NICOLAU SAIÃO: RUÍNAS / As quatro estações / Texto inicial
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14-05-2007

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NICOLAU SAIÃO:
Ruínas
ao Margarido Neves, in memoriam

Vinte e quatro ruínas. Uma ruína para cada hora do dia e da noite.

Ruínas que do tempo vieram, que de tempo se fizeram. Coisas, lembranças, lugares e pessoas que o tempo desfez. E que agora se reerguem por um momento na memória de quem as viveu. Nos olhos de quem as pode viver ou contemplar ainda que exista a vida breve, tempus fugit, que afinal dura os minutos de um dia, de um mês, de um ano. De muitos anos. Também das existências que se não tiveram, pois que viver é escolher um caminho entre vários caminhos, apenas aflorados, apenas pressentidos como um eco longínquo. Como num sonho encenado, possível mas ao qual não se deu figura.

A vida ardente está aí. Entontecedora, repleta de sonhos e quimeras, de pequenas luzes interiores como o súbito brilho do sol nas folhas de uma árvore desaparecida.

Ruínas nos sítios habitados “onde tudo canta gravado pelos séculos”. Ruínas que “multiplicam os seus fulgores conforme as horas”. Recordações entre os muros e entre os mundos de baixo e de cima, como na infinita sabedoria e na infinita humildade dos que não viveram em vão. Ruínas que não são de cidades perdidas, de impérios destroçados, de cadáveres desmembrados e de rostos convulsos, mas de pequenos detalhes que a nostalgia e o encantamento dos momentos idos possibilitou existir num continente improvável.

Aquelas matérias que ascendem na vida natural de quem sabe ou de quem pode rememorar, metáforas e imagens de quartos e de escadarias, de ruas que jamais regressarão e contudo são as mesmas, de ideias esquecidas entre o pequeno mundo do que se pensa num relance e se vai para sempre, sem remorso nem contentamento, mas marcadas e coloridas pelo horizonte de muito do que se foi vendo existir.

Fins de Abril de 2007

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