que sobem à garganta, ao ponto de sufocar. O conto traça-nos os passos internos de Luís Maria, narrados numa belíssima e bem construída prosa poética, que evidencia, logo à partida, a qualidade e originalidade deste autor.
A morte do "homem só" chegou e não comocionou ninguém, " já há muito estava morto na memória da gente do povoado". Porém, a morte cometeu a mais alta ignomínia ao arrepender-se; o caixão de Luís Maria cai no chão e gera o horror nos que vêem o cadáver-vivo levantar-se com a cruz da vida às costas: "de que vale um homem só? Para que serve? Que indomável pecado cometeu para receber o castigo de continuar vivendo?" É no silêncio da sua solidão que encontra a liberdade da escolha e, nessa noite, decidirá munir-se de um rolo de corda, sentir o mundo pela última vez, para depois repor o silêncio original.
A ideia de que "o silêncio não é um intervalo, antes a chave que transforma as palavras que hão-de ser alguma coisa próxima do subtil sussurro" está bem patente em "O homem das gaivotas", onde um poeta lê sem voz os poemas de um livro escolhido ao acaso, mas com silêncio suficiente para convocar as gaivotas, que o identificam, escutam e compreendem. Se a natureza e os animais compreendem o silêncio, cabe-nos também escutá-lo, tão distantanciados do outro, e tão surdos para os sinais de pedidos de ajuda. Este livro é um bom começo para o aprendermos.
Por outro lado, o autor joga psicologicamente com o leitor, nas diferentes técnicas de lhe contar as suas histórias, ficando o leitor a saber as formas com que é seduzido. Também neste sentido, este é um livro sobre verdade, que enriquece o leitor pela constatação das suas próprias competências de ler.
As personagens são insólitas, como o são quase sempre as nossas mais profundas dúvidas e muitas das nossas descobertas; Frei Gil dedica-se a afastar os suicidas de todo o processo de autoliquidação, mas depois de salvar vários corpos acorda-se-lhe a dúvida de estar a negar a morte a almas que a querem, e cria o "Clube da boa morte"; no conto "A espera", da morte, dois amigos, um coveiro e um taberneiro negociam, debruçados num tabuleiro de xadrez com jogadas de xeque, qual deve enterrar o outro.
O Tempo das narrativas é indeterminado o que nos envolve ainda mais nos enredos, que passam a estar no nosso momento.
O espaço é notoriamente marcado pelo Porto, e uma visão inesperada do quotidiano na invicta:"A morte de Amadeu, o comunista de Francos", "Fogo-de-artifício" e "Ícaro na Ribeira", este como um "instinto de fuga ao labirinto quotidiano,(..) o salto que liberta das contingências da matéria".
Muito há para descobrir neste livro: alegorias, ironias inteligentes, diálogos vibrantes, um humor surpreendentemente delicioso; "O fantasma-menino da calle Rosário", "O mistério da senhora X", e a deliciosa, alucinante narrativa, "O Faraó" com sodomitas, eunucos, Cleópatra, Liz Taylor, e o final feliz do judeu José com o Faraó que, quando o orçamento do Egipto permite, vão para o Carnaval do Rio desfilar com Roberta Close e Cláudia Raia. E mais contos: o diálogo dos peixes vitimas de " Alucinação Crepuscular", "Entrevista com o Pai Natal", "Pouco católico", "As sacanas escrituras", e "Genoveva perde a guerra".
Como diz o autor, este livro é somente Literatura, uma fantasia, "um sonho, um mundo de vastas emoções e pensamentos imperfeitos". Acrescentamos: e de silêncios que vêm dançar em conluio com estes silêncios de cá.
O leitor é "um animal esquivo" e o autor sabe-o bem. Ainda bem para todos nós, cativos deste seu silêncio. Um livro para ler e reler.
Manuel Jorge Marmelo, "O Silêncio de um homem Só", 121 paginas, Ed. Campo das Letras, Porto 2004
09-06-2005 Teresa Sá Couto
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