Surge Virita desgrenhada, em robe de chambre e em chinelos, experimentando chapéus diante de um espelho
Nenhum sapato me serve. Trago os pés tão inchados. Logo hoje, que tenho de sair. Não me lembro onde, mas disseram-me que está lá em baixo um cavalo à espera. Deve ser cavalo e carruagem, não pode ser só cavalo.
(vai à janela e vê um cavalo em baixo)
Virita
Já vou descer.
(Vai junto de um berço de brinquedo e tira uma boneca muito enfeitada, com um vestido cheio de rendas e folhos)
Vou levar-te comigo, Rita. Vem pôr o chapéu.
E onde está o teu caderninho?
(Abre a carteira da boneca e tira um caderninho minúsculo, que folheia)
(lê) Quelle heure est-il? Il est cinq heures dix. Il est six heures. Le train partira à huit heures et demie. Quel temps fait-il? Il fait beau à présent.
Vieste de França, como todos os bébés. O teu papá era francês. Chamava-se Filipe. Fi-li-pe.
(Um relógio bate horas).
Virita, penteando a boneca
Quando vieste de França, eu chamava-te Nicole. Mas depois mudei-te o nome para Rita. Rita é um pedaço de Virita. Um pedaço de mim.
(som de passos de cavalo no pátio)
(Virita senta-se ao espelho, com a boneca ao colo. Põe pó na cara, perfuma os pulsos e põe na cabeça um chapéu de palha de arroz. Canta para a boneca uma canção infantil.
A luz torna-se mais frouxa e começam a cair do tecto camadas de pó, como se se tivessem acumulado durante um século. (As camadas de pó podem ser “confetti” de Carnaval).
Em silhueta passa ao fundo do palco ou dentro de um espelho o perfil de Virita e de Rita, montadas num cavalo, andando até sairem do palco).
(som do vento)
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