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MÁRIO MONTAUT
AS VITRINES CONVIDAM
E o que se abria então, não era apenas a novela "Sétimo Sentido", de Janete Clair, com Regina Luana Duarte Camará, mas uma das maiores aventuras do espírito humano:
 

AS VITRINES

Eu te vejo sair por aí

Te avisei que a cidade era um vão

- Dá tua mão

- Olha pra mim

- Não faz assim

- Não vá lá não

Os letreiros a te colorir

Embaraçam a minha visão

Eu te vi suspirar de aflição

E sair da sessão

Frouxa de rir

Já te vejo brincando, gostando de ser

Tua sombra a se multiplicar

Nos teus olhos também posso ver

As vitrines te vendo passar

Na galeria

Cada clarão

É como um dia

Depois de outro dia

Abrindo um salão

Passas em exposição

Passas sem ver teu vigia

Catando a poesia

Que entornas no chão

E até as pessoas mais simples do povo cantarolaram alguns versos dessa música. Quem, já na aguda clarividência da prima nota orquestral não ouve um segredo que nunca será revelado? Digo isso porque o labirinto é a ética e a estética da perdição, e aqui estamos pouco à frente dos espelhos e corredores de Borges. Por sábios e aterrorizantes que sejam, neles não habita o mais Terrível dos Anjos: o Anjo da Música, ancestral de Lúcifer, bem mais que luz, bem mais que vento, bem mais que verbo, bem mais que Deus.

Só mesmo a Paixão para nos sugerir algumas das encarnações possíveis no universo das Vitrines. Mas a Paixão a que me refiro, não é suscetível de ser definida por nenhum dos cânones da estética de até então. As vísceras ecoam inteligentíssimas em meio aos labirínticos brilhos, altamente convidativos, onde chega a Inteligência, com reflexões tão viscerais que nos despertam os mais secretos humores do Sagrado Arrepio, o Definitivo, que nos eriça a epiderme de toda idéia, e todos os pensamentos ocultos entre os pêlos e poros do Ser Em Ereção, que anseia as entranhas da Eternidade.

Decerto há de ter havido a Idéia, o pensamento musical, em graças de jorro e contenção. E paciência, pétalas de dúvidas floreando vulcões, vales, torrentes da natureza subjacente a quaisquer galerias por onde respirem e reflitam vitrines. E também cinemas, vitrais, grãos de pipoca, flertes, risos de nostálgicas traições e desapegados romances vividos. Tudo isso houve na desesperada perseguição à musa. Mas o que me comove é o milagre da Alquimia da Fábula em substância musical. Um delicadíssimo e inquebrantável fio condutor, de insuspeita matéria, foi levando o canto por meandros interditos ao cerebralismo, ao puro automatismo poético e melódico e aos ismos outros e tais. A fé, a insônia, as sólidas cadeias harmônicas onde brotam rosas melódicas, "A asteca do piano, quão sonha no center", os fluxos e os refluxos da inspiração, os amores antigos, os cigarros, os luares, conspiraram pela formação de um quinto elemento, cujo vislumbre encantou o músico impelindo-o para além dos maravilhosos espelhos do reino, de onde com certeza ele nunca mais saiu. E se há tanto tempo pergunto como é que o Chico fez As Vitrines, e ninguém me dá uma réstia de ilusão, não tenho o direito de assim sonhá-las e de ali o manter?

Já dizia o nosso saudoso Mário Quintana, que os estruturalistas muito se assemelham àquelas crianças, que na ânsia de descobrir de onde vem a musiquinha acabam por destroçar o boneco. Não, não é desses que nós, sonhadores e amantes da Música necessitamos. Precisamos mesmo é de gente que alimente o fogo do mistério, para que o sonho se propague até quem sabe perto do nascedouro das Vitrines. Felizmente, todos os artífices das hábeis explicações baratas não conseguiram senão estimular os ímpetos investigativos da nossa Paixão, que só quer pistas e mais pistas, porque sabe-se perpetuamente entre vitrines de um labirinto infinito, eterno, insolúvel.

Compositores, poetas, sonhadores! À falta de literatura de sonho musical é preciso que vocês se manifestem e nos falem de uma canção. O que de vocês nela explodiu, o que esperou, o que calou. Se o verbo nunca há de revelar a essência de um milagre, seria justo que as suas palavras em conversas, ao menos fomentassem o encanto.

(Mário Montaut)