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TERESA SÁ COUTO
No dia em que faleceu o Poeta Beirão
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Filho da Beira e seu embaixador, a sua poesia ecoa por todo o mundo
Português. Diz ele que a sua poesia é «o historial de uma grande
fidelidade: à terra, à língua, ao calor de alguns encontros
afortunados». Diremos nós sobre ele que foi assim que nos fidelizou:
pela simplicidade solar, pela limpidez e por aquela espécie de música
que envolve a sua poesia.
Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, nasceu em Póvoa da
Atalaia, em 1926. A mãe é, por excelência, a figura central da sua
poesia. A mãe e a terra, o que é dizer exactamente o mesmo.
O Poeta, esclarece-nos: «O Alentejo é a pátria, a pequena pátria, a
pátria "chica" como dizem os espanhóis, porque eu, embora não tenha
nascido no Alentejo, nasci naquela parte da Beira Baixa que
indubitavelmente o prolonga. É de lá que vêm as imagens arquetípicas da
minha poesia, e algumas delas nunca mais se atenuaram. Quero eu dizer:
foi com a terra, o vento, a luz, a água, foi sobretudo com minha mãe,
que aprendi essas palavras transparentes, cheias de brilhos. (...) Falar
da terra ou da mãe é a mesma coisa. Quando digo mãe digo terra, quando
digo terra digo mãe. O corpo, esse, é uma explosão: é nele que se dá o
encontro com o outro, é a descoberta da razão da vida».
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Poeta do Amor e do Erotismo |
Sempre ligado à Terra, esse berço da vida, ventre, habitação dos corpos,
Eugénio é tido, também, como o Poeta do Amor. O elemento mítico do Fogo,
o desejo, a combustão dos corpos, o que ilumina e destrói, surge
conjugado com Terra, harmonicamente: «Devias estar aqui rente aos meus
lábios / para dividir contigo esta amargura / dos meus dias partidos um
a um / - Eu vi a terra limpa no teu rosto, / Só no teu rosto e nunca em
mais nenhum».
O animar dos corpos confunde-se com a Terra e tudo o que a
realiza, numa quente e cúmplice intimidade: «Foi para ti que criei as
rosas. / Foi para ti que lhes dei perfume. / Para ti rasguei ribeiros /
e dei às romãs a cor do lume»; «Húmido de beijos e de lágrimas, / ardor
da terra com sabor a mar, / o teu corpo perdia-se no meu. / (Vontade de
ser barco ou de cantar.)»
A poesia irrompe em harmonia com os outros
dois elementos míticos: ÁGUA e AR.
A água é o princípio seminal fértil, a sede, a
boca, o erotismo, a fecundação, a palavra, a pureza da criação: «Levar-te à boca, / beber a água mais funda do teu ser / se a luz é
tanta, / Como se pode morrer?».
O ar é respiração do corpo, o
desassossego, mas outrossim, a construção da liberdade e da esperança: «Beber-te a sede e partir / eu sou de tão longe»; «Morre / de ter ousado
/ na água amar o fogo», ou ainda, «Deixa a mão / caminhar / perder o
alento / até onde se não respira». |
A palavra certa |
Ser-se fiel à palavra é sê-lo à alma. Assim o é a lírica de Eugénio:
simples, despojada, um hino de palavras concretas e límpidas.
Diz o poeta sobre a sua relação de fidelidade às palavras: «Não se
escreve com emoções; escreve-se com a memória. Como um oleiro, ao
trabalhar um vaso, quando escrevo estou só preocupado em transformar
essa memória em palavras, em musica. "Sentir, sinta quem lê", como dizia
Fernando Pessoa» ; «Quanto a mim, gosto das palavras que sabem a terra,
a água, aos frutos de fogo do Verão, aos barcos no vento; gosto das
palavras lisas como seixos, rugosas como o pão de centeio. Palavras que
cheiram a feno e a poeira, a barro e a limão, a resina e a sol».
Nesta hora em que começa a saudade, guardamos as palavras puras e
rugosas como esse pão, pelas sementes que nos são confiadas, pois elas
são e serão centeio da muitas vidas. |
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Bibliografia: Eugénio de Andrade, As Mãos e os Frutos, Campo das Letras,
1998; Poesia e Prosa, Vol.III. Círculo de Leitores, 1987; Antologia
Breve, Fundação Eugénio de Andrade, 1999 |
13-06-2005 Teresa Sá Couto Ka |
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Teresa Sá Couto.
Licenciada em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa, Professora de Português e Literatura Portuguesa no Ensino Secundário; Editora de Cultura no site www.kaminhos.com |
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