Sim, é verdade que eu trabalhei no circo, já fui
mulher barbada sem nunca ter sido mulher, já me vesti de urso, já
derrubei touros capados, mas nunca fui mágico. Acontece que eu estava
foragido. Tinha coronel, polícia e Lampião no meu rasto e fui me
esconder naquela pobre cidadezinha nos fundos de pra-lá-dos-montes. Eu
usava um chapéu de mágico, roubado, e o povinho me confundiu de sujeito
ordinário. Me receberam bem pra danar. Fizeram banquete e tudo. Mataram
cabra. E me deram a última donzela virgem daquelas bandas. Juracema. Eu
aproveitei. Lambi os beiços. E como gostei da menina, não contei pro
povo que de donzela ela já passava longe.
No dia seguinte, veio a conta. Como fui tolo, pensei.
Metido em outra enrascada. Os pra-lá-dos-montinenses estavam cansados de
tanta seca naquelas terras. E cansados também estavam da chuvarada que
quando vinha não vinha só, mas vinha enchente. Era tarde pra dizer que
eu não era mágico e me lembrei do macaco do circo. Eu já tinha
hipnotizado pedra, já tinha hipnotizado tigre, não seria difícil
hipnotizar aquela gente. Acabou seca, acabou enchente. Quer dizer, o
povo todo não viu mais seca nem enchente. Alguns morreram comendo terra
e outros morreram afogados na última estação. E quando o efeito do
transe passou eu me chispei daquele lugar e trouxe comigo a donzela que
não era donzela.
Hoje, velho, me recordo daqueles dias, e da
fatalidade de ter conhecido Juracema, que fugiu de mim na cidade
seguinte com o mágico de um circo que por lá acampava.
Do livro Rapsódias – Primeiras histórias breves
(Ed. Multifoco, 2009) |
Rodrigo Novaes de Almeida
(Brasil, Rio de Janeiro, RJ-1976). Escritor e jornalista. Publicou, pela
Multifoco Editora, o livro de contos “Rapsódias – Primeiras Histórias
Breves” (2009), pela Mojo Books, a ficção “A saga de Lucifere”, e
participou das antologias Portal Stalker, Portal Fundação e Portal 2001
(org. Nelson de Oliveira). Colunista do
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