TERESA FERRER PASSOS
GUERRA JUNQUEIRO,
POLÉMICO ONTEM E HOJE

“Para isso combina os vários elementos
Que compõem esta droga: o nome de Maria,
Anjos e querubins, infernos e tormentos,
Bastante estupidez e imensa hipocrisia.”

(G. Junqueiro, A Velhice do Padre Eterno)

No seu périplo pela figura de Guerra Junqueiro, especialmente pelos locais que o seduziram, pela epistolário daqueles com que travou o diálogo da escrita, pela poesia com que arrasou os alicerces da Igreja Católica ou que o redimiu desses excessos difamatórios, Henrique Manuel S. Pereira, oferece-nos agora Guerra Junqueiro - Percursos e Afinidades (Lisboa, Roma Editora, 2005).

Esta obra é formada por um conjunto de textos escritos entre 1996 e 2005. Abordando a topografia literária do autor de Horas de Combate, lembra a questão do semitismo, as relações do autor de A Velhice do Padre Eterno com o Brasil, e a temática espírita das Rimas do Além-Túmulo.

Neste acervo de textos, Henrique Manuel Pereira faz-nos um curioso «Mapa» da estranha amizade com Teixeira de Pascoaes e anotações eloquentes a propósito dos Contos para a Infância e da Tragédia Infantil (publicados em 1877) (p.141).

Finalmente, surge ainda uma referência detalhada ao Fundo Bibliográfico, designado por Junqueiriana, ao inventariar o espólio que divide do seguinte modo: «Obras de Junqueiro» (100 obras entre primeiras e mais edições), «Restantes Obras sobre o Poeta» (293 obras) e «Índice Onomástico».

Olhar dos vários ângulos possíveis e no confronto com os inúmeros pontos de vista, tanto contemporâneos, como posteriores à morte do Poeta, célebre sobretudo pela sua veia sarcástica em relação a Deus e à Igreja Católica, não pôde deixar de ser uma tarefa difícil e controversa.

Mas, como Henrique Manuel Pereira escreve nesta sua publicação, «muitos dos trabalhos sobre o poeta são deformação do homem, outros fotografia desfocada e sem profundidade de campo que nos dê o seu contexto mais próximo, real e cru, sem eufemismos ou enfeudamentos» (p.47). Um exemplo é precisamente «a questão do semitismo de Guerra Junqueiro, (…) objecto de acesas discussões e irónicas caricaturas» (p.48).

Entre o radical António Sardinha para quem «as taras de que enferma a mentalidade israelita, pululam à farta na obra de Guerra Junqueiro» (p.50) e o abade de Baçal que afirma serem «os descendentes de António Madeira e Ana Afonso, ambos de Freixo, (e terem) sangue judaico do lado desta» (p.54), outra pergunta se coloca ao autor de Guerra Junqueiro - Percursos e Afinidades : seria ele «Cigano»? E Henrique Manuel Pereira argumenta com uma passagem de Francisco Fernandes Lopes, datada do ano do Primeiro Centenário do Nascimento do Poeta: «O motivo por que Guerra Junqueiro não era ‘judeu’: – pela simples razão de que era “cigano”» (pp.54-55).

Numa tentativa de ajuizar sobre o imbróglio, o autor recorre ainda ao testemunho do «capitão Barros Bastos, homem que empreendeu o resgate dos judeus em Portugal» e que «afirmava sem reticências a ascendência semita de Junqueiro» (p.57). Segundo Henrique Manuel Pereira, o abade de Baçal, o conceituado historiador de Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, deixou a questão em aberto provavelmente por duas equiparáveis razões: «uma questão de rigor ou mais por prudência» (p.58).

Em Guerra Junqueiro - Percursos e Afinidades , é curiosa a pesquisa às sátiras feitas a Junqueiro, em particular, à obra A Velhice do Padre Eterno, publicada em 1885. Henrique Manuel Pereira começa por relacioná-las com as paródias feitas por autores que nos são hoje pouco ou nada familiares. A maioria dos casos são folhetos de 10 a 15 páginas.

De facto, A Velhice foi a «obra que, mais do que nenhuma outra, contribuiu para fortalecer entre nós a corrente anti-clerical, provocando grande impacto mesmo antes de ser publicada» (p.207). E Junqueiro, bem lúcido da gravidade do conteúdo dos seus versos, não tendo dúvidas sobre a contestação que se lhe seguiria, escreveu numa carta ao amigo Luís de Magalhães: «(…) a Velhice só pode ser posta à venda no dia 20. A razão é simples. No dia 19 vou a Braga e daí para o Porto. Ora, se o livro aparecesse no dia 18, arriscava-me a ir a Braga para a Eternidade com a cabeça partida por algum hissope» (p.207).

Neste ambiente inconformado com as diatribes rancorosas e inclementes com Deus, com Cristo e a Sua Igreja, a Velhice do Padre Eterno, é parodiada pela Folha Nova com a paródia A Velhice da Madre Eterna subscrita por Marraschino & C.ª. A identificação deste «controverso pseudónimo» será feita logo a seguir com mais alguns documentos, terminando Henrique Manuel Pereira com a passagem em que Marraschino & C.ª acaba por fazer uma respeitosa vénia ao Poeta dos Simples: «Marraschino & C.ª, sociedade trocista de gargalhada permanente depõe as pennas galhofeiras aos pés de Junqueiro (…) – o poeta colossal cuja lyra é um Hymalaia de tropos luminosíssimos e aos pés de Bordallo Pinheiro – o implacavel demolidor d’esta sociedade apodrecida e balofa. Ambos elles são uma força e foi à sombra d’esta honrada e gloriosa força que marraschino teve a petulância de flanar um pouco pelos domínios do escândalo alegre e da cebola» (p.213).

Na verdade, a ambiguidade do documento acima citado por Henrique Manuel Pereira, mostra bem como o prestígio literário de Guerra Junqueiro se acabou por sobrepor (e continua a sobrepor) à fé e à discordância de muitos a quem ele feriu os mais fundos sentimentos religiosos.

É sempre difícil não ver alguma desculpabilização para aqueles que, idolatrados pela política ou pela cultura do seu tempo, investem desmedidamente sobre temáticas que, sabem à partida, quanta popularidade lhes vai granjear. E a temática anti-religiosa é mesmo uma das mais promissoras formas de alcançar louvores e glória entre as hostes dos inimigos da Fé.

 

31 de Março de 2006

Teresa Ferrer Passos