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MÁRIO MONTAUT & HÉLIO ROLA
Aquele Abraço

MINISTRO GILBERTO GIL:

Em 1984, sob Ditadura Militar em fase terminal, ainda garoto, vivi todos os transes e êxtases de uma saúde cívica que levou cerca de um milhão de pessoas ao Anhangabaú e à Candelária. Hoje, sob um Corrupcionismo também denominado democracia brasileira, não concebo lideranças que levem mais de meia dúzia de gatos pingados a qualquer praça do país. E em 1989, a derrota de Leonel Brizola, meu candidato natural no primeiro turno das eleições, não foi o suficiente para me entristecer, tamanha a alegria da campanha de Lula, com aquele inesquecível hit que você, o Chico, o Djavan e outros cantaram com aquela empolgação, inspiração, imprescindíveis à construção da mínima cidadania. Há poucos meses vi você, pessoa que amo tanto, com o nosso querido Ziraldo, e a Ana De Hollanda, e a Ana Terra; alguns nas mesas, outros transitando ou sentados no salão da Cinemateca, na Vila Mariana, lembra? Bem no início da cruzada das tais das câmaras setoriais, que não faço a mínima idéia de a quantas andam, até porque a maioria dos meus conhecidos que freqüentavam esses encontros desistiram por puro tédio, perda total de fé em quaisquer desdobramentos significativos. Recentemente também li numa de suas últimas entrevistas, acho que na revista Veja, que um dos principais atributos utilizados para segurar a onda do Ministério da Cultura é o cinismo(sic). Gil, meu nego, antenas como a sua, detectam em amplidão e profundidade, a necessidade de se suportar e conviver com o paradoxo, com o obscuro.

Essa qualidade é muito rara, porém, quando envenenada pela atmosfera corrupcionista brasileira, confunde as energias e emite cínicos sinais, tão inaceitáveis como a crença de que esse novo totalitarismo de transição, espero, seja uma democracia, tão inaceitável como a idéia de que alguma “antena da raça” ainda consiga captar e expressar realidades universais, sonhos coletivos. Não, Gil. A nação brasileira atual está em coma induzido. Severino Cavalcanti é apenas uma das maiores evidências. A matéria sobre ele publicada na penúltima Veja, (a que traz na capa a “Democracia No Mundo Árabe”) me fez pensar que no caso de um exílio desse senhor Severino, a única preocupação cabível seja com as catástrofes que sua presença traria a qualquer espaço da galáxia que o acolha. Mas não é que o Lula, boa gente que é, vai acompanhado dessa figura aos funerais do Papa? Gil, você não acha Severino Cavalcanti absolutamente incompatível com a menor dignidade social imaginável? Você não sente que Lula e Severino Cavalcanti, juntos, no enterro do Papa, sejam uma prova de que tão cedo não teremos as nossas inacreditáveis multiplicidades de vida cantadas, escritas, pintadas, esculpidas, encenadas para toda essa diversidade humana que não pode mesmo sobreviver apenas de cestas básicas? E que a maioria das cestas brasileiras, dos pobres endividados aos miseráveis endinheirados, são básicas demais para que se possa imaginar um verdadeiro Projeto de Arte? Sintetizando: não seria melhor, Gil, ao invés de ficar atolado nessas pasmaceiras, arriscar uma Renúncia Ministerial, e fazer dela o que talvez venha a ser avaliado num futuro próximo, como uma das mais autênticas Obras De Arte do Brasil nos últimos anos, ao menos um pequenino contraponto à última Grande Chacina do Rio? Beijos do Mário.

Poema: Mário Montaut (SP)
* Interferências: Imagem "arte" e "aquele abraço", Hélio Rôla (CE)