TERESA FERRER PASSOS
Ensina-me a ser mãe
O Amor nunca acabará
S. Paulo, I Cor. 13, 8
Na boca das crianças e dos pequeninos colocai a nossa
fortaleza contra os Vossos inimigos

Sl. 8, 3
       “Nada da minha substância escapava quando era formado em silêncio, tecido nas entranhas da vida humana. Vossos olhos contemplaram-me em embrião
Sl.139, 15-16

O amor entre a mãe e o filho começa com a maternidade. «Mater» quer dizer origem, procedência, habitação primeira. É com a mãe, em primeiro lugar, que o embrião humano entra em contacto com a vida, entra em relação com o outro. A vida que possui, começa por se integrar de um modo íntimo na realidade física do ser de acolhimento, do ser que, começará, desde logo, a sentir-se sua mãe.

É a mãe a pessoa que dá, ao nascituro, guarida. O novo ser cresce de modo uniforme ao longo de nove meses. Nove meses de crescimento contínuo, sem saltos, sem paragens, sem fases que separem o desenvolvimento das partes pelas quais é constituído no instante do nascimento.

O nascimento marca o fim da sua primeira grande aventura rumo à existência plena. A mãe é o amparo, a protecção que começa por se traduzir em alimento, para que o ainda embrião humano possa crescer à semelhança dela própria e do pai a quem ela se juntou sexualmente, ou seja, no mais interior de si. Quantas vezes, nenhum deles pensou que daquele calor demasiado aceso surgiria a graça da criação de um novo ser humano.

Na mãe há, desde logo, o sentimento de pertença, de posse, de comunhão com aquela nova vida. A mãe tem a intuição de que aquele pequeníssimo ser é seu. É que ele aparece no mundo através do seu corpo. O seu primeiro sinal dado ao mundo surge precisamente dentro da sua cavidade abdominal, é alimentado pelo seu sangue, respira pelos seus pulmões. Que ligação física maior pode haver do que aquela que existe, desde os primeiros dias de um embrião humano, do que entre a mãe e o filho?

No útero da mulher é lançado, sem que, quer ela quer o homem saibam, um espermatozóide muito veloz, muito forte e o mais saudável em relação a todos os outros milhões que chegam tarde demais e se perdem irremediavelmente. Quer o pai, quer a mãe têm o chamado código genético que transmitem, desde logo, àquele que, por isso, irá ser o seu filho.

Quando a mulher descobre que um embrião a habita, sente que vai ser mãe. Ela sabe que esse embrião, após ter-se desenvolvido na sua cavidade uterina, ao longo de nove meses, será chamado seu filho. Toda a mulher-mãe cria uma profunda ligação ao novo ser porque ele habitou dentro de si própria, como se fossem um só e a mesma pessoa, durante quase um ano. Contudo, mãe e filho(a) são, desde a concepção, duas pessoas distintas. São duas pessoas unidas pela aventura comum da criação, mas com identidades próprias, características físicas únicas, personalidades distintas.

A mãe comparticipa e compartilha um espaço seu com o feto, ou novo ser em formação, esse ser a quem já chama filho(a). Se uma mãe recusa que ele cresça até ao nascimento, se com apenas dois meses e meio de vida em processamento (dez semanas) pretende libertar-se dele, o que faz é aniquilá-lo, destruindo a sua vida para sempre.

Com um acto contra-natura, essa mulher perde o amor-próprio e, em consequência, perde o amor ao seu próprio filho, que não sobreviverá. Alguma coisa não está bem: as relações com o pai da criança, com a sua profissão, com a sua família? As circunstâncias da sua má relação (ou nula relação) com o pai de seu filho, conduzem, muitas vezes, a mulher a levar a efeito o acto abortivo…

As razões são apenas respeitantes à conveniência por factores pessoais ou sociais. Há, portanto, que ensiná-la a ser mãe. Agora e após o nascimento da criança. A protecção ao longo do desenvolvimento do filho(a) antes e após o nascimento terá de ser a de a consciencializar da responsabilidade do seu acto, e de a fazer ver como será uma vitória sobre si própria amar o seu filho, amar, o sentimento mais natural numa mãe. Ali está um filho(a), ali está, portanto, a obra maior da sua vida que a habita, construindo nela o seu próprio corpo, recebendo sinais de uma realidade que ainda desconhece, evoluindo em dois sentidos complementares: o do seu pequeno corpo e o do mundo que passará a defrontar, após romper os laços físicos com a mãe de quem já não exige tanto, pois está pronto a nascer, isto é, a continuar a crescer fora do seio materno.

Há que saber se essa mãe rejeita a ideia de cuidar dele após o nascimento, ou porque o pai não aceita a paternidade, ou porque o seu salário é baixo e um filho(a) exige despesas, ou porque a sua vida não lhe permite a responsabilidade de continuar a ajudar o filho a crescer, num crescimento contínuo que prossegue durante muitos anos, mesmo após o nascimento.

