Para além de uma natureza física e alquímica, o ar tem ainda uma dimensão psicológica, estando relacionado com uma das funções psíquicas estabelecidas por Yung: o pensamento, sendo as outras a sensação, a intuição e o sentimento. Claro que o pensamento não pode estar retirado de nenhuma delas, que lhe dão saúde e o enriquecem, mas feliz é o ser que tem em si, em equilíbrio, todas as funções. Venha Diógenes com a lanterna para o encontrar... talvez encontre, mas não serão muitos. Na árvore da Kaballah o ar é Yetsirah, ou a formação, e corresponde à cor azul, relacionada com o espírito, o que faz todo o sentido. O elemento ar é, assim, inalienável do conceito de origem e de construção. O ar do pensamento, o sopro, o espírito, a respiração, juntamente com a terra da sensação, a matéria, os sentidos e o corpo, formam uma correspondência em que físico e espírito, feitos da mesma substância em diferentes níveis vibratórios, podem influenciar-se mutuamente e passarem a ser um.
O pensamento criador é aquele que projectando-se na matéria a influencia e pode criar uma nova realidade. O contrário também é possível, sendo a acção a influenciar o pensamento, por isso há que iluminar, com uma consciência clara, quer um, quer outro.
É pela espiritualização, isto é (esclareçamos o conceito, por causa das confusões, porque tem sido muito mal usado): pelo correcto conhecimento e uso do elemento ar, que humanizamos as funções primitivas. Assume várias formas, como sopro ou vento e é inseparável da liberdade. Desgovernado, pode causar muitíssimos estragos. Mas ser leve como o ar, é uma forma de clareza e de responsabilidade pessoal. Aquele que é leve não pesa sobre os outros, não os culpa, não os condiciona, não os prende. É leve e deseja para si o mesmo para os outros: “souplesse” e elegância. É leve mas não é valdevinos. É leve mas é fiável, porque é um pensamento projectado do arquétipo estruturado do primeiro sopro. O ar doce e refrescante de uma Primavera de esperança é um pensamento que ilumina o mundo. Ou o protege. O ar é o elemento do Evangelho de João, porque é o elemento da águia, com a sua visão aguda e crítica, sem mancha, capaz de olhar o sol de frente. Traz a luz à consciência da terra. É pelo ar que o conceito de seres criadores se materializa em nós, quando o ar do pensamento, voando, à imitação águia por cima das nuvens, traz a luz à terra pelo canal das consciências.
Associado ao vento e ao sopro, este elemento, umas vezes vendaval outras brisa, representa o mundo subtil intermediário entre o céu e a terra. Esse sopro vital, ou sopro cósmico, a respiração primeira, identifica-se com o verbo, porque é o símbolo sensível da vida invisível, um purificador. E é também um meio de propagação da luz, do voo, do perfume, da cor, das vibrações e do rosto mais subtil, escondido ou tímido, do amor.
Em certas iniciações, o elemento ar é apresentado ao neófito virado para oriente, o lugar da geometria e do olhar do sol. Isso acontece-nos também quando, após muito viajarmos pelos opressivos ruídos do mundo podemos repousar em sons menos violentos. Tal como nós, no mundo chamado profano, o neófito ainda é presa do desejo, mas de formas mais subtis; no entanto tem ainda muito trabalho sobre a avidez e a aprendizagem do despojamento, da ausência de expectativa, a fim de poder finalmente entrar a região do silêncio onde apenas a música do ar, ou das esferas, ou a respiração do Mundo, se ouve.
Neste silêncio, ele aprende a respirar, expulsa o ar cansado e as emoções inúteis. Trabalha o pulmão, esse venerável mestre do sopro. Regula o vai e vem incessante e assim desenha, com esse imenso fole, a imagem da pomba que sai do coração do Pai e de todo o Universo.
Olhemos agora a árvore deste fruto, a árvore que o pulmão também é, uma árvore invertida apresentando a copa para baixo, como a árvore da vida, e como isto é verdade!, lê-se em hebraico “Roé” e representa o verbo ver. Que poderá ler-se como: “A luz no sopro”. Porque ele, esse arquitecto de que vimos falando é também o verbo, e é luz, e um não existe sem o outro como o silêncio não existe sem o som. Não há palavra, se não houver quem a escute. Por isso existimos. E daí, a importância do silêncio para todos os aprendizes que nós somos. Não seria insensato que todos os que se considerem mestres e sabedores tivessem periodicamente uma espécie de sabbath de silêncio dentro de si...
Na imagem do três, aquela onde é possível encontrar o verbo ou a expressão do sopro, pode a humanidade respirar do Um ao múltiplo e do múltiplo ao Um. É um facto incontestável que o ar que eu respiro já passou biliões de vezes pelo pulmão das plantas, dos animais, de toda a humanidade, dos santos aos criminosos (que nem sempre são, ou raramente são aqueles que o parecem), e que estes serviram de Athanor para que esse ar pudesse voltar a ser respirado por mim e assim me manter viva. Necessitamos nós de maior prova de amor dos seres que existem?
A criação é a respiração do mundo, o sabbath é a apneia, a suspensão, não da respiração, porque ela é a vida, mas do ruído, o necessário repouso, “do trabalho ao recreio...”, como se diz em certos rituais, segundo tenho ouvido, e depois, em nova respiração a criação se cumpre. Muitos biliões de vezes em cada minuto.
Saber deixar fluir o ar é aprender a conhecer-se, é saber dirigir as funções, a mente e também o corpo, quero dizer, a alma, quero dizer, o mundo.
Saber abrir o coração e os pulmões à abundância do ar que existe no mundo, sem restringir, sem julgar, sem seleccionar, sem escolher, sem eliminar, sem partir, sem partidarizar, sem estigmatizar, sem etiquetar, sem engavetar, sem mentir, sem temer, sem tremer, é rendermo-nos incondicionalmente à riqueza e ao amor e à leveza que existem no mundo. |