Helena entra na Sé à procura do habitual presépio, não o monumental de Machado de Castro, mas o sazonal, apenas desta época, que não encontra. O que não significa que não esteja lá. Apenas que não encontra. Perceberá depois porquê. Acompanha então o olhar do ar e que vê? Óleo sobre madeira, sim, mas muito mais que isso. A cabeça erguida, o olhar agudo tenta desvendar o que lhe parece, pelo preconceito, a figura bíblica de Madalena. Mas não é, diz-lhe o ar. Olha então com mais atenção e vê a explosão nuclear. No centro, Maria rodeada por uma série de homens em estado de choque, ou em pânico. Maria, do meio do cenário, irradia um poder que uma atenção maior ao seu olhar permite compreender: o êxtase, o acolhimento da milagrosa visitação. Maria é penetrada pelo espírito, o que se afigura profundamente assustador aos homens que a rodeiam e cujos corpos são como que impelidos por um vendaval que os abala, que os derruba, que lhes abana os alicerces, que os amedronta. E afinal estão apenas na presença do mais puro amor, o que acolhe e se transforma. E transforma. Dois mil e tal anos depois do nascimento que se seguiu a esta divina explosão que todos os dias continua a acontecer em cada célula do corpo do mundo perante o nosso olhar míope, ainda não resolvemos esta questão. Por isso, todos os anos, continua a ser Natal lá fora, no chão de todas as Sés. Com criança, palhas, vaca, burro, pai e mãe. Mas se elevarmos os olhos veremos o milagre, a explosão do átomo.
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