Agora, em Portugal, se no Referendo de 11 de Fevereiro ganhar o Sim à despenalização do aborto até às dez semanas, tal acto abortivo não será penalizado, ou seja, não será considerado pela Lei um crime que aniquilou a vida de alguém que é um ser humano. Como pode conceber-se que uma mãe não seja penalizada pelo aniquilamento do seu próprio filho, aos dois meses e meio de vida? O nascituro é expulso do lugar onde teria condições para se tornar um ser humano perfeito. O Estado, dito de Direito, não defende os direitos do pequeno ser, já humano, mas esse mesmo Estado considera-o para efeitos de herança de bens! Os direitos do mais fraco, do mais desprotegido, apesar de estar no seio de sua mãe, aquela que deveria ser sempre a sua primeira protectora, que deveria ser a sua defensora por excelência e que até poderia ser capaz de dar a sua própria vida pelo seu filho mas, paradoxalmente, toma a decisão de o destruir.

A sociedade cada vez parece mais alheada da importância de se ser mãe. Parece que ser mãe se tornou uma banalidade, um castigo que penaliza a mulher em vez de a tornar a maior artífice da construção do ser humano, uma inevitabilidade biológica ou uma evitabilidade biológica. Parece que a única ligação que durante nove meses há entre a mãe e o filho tem apenas um valor material porque este é um amontoado de células a alimentar-se do oxigénio e do sangue de outro ser a quem se chama, por isso, a mãe biológica. A mãe biológica parece ter substituído a mãe, porque já nem se acredita no amor de mãe.

Hoje, distingue-se entre a que dá a vida e a que dá o afecto, como se não devessem ser uma e uma só mãe. Não basta haver casos excepcionais de mães paranóicas que tratam com ódio os seus filhos, para se concluir que a mãe que dá a vida não é a que naturalmente deve dar o amor. A verdadeira mãe está a ser desacreditada pelas teorias materialistas que tudo relativizam, até o próprio valor da mãe que dá a vida a um novo ser humano. E dentro desta ordem de ideias, defende-se a lei da adopção como mais legítima do que a lei da maternidade e da paternidade que deu a vida. Esta uma das consequências imediatas do abandalhamento da noção de mãe e de pai.

Por outro lado, se a mulher que suspende a vida do filho até às dez semanas não merece punição jurídica, como defender a pena de prisão para aquele que pratica um assassinato, mesmo numa pessoa que desconhece ou que lhe é estranha? Se é justo que este seja punido, porque ninguém tem o direito de tirar a vida a outra pessoa, como se pode admitir que se tenha uma posição diferente em relação à mãe que impede o filho, que está a crescer dentro de si, de continuar vivo e, dentro de seis meses e meio, ser dado à luz do mundo? Será que por ser a mãe biológica o pode fazer na pessoa do seu próprio filho e precisamente quando ele ainda lhe está tão fortemente ligado por laços materiais e de afecto (é idêntico ao que se passa com as fêmeas animais que rejeitam que lhes roubem os filhos), ligado pelo seu próprio corpo?

Como se pode escrever (ou dizer verbalmente) que a penalização jurídica da mãe é uma injustiça e não deve ser aplicada, se ela cometeu um acto ilícito, cortando em determinado momento a vida do seu próprio filho? Tem ela o direito de dispor do seu corpo, ao ponto de atentar contra a vida do filho que nele está instalado para poder crescer até ao nascimento? Como pode a mulher que tem um filho no seu ventre ficar à margem da penalização aplicada aos que matam em nome de interesses exclusivamente individuais, numa sociedade em que vigora o Direito à vida?

Como pode despenalizar-se legalmente a mãe que não respeita a identidade do ser humano em formação e que é precisamente o seu filho e, ao mesmo tempo, o poder judicial continuar a penalizar aquele que comete um crime contra a integridade física de qualquer pessoa estranha? Como pode uma sociedade continuar a ter tribunais e penas diversificadas para cada acto lesivo da vida de outra pessoa, se a mãe que deveria ser a primeira pessoa a defender o seu filho, é precisamente ela que a sociedade quer ver livre de qualquer penalização?

Como se podem despenalizar práticas abortivas que interrompem, suspendem e, por isso, matam o ser humano que se desenvolve no útero materno e que recebe um auxílio tão silencioso, tão discreto que, se não se observasse o volume do ventre materno a aumentar de tamanho, ninguém se aperceberia que ali estava alguém, ainda muito pequenino, ainda sem ter os seus membros completos, mas prestes a saltar para o mundo?

4 de Fevereiro de 2007
Teresa Ferrer Passos