(Entra Preciosa, a lavadeira, e depois outras lavadeiras, com trouxas de roupa que vão desembrulhando e lavando como se estivessem na margem de um rio. Os lençois desdobrados cobrem todo o palco e ondulam,como se fossem o mar.
No decorrer da cena esquecem a roupa e representam elas mesmas como se fossem bruxas, rodando em volta de Carlota.
Carlota fica como hipnotizada, caminha sobre os lençois desdobrados como se atravessasse o mar par ir ao encontro de Gaudencio. Durante toda a cena, pelas suas atitudes, percebe-se que se identifica com as historias que as lavadeiras contam, sobretudo com a historia da bruxa que amava o homem que estava na Costa de Marfim)
Preciosa, lavadeira
Ai menina, que estas coisas nem eram para serem ouvidas, mas é para a menina saber como as bruxas são negras, más e sujas, porque se untam com azeite nas partes escusas do corpo e se põem nuas à janela. E depois saem voando com os demónios, e no campo onde descem os demónios possuem-nas por diante e por detrás e dão-lhes mais prazer do que nenhum homem pode dar às mulheres. Porque os demónios têm as suas naturas muito fortes e compridas, como nenhum homem tem.
2ª lavadeira
Pois saiba a menina que a Venância é bruxa, e a Silvina, e a Mabília.
E a Vicência tem em casa um sapo vestido, que anda com ela, a modos que como um anjo da guarda ao contrário, porque foi o diabo que lho deu. E ela veste-o e calça-o e para comer prepara-lhe do bom e do melhor e dá-lhe os peitos, como a um amante ou um filho.
3ª lavadeira
E à noite o sapo sai com ela e leva-a pelos ares e por via dele ela ganha muitos poderes e pode até atravessar o mar.
Carlota (como hipnotizada ou sonâmbula)
Atravessar o mar.
2ª lavadeira
E houve uma bruxa que se tomou de amores por um homem que foi para longe e a deixou e ela andava tão esquecida de si que parecia morta.
As companheiras todas as noites saíam a chamá-la, e o demónio ia também à frente como um vento abrindo portas e janelas e nas casas onde entravam o diabo deitava uns pós e todos ficavam a dormir e não acordavam.
E então elas amavam os homens que escolhiam e eles gemiam de prazer dormindo e voltavam-se nas camas, julgando que eram sonhos.
1ª lavadeira
E as bruxas voavam e iam pelos ares e num instante estavam no Brasil ou em África.
E a que se finava pelo homem que a deixou saiu voando para ir ter com ele, mas logo encalhou numa árvore e não pôde sair de lá, porque era tão grande o peso da tristeza que trazia que não podia voar.
3ª lavadeira
Então as outras bruxas foram pelos ares em figura de corvos e buscaram o homem e acharam-no dormindo na Costa do Marfim. Meteram-no num barco e trouxeram-no, cada uma puxando do seu lado com o bico, e trouxeram-no à companheira.
E ela o amou três dias e três noites sem que ele acordasse. E na terceira madrugada as outras o levaram de novo pelos ares e deitaram-no na sua cama, que ficava na Costa do Marfim.
Carlota (como hipnotizada ou sonâmbula)
Na Costa do Marfim.
(Suspira. Levanta-se e sai, debaixo da sombrinha que entretanto abriu.
As lavadeiras amarram as trouxas e saem.) |