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A Ostra E O Vento Das Cidades

HÉLIO RÔLA (arte) &
MÁRIO MONTAUT (poema)

Aquelas 5 notinhas subindo e descendo a escala. Num sopro. "Gotas de inspiração"(??): disseram os escribas anciãos da antiqüíssima "Veja"-ano de 1998, dezembro: "O que era um jorro, agora são gotas de inspiração"(??).

 

Queriam retumbância épica num tempo em que já gotejavam as próprias Fontes Míticas das cidades, e não mais jorravam como antes os elixires que nos levavam aos arquetípicos lugares que desde sempre nos aguardam. Exigiam, parece, sambas de exaltação pelas cidades praticamente isentas de Sonho.

 

Quando a mediocridade social interdita as parcerias do artista com os cidadãos, o que ele produz, no máximo, (mantendo-lhes os preciosos teores) são obras menores. A individualidade do artista democraticamente exilado ainda permite esses pequenos milagres. As misteriosas condições da Sagrada Inspiração!

 

 Mas como dizia, aquelas 5 notinhas descendo e subindo a escala, num sopro, vêm do "Prelúdio para a tarde de um fauno". Sim, e Debussy também compôs em "La Mer", um "Diálogo do vento com o mar". E como a fascinante violência dos mares lhe paralisava os poderes de criação, ilhou-se, para tal, numa dessas cidades onde havia certamente um realejo; logo, as 5 notinhas introdutórias não têm dono. São domínio público. Um presente do vento, que maravilhosamente estrutura a canção em vento, e vento que vira páginas e páginas: da história, dos jornais, dos diários adolescentes e do Livro Mundo nestas cidades de música. Nelas tudo é sutil: doces e tenebrosas delicadezas, na terra, a bordo do avião de Iracema ou do homem-avião-corpo estranho sonhando as canções que justificam em beleza, o pesadelo globalizado.

 

Ser homem vento música ao "poente na espinha das tuas montanhas", em Mangueira, "na campina quando flora", numa escada espiral, no alto da torre e no "varal onde balança ao léu minh'alma", não é fácil. Ser essa contínua ventania nos versos, requebros, harmonias e melodias que não se arapucam em conceitinhos pós-modernosos, não é fácil. Disso sabem a ostra, o vento, os realejos de Claude Debussy, os amoladores de faca, os mares e rios do tempo, o "Espírito" que "sopra onde quer" e claro, as cidades.