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Aparecida |
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Quando o sol brilhava sobre o
jovem trigal que dava pães de fazer inveja aos
árabes das noites 1.000 e 3, margaridas e
beija-flores moravam conosco na casa de minha
avó Lola, traída por uma Corva Aparecida em
maldita tarde, e por meu avô padeiro,
desesperado de ciúmes de seu despertador suíço
que todas as manhãs a acordava na hora em que do
forno saía o sábio pão do erotismo escravizado.
Aparecida se enregelou na cruz de uma igrejinha
da aldeia, mas numa tarde de verão, na hora da
missa, meu avô teve uma visão e subiu à cruz da
igreja, onde beijou a Corva na boca após ter
despedaçado o gelo que a rodeava, e eis que
Aparecida, muito viva, levou-o no bico para a
Toca do Negro Amor, e lá eles se amavam na
alegria marrom dessa paisagem, e durante sete
meses Lola acreditava ter ficado viúva. Isso
todos os fiéis viram, e os sinos da igrejinha
destrambelharam-se e começaram a emitir notas
que deram origem à abertura do Hino do Trigo
Apodrecido e quando os corvos aparecem, todos se
escondem em suas casinhas, temendo os raios
amarelos pálidos que escapam do caixão do meu
avô, onde vela Aparecida, em oração de enviar
raios a casebres e mansões da aldeia, e as
orações da Corva atraem as aves, filhas que ela
teve com meu avô, e estas cantam o Hino causador
de abortos e pecados nunca dantes imaginados.
Meu pai, em horas de lazer, pintava quadros e
contava histórias mais cruéis