TERESA FERRER PASSOS
UMA PALAVRA SOBRE PLANETA JOYCE 8

Na rede internética ZN4, a mais poderosa do Império do Sol Poente, penetram, de forma misteriosa, objectos inanimados, tais como uma carta, um malmequer, um cometa, um planeta ou uma estrela. Todos querem intervir na vida da Terra junto de alguns dos seus habitantes, especialmente junto de cientistas de algumas importantes redes internéticas, mais ou menos adaptados à perversa sociedade que, afinal, acabaram por ajudar a construir. Assim, Planeta Joyce 8 é um romance-problema submerso em intrincados discursos de personagens inanimadas e mesmo de conceitos abstractos como o tempo (Tempo 01), discursos esses expressos com a recém-conquistada linguagem humana. Cada uma das personagens aborda os males da Globalização Imperial e as suas consequências determinantes para o declínio do pensamento humano a maior fonte de progresso na Terra. Em Planeta Joyce 8 há também um romance de tese, pois se tenta mostrar até que ponto o mau uso de um poder tão espantoso como o pensamento pode levar a grandes males para a própria humanidade. A sátira revela-se em pôr as personagens inanimadas ou as máquinas a usar o pensamento, a discutir com os humanos; e também a satirização está presente nos próprios nomes das personagens que são formados pela conjugação de indicativos gráficos de letras e números, o que é outra forma de simbolizar os excessos dessa sociedade em que tudo tende a ser matematizado, a ser robotizado, enfim, a perder a alma.

A acção do romance Planeta Joyce 8 decorre num tempo futuro, em que talvez já não se saiba dialogar, senão através da realidade virtual, isto é, de um ecrã de computador. Um ecrã computacional dotado de uma rede internética é cada vez mais o cenário em que a vida das pessoas se desenvolve e se move. O ecrã é o espaço em que decorre a acção de Planeta Joyce 8. O diálogo, que tem sido a característica fundamental do texto dramático, é aqui privilegiado, pois a acção do romance decorre entre redes internéticas em que as mensagens entre os humanos criam diálogos inesperados e constantes entre os «habitantes da aldeia internética» o que dá ao romance uma expressão semelhante à cena teatral em que o lugar real é restringido ao mínimo, criando-se uma simulação daquele. O romance entra em transgressão com as técnicas de composição. E também transgride a narrativa que lhe é própria no que respeita a um tempo de longa duração e a espaços diversificados. Há em Planeta Joyce 8 um redimensionamento do espaço. O ecrã é como um espaço mágico que se alarga a grandes espaços simulados. O metaficcional impõe-se através de uma dramatização exorbitante da narrativa. Este romance transforma as longas intervenções das personagens no próprio discurso do narrador. O diálogo é o lugar da própria narrativa. Além disso, o narrador (autor) secundariza a descrição ao ponto de ela se reduzir a poucas linhas em todo o romance. Assim, pretende romper com o estabelecido no romance como género literário com as suas leis clássicas exclusivas. As personagens são sobrevalorizadas porque são elas que organizam as sequências do enredo concentracionista e reduzido ao mínimo de acção, acção que só tem sentido pelo direccionamento tomado no diálogo entre personagens que representam forças antagónicas. Neste romance há um caos organizado pelo espaço dimensionado no virtual e pelo tempo. É na liberdade de organizar o caos, não desprezando outros géneros literários como o dramático (teatral) que se pode inovar para um romance que não sendo clássico, continua a ter a sua autonomia como género porque houve uma assimilação de formas que não renegam o género romance, antes o valorizam na sua própria especificidade. Em Planeta Joyce 8 o tempo da narrativa é curto. A acção, decorrendo no século XXIII, desenvolve-se de acordo com a primazia conferida então ao diálogo virtual da rede ou das redes internéticas desse tempo futuro e não já daquilo que é próprio do princípio do século XXI em que vivemos.

Outro ponto, agora de natureza temática, é a sátira à política de globalização proveniente das vanguardas do Ocidente Norte-Americano e Europeu. Estas estão a penetrar, em sociedades de uma parte do Próximo Oriente, da Índia, da China ou do Japão, mas esquecem os pequenos países em que a pobreza é predominante e em que o atraso civilizacional é flagrantemente injusto… Contudo, coloco a esperança da preservação do pensamento humano nessas sociedades ainda atrasadas, sobretudo por obra de um Ocidente-Oriente em que tudo se constrói sobre os alicerces de um capitalismo exorbitante e fundador da miséria dos países da América Central e do Sul e do grande continente africano.

Por isso, o Planeta Joyce 8 é uma sátira ao império da globalidade (tão em moda), que tudo subjuga e a que nada escapa, desde que o capitalismo aí se instalou. As pessoas obedecem sem espírito crítico, ou seja, sem usar a liberdade de pensar. No Planeta Joyce 8 são alguns cientistas que se revoltaram e se refugiaram nos países pobres, que são capazes de preservar os valores que o pensamento possui como regenerador do mundo em que se inseriam. São eles que conseguem, para o fazer, o apoio dos próprios seres inanimados da natureza como o malmequer, o apoio das máquinas representadas pelo avião e o apoio dos próprios astros como um cometa ou um planeta e, o apoio do próprio conceito abstracto de tempo que não se furta a aderir ao «partido» dos países pobres, mas que ainda são capazes de usar o pensamento para o bem da humanidade.

O avião, o tempo, a estrela, o cometa ou o malmequer, adquiriram a capacidade de pensar, sem saberem como nem porquê. Este alargamento do pensamento sob a forma de uma linguagem, ou seja, do uso da palavra humana, tem em vista ridicularizar a decadência para que tende o pensamento humano no mundo do capitalismo sem alma nem valores.

É um romance que procura, através de um enredo narrativo dramatizado, que o acriticismo seja substituído pelas interrogações sobre o mundo social em que teremos de viver e os nossos descendentes, ainda mais. Um mundo em que a qualidade de pensar se vai diluindo em entretenimentos que ignoram a maior bênção oferecida ao ser humano, a capacidade de pensar, só pode levar à perda dos princípios éticos que criaram um mundo novo, no mundo selvático das criaturas dos tempos primitivos. Em Planeta Joyce 8 , confrontam-se dois mundos humanos antagónicos, mas o mais forte, o designado por Império do Sol Poente consegue subjugar o outro, o dos pequenos ou medianos países pobres ou do Terceiro Mundo revoltado contra a pobreza nos seus países e contra a exploração dos poderosos que os dominam pelas mega-indústrias da guerra, da droga e do sexo que inclui como maiores vítimas as crianças e os adolescentes.

Entre as imagens virtuais e os sons audíveis, façamos ouvir a voz humana na sua linguagem edificada no pensamento, mesmo nesta Internet de tanta irresponsabilidade globalizada.

 

24 de Maio de 2007

Teresa Ferrer Passos