RAMIRO TEIXEIRA

RAMIRO TEIXEIRA. Nasceu em 1938 em Marvila, Santarém. Fixou residência na cidade do Porto, tendo exercido funções de directoria no Banco Borges & Irmão, actualmente integrado no Banco Português de Investimento. Tem-se notabilizado como crítico literário e ensaísta, colaborando em vários jornais e revistas, de que se destacam o Jornal de Notícias e o Jornal de Letras. Com vasta obra ensaística quase toda focando a literatura portuguesa, foi autor, ultimamente, de biografias de Ilse Losa e Luísa Dacosta.

Sobre Turbulência na Academia do Amor, romance de Júlio Conrado

UMA ACADEMIA E SEUS CORIFEUS…

Júlio Conrado é um escritor que se divide em dois: de um lado temos o crítico literário que no tempo em que tal estatuto tinha assento nos jornais e revistas do país, era, sem favor, por demais considerado, autor dos volumes Olhar a Escrita (1986), Ao sabor da escrita (2001) e Nos Enredos da Crítica (2006); e do outro, o ficcionista, autor inesquecível do livro Era a Revolução (1977), dos não menos inesquecíveis contos  de Gente do Metro (1989), e d’As Pessoas de minha casa (1985), Desaparecido no Salon du Livre (2001), Estação Ardente (2007), Prémio Vergílio Ferreira, etc.

Para não falar em poesia, onde também possui assento, há ainda uma terceira entidade em Júlio Conrado caracterizada pela tentação de se divertir e de gozar com a malta. Nesta vertente, mercê do seu currículo literário, pouco lhe importa se o que às vezes escreve ficará para o futuro, importando, sim, que se divirta com o que produziu, esperando divertir também os leitores.

Em tais escritos a paródia e o ridículo são uma constante, caso por exemplo de O Corno de Oiro (2009), narrando-nos histórias parodiantes e burlescas que, com exagero ou sem ele, constituem a marca deste nosso tempo, nomeadamente sobre a ascensão de chicos e chicas espertos, a coberto de toda a sorte de habilidades e debilidades do sistema, cabendo num tipo de literatura que diverte, ainda que sem abdicar dos seus elementos fundamentais, pois que, atrás destas sátiras burlescas, sobrevivem coisas sérias a ter em conta.

Num país dividido entre escritores bem comportados ou a passar por isso, e outros mais à procura de protagonismo, com exibições das suas pessoas em tudo quanto é sítio e em poses de olhos em bico e os pés em leque, Júlio Conrado assume uma postura aparentemente similar, mas que tem por objectivo demonstrar pelo contraditório o ridículo das suas existências.

Como seu quê de realismo surrealista, esta história ao redor duma academia, que só podia ser de letras, é fac-simile de outras academias, fundações, pretensas instituições literárias e de intelectuais, senão mesmo de partidos políticos, e tem por motivo a decoração dos seus dirigentes.

Entre tantas variantes, para uma especial, de letras, me transporta esta narrativa, que conheceu forte turbulência há uns anos atrás, mercê da disputa que então se travou entre leões velhos, enquistados no poder, e leões novos apostados em substiuí-los.

A que agora o autor nos apresenta, ao redor duma academia, que tem por sigla APON (Academia Publius Ovidio Naso), fundada nos republicanos anos 20, e em rigor condiciona a sua acção aos registos românticos afins à técnica do engate amoroso, razão pela qual os maldizentes a apelidassem de AAAA (Academia dos Amantes do Amor à Antiga), pois na contemporaneidade de há muito que as técnicas e descrições sobre o engate amoroso nada possuem de romantismo, confinando-se ao fundamental, isto é, ao tiro e queda…

De todo o modo, uma academia sempre era uma academia, assim pensava o ensaísta Berto Aguiar, ao ser convidado para nela se integrar, autor de um ensaio sobre o Romantismo, A Queda, publicitado em termos exaltadamente elogiosos na credenciada revista londrina The Romantism Now. Além de que a APON possuía serviços de consultadoria matrimonial, planeamento familiar, arranjo de encontros, gabinetes jurídicos e de psicologia vocacionados para impedir separações, divórcios, e promover reconciliações, a par de outros porventura mais avançados, impostos pela razão dos tempos, sobre o uso de cremes afrodisíacos, utensílios eróticos, etc.

O êxito de Berto Aguiar no estrangeiro chamou a atenção caseira e vai daí a direcção da APON, a braços com o falecimento de uns quantos sócios de idade avançada, entendeu matar três coelhos de um só golpe de cajado: colmatar parte das perdas dos associados; integrar na academia um escritor prestigiado na estranja, avanço significativo em relação a outros convites institucionais que porventura viessem a ocorrer; e por acto de compensação, de estratégia subtil, garantir o voto do convidado com a promessa de passagem rápida de sócio correspondente a sócio “de Número”.

O cardápio dos interesses que moviam a academia e as suas facções é mensurado desde logo por Plínio Mendes, dito psicólogo e fiel apoiante do tio secretário-geral (que conspirava contra o presidente), para justificar o convite a Berto Aguiar na condição de sócio correspondente para já. Porque tão logo fossem alterados os estatutos, que ninguém conhecia e se lembrava, agora reivindicados pela oposição, passaria a académico de número e a ocupar um posto chave na direcção.

O que Plínio Mendes não sabia, como aliás os elementos directivos em geral, com excepção do tesoureiro e do presidente, é que a academia caminhava a passos largos para a falência. Segundo este, as contas são fáceis de compreender. Desde remotos tempos beneficia a Casa da subvenção estatal que lhe tem permitido desenvolver os seus programas repousando numa confortável almofada financeira […] Avenças, consultadorias, assessorias, tudo acaba. Em nome do emagrecimento da despesa do Estado, apertado pelas agências de rating […] A Europa diz que já deu o que tinha a dar e que para países calões, como o nosso, não dispõe de mais bagulho […] Se os reguilas (a oposição) ganharem a eleição nem fazem a mais pequena ideia do que os espera. E conclui: Dentro de seis meses, caso o clima depressivo persista e nada tenha sido entretanto alterado, admito que a Academia se veja obrigada a correr as persianas.

Este, digamos, é o panorama sobre a continuidade da existência da academia, mas que fica subalternizado pela necessidade da direcção actual vencer a eleição, pelo que dar conhecimento da situação financeira seria catastrófico e mais ainda anunciar as medidas necessárias, despedimentos e encerramento de muitas actividades, etc. Depois se trataria disso.

Em tal galeria de interesses e de ódios mal disfarçados, de leões novos e velhos ao ataque por uma sobra de protagonismo, posicionavam-se já não poucos trânsfugas, enfim, negociatas sobre os postos a ocupar, cabendo um deles, por promessa, a Berto Aguiar, banal professor do Secundário, mas já classificado como notável, mercê do êxito estrondoso do seu ensaio proclamado pela revista londrina…– que tem uma outra história pendurada, por acaso ou não, com início num urinol em Londres, e que revela a alta distinção atribuída à Queda resultante duma vingançazinha em desfavor do presidente da academia.

Tal como um cabaz de cerejas, de onde dificilmente se tira uma sem muitas outras virem agarradas, assim é este romance, que possui um outro à mistura, ao qual não falta uma crítica hermenêutica ao neófito autor do mesmo, que fica sem saber sobre o que escreveu, a par de histórias de amor serôdio e juvenis e do mais que acontece em prolixa imaginação, ao ponto de Berto Aguiar se vir a confundir com o próprio Autor na cerimónia do lançamento deste livro.

O melhor é lê-lo.

E compará-lo com a governação deste país.

 

Ramiro Teixeira

 

TURBULÊNCIA NA ACADEMIA DO AMOR
JÚLIO CONRADO
Âncora Editora, Lisboa, 2015