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Um cd instrumental: "Sempre PIXINGUINHA 100 anos". Com Chiquinho, Joel Nascimento, Henrique Cazes, Odette Ernest Dias, Paulo Sérgio Santos e João Carlos Assis Brasil. Lançamento da "Kuarup Discos". São treze composições, das quais destaco apenas duas: "Rosa"(faixa 5) e "Carinhoso" ( faixa 3).
Para além da fama e importância das músicas, e inconfessáveis motivos outros, essas duas jóias foram escolhidas por nos propiciarem, nas versões deste disco, um dos mais nobres contrastes entre o singular e o impessoal, o individual e o coletivo; esses conceitos velhacos. Vamos a um pouquinho do que ouvi.
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MÁRIO MONTAUT
PIXINGUINHA |
ROSA ( FAIXA 5) |
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Na majestosa introdução ao piano de João Carlos Assis Brasil, "Rosa" é
apaixonadamente aclamada. E vem! Chega junto com a clarineta de Paulo Sérgio
Santos no duo, que tece ardente louvor à "Rosa". "Nada como ser rosa na
vida, rosa mesmo, ou mesmo rosa mulher", cantou Caymmi. "E também rosa
canção", complementa a dupla de instrumentistas. Em Pixinguinha nasceu esta
rara expressão do amor quase impossível, que João Carlos e Paulo Sérgio
tratam com fidelidade extremada, talvez a máxima fidelidade concebível a
dois homens músicos.
O terrível desta história é que em meio a tão sincera,
cristalina e generosa paixão musical, Rosa se apossa da música e converte o
louvor em maravilhas d'alma. Perverte a música em confidências de uma
Mulher: da Mulher Carmem, Aurora, Maria, Julieta, Amélia, Joana D'Arc,
Cleópatra, Jocasta, Helena. A inocência masculina: sempre levando o homem a
se perder! Que Dante ou Shakespeare tivessem tais desatinos, vá lá. A
palavra dificulta a perdição total do ser na Mulher. Mas...A Música!!! Os
músicos, esses desavisados, acabam sempre provocando as Reais Tragédias.
Ouçam, por exemplo, este complô de ingênuos: Pixinguinha, João Carlos Assis
Brasil e Paulo Sérgio Santos. O trio conseguiu a proeza de deixar Rosa
falar, melhor, cantar, pior, cantar sem palavras a história mais essencial,
mais íntima, da Mulher no tempo.
Tivessem sido menos puros, e poderíamos,
quiçá, ouvir a genialidade inconteste da composição. Mas quem diante de Rosa
Impessoal, Atemporal, ouve deveras música? Em nome de "Rosa" ouvi e reouvi a
gravação ad infinitum, e com todo o rigor imaginável, tentei seguir a
música, abarcando tempos e espaços tantos que fiquei extenuado, perplexo,
e...desta tremenda aventura, uma conclusão tirei: Quando Rosa Mulher
triunfa, ouve-se muito, muito além da...música.
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CARINHOSO (faixa 3) |
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Agora João Carlos Assis Brasil senta-se ao piano sozinho. E quem sabe
por isso, por essa dádiva da suprema individualidade, foi carinhosamente
perverso. Em nenhum momento se entregou a amores, lembranças, e até mesmo as
próprias musas subjugou. Com aquela virilidade que já fez muita música na
história, soube domar o fluxo de seus sentimentos, a ponto de transformá-los
em música-música de fato - será que ela existe?
As primeiras audições
parecem corroborar outra verdade. Temos a impressão de que a personalidade
do intérprete destrói a essência de "Carinhoso". Ouvindo mais, e melhor,
notamos que apesar de cruel, implacável, perverso, o músico não abandona o
carinho, e senhor de suas paixões, ( que façanha!) João Carlos nos contempla
com uma das versões mais idiossincráticas da obra, onde a música salta,
reflete, ecoa, oculta-se e transborda por infinitos desdobramentos. E nos
exageros polifônicos, contrapontísticos, colhe-se mais música e emoções do
que algum dia Pixinguinha sonhou existir em sua canção. Que Prodígios do
Paradoxo! Imagino Pixinguinha afetado por um orgulho incabível no semblante
do risonho anjo negro da capa do álbum (de gravata, chapéu e terno branco).
Um Pixinguinha despótico, arrogante, e sobretudo, consciente de suas
riquezas, utilizando-as em excessos autorais de exasperar todos os devas da
música. Este Pixinguinha teria composto o "Carinhoso" deste cd. Não seria o
"Carinhoso" que a gente ama. No entanto, o que me intriga é a possibilidade
de uma composição da natureza aqui tocada, imposta. A ternura em convívio
com a ampla suntuosidade, as excelsas linhas melódicas desfigurando-se,
ferindo-se, fragmentando-se nos complexos labirintos impressionistas,
barrocos; a singeleza pulsando no coração do mais desavergonhado Luxo. Obras
assim já foram compostas. Mas, "Carinhoso"... poderia existir nessa forma? E
será que nos aguardam por aí ( na música erudita?) semelhantes e insuspeitos
Carinhosos? Pelo simples arrepio de hipótese, meu caro João Carlos, sou-lhe
eternamente grato. E mais: liberto de sentimentos por demais carinhosos
(verdade?) , pude enfim ouvir, em múltiplas freqüências e perspectivas, "Carinhoso": a música.
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