O Natal, para mim, já foi branco.
Saíamos dos carros apressados para entrar no conforto da igreja. Botas
entrando na neve, e senhoras que, logo adiante, seguravam nos braços fortes
dos jovens, com medo de cair ou de escorregar. Eu, prevenida, segurando no
braço de meu marido.
Os sinos... ah! os sinos... Apressados, diziam que tínhamos que vencer o
trajeto em minutos.
Meu filhote dizia:
- Vamos rápido! tia Elly vai tocar desde o início da missa.
Ele parecia não sentir frio e ter todos os seguros contra escorregões e quedas
na neve. Era o grande fã da tia, e iria escolher ser baixista na banda de rock
que anos depois criaria na garagem lá de casa.
Minha cunhada, nervosa, afinava o contra-baixo como se não tivesse feito tudo
isso no fim da tarde. Seu marido, inquieto, transpirava e procurava a
cumplicidade de meu marido para comentar, sussurrando, o quanto Elly era
talentosa, uma das grandes figuras da orquestra, afinal... Meu marido sorria,
contente mais pela irmã ter um marido apaixonado, do que pelos dotes de
musicista que ela demonstrava.
O velho parecia remoçar nessa noite. Depois da missa, tinha agilidade de
atleta para cortar o rosbife e era jovial ao abrir o vinho - Baco presidia a
cerimônia, tantos eram os ditos e brincadeiras que dizia na luta contra a
rolha teimosa, que sublinhava seus 90 e tantos anos.
E lá estávamos à mesa. Minha sogra, perfeita anfitriã, preocupava-se com que
filhos, noras, genro e netos estivessem bem servidos. O velho, entre charmoso
e sedutor, cortejava as noras, distinguindo-me com alguma preocupação para que
experimentasse mais um pouco do molho ou opinasse acerca do vinho, sem se
esquecer de comentar que o novo namorado de uma das netas era rapaz
inteligente e que prometia bom desempenho na cama, ao que todos respondiam com
gracejos contra a moça e com muitas gargalhadas.
Natal, sem trocas de presentes na Holanda, pois o dia de São Nicolau acontece
bem antes.
O mais incrível é que, por mais farta que fosse a ceia, as crianças (netos e
netas) continuavam ávidos pelos doces, chocolates e biscoitos escolhidos pela
Oma.
O café era de minha responsabilidade. Brasileira é que entende de café,
afinal... E meu licor sempre esteve me esperando, pois o Vader fazia questão
de me surpreender com o mimo e ia buscar na velha cristaleira, de linhas
inesquecíveis para mim, a taça mais apropriada para a degustação. Minha glória
na madrugada da redenção...
E, lá fora, a noite linda e fria.