O processo evidenciado em todo o poema resulta da incompatibilidade entre vivência coletiva e consciência individual, e seus valores respectivos, como atitudes existenciais que coexistem, mas que se excluem; o que pode ser assim demonstrado:
COLETIVO
"Vem por aqui"
"alguns" / "ninguém" / 'Vós"
"dizem-..."
"olhos doces"
"Estendendo-... os braços"
"Seguros/ De que seria bom que (...) os ouvisse"
"nenhum de vós responde"
"repetis: 'vem por aqui?' "
"sangue velho dos avós"
"amais o que é fácil!"
"tendes estradas, jardins, canteiros, pátrias, tectos, regras, tratados, filósofos, sábios"
"pai", "mãe"
INDIVIDUAL
"me"/ "eu"
"olhos lassos"
"ironias", "cansaços"
"cruzo os braços"
"nunca vou por ali"
"Criar desumanidade"
"Não acompanhar ninguém"'
"Vivo com o mesmo sem-vontade /Com que rasguei o ventre a minha Mãe"
"Não, não vou por aí!"
"Me levam meus próprios passos"
"busco saber"
"Prefiro escorregamos becos lamacentos, / Redemoinhar aos ventos, / Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, / A ir por aí..."'
"Se vim ao mundo, foi / Só para desflorar florestas virgens, / E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!"
"meus obstáculos"
"Eu amo o Longe e a Miragem,"
"Amo os abismos, as torrentes, os desertos..."
"Eu tenho a minha Loucura!"
"como um facho"
"noite escura"
"sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios..."
"Deus e o Diabo é que me guiam"
"nunca principio nem acabo"
"Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo"
"A minha vida é um vendaval que se soltou,"
"uma onda que se alevantou"
"um átomo a mais que se animou"
"Não sei por onde vou"
"Não sei para onde vou"
" - Sei que não vou por aí!"
As duas colunas mostram as referências que o texto faz aos aspectos coletivo e individual, verificando-se que, na oposição estabelecida, o "eu" merece ênfase não só pela insistência de sua afirmação mas até mesmo pelo número de vezes em que sua idéia aparece no poema, impregnando-o de individualismo.
A leitura esquemática permite que verifiquemos o desenvolvimento do poema dentro da dualidade outros vs "eu", e valores existenciais respectivos, e, abstraindo das referências textuais, assim podemos ver:
O OUTRO ("eu")
Aceitação da norma
Coletividade
Acomodação / Tradição
Razão / Regras
Segurança (o conhecido)
Persuasão
Realidade
O "EU"
Não aceitação da norma
Individualidade
Busca / Renovação (futuro)
Instintos
Risco (o desconhecido)
Crítica / Ironia
Subjetividade
Retomando a última estrofe do poema, vemos que a definição de vida como "onda", como "átomo", possui na ambigüidade de sua significação não só o sentido de unidade, mas também o de parte de um todo. Ora, desta forma, o sujeito do poema deixa-se trair na sua definição de indivíduo, pois termina por admitir-se parte de um todo, aqui entendido como coletividade; a parte guarda características do todo a que pertence e do qual é destacada, assim é que os elementos contidos em "onda" estão contidos em "mar", e a estrutura do "átomo" conserva a estrutura do "universo". Portanto, a dualidade que o sujeito pretende expressar como uma oposição em dois planos (o do "eu" e os dos outros) fica reduzida ao plano da sua própria natureza (o "eu" e os outros = "eu") onde os valores e tendências conflitantes coexistem. Coube-lhe a perspectiva da opção e esta foi alcançada no conflito de tendências contrárias, resultando na eleição de um tipo de inclinação na proposição do programa existencial pretendido, de caráter nitidamente individualista.
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