Aquelas 5 notinhas
subindo e descendo a escala. Num sopro. "Gotas de inspiração"(??): disseram
os escribas anciãos da antiqüíssima "Veja"-ano de 1998, dezembro: "O que
era um jorro, agora são gotas de inspiração"(??).
Queriam retumbância
épica num tempo em que já gotejavam as próprias Fontes Míticas das
cidades, e não mais jorravam como antes os elixires que nos levavam aos
arquetípicos lugares que desde sempre nos aguardam. Exigiam, parece,
sambas de exaltação pelas cidades praticamente isentas de Sonho.
Quando a
mediocridade social interdita as parcerias do artista com os cidadãos, o
que ele produz, no máximo, (mantendo-lhes os preciosos teores) são obras
menores. A individualidade do artista democraticamente exilado ainda
permite esses pequenos milagres. As misteriosas condições da Sagrada
Inspiração!
Mas como dizia,
aquelas 5 notinhas descendo e subindo a escala, num sopro, vêm do
"Prelúdio para a tarde de um fauno". Sim, e Debussy também compôs em "La
Mer", um "Diálogo do vento com o mar". E como a fascinante violência dos
mares lhe paralisava os poderes de criação, ilhou-se, para tal, numa
dessas cidades onde havia certamente um realejo; logo, as 5 notinhas
introdutórias não têm dono. São domínio público. Um presente do vento, que
maravilhosamente estrutura a canção em vento, e vento que vira páginas e
páginas: da história, dos jornais, dos diários adolescentes e do Livro
Mundo nestas cidades de música. Nelas tudo é sutil: doces e tenebrosas
delicadezas, na terra, a bordo do avião de Iracema ou do homem-avião-corpo
estranho sonhando as canções que justificam em beleza, o pesadelo
globalizado.
Ser homem vento
música ao "poente na espinha das tuas montanhas", em Mangueira, "na
campina quando flora", numa escada espiral, no alto da torre e no "varal
onde balança ao léu minh'alma", não é fácil. Ser essa contínua ventania
nos versos, requebros, harmonias e melodias que não se arapucam em
conceitinhos pós-modernosos, não é fácil. Disso sabem a ostra, o vento, os
realejos de Claude Debussy, os amoladores de faca, os mares e rios do
tempo, o "Espírito" que "sopra onde quer" e claro, as cidades.
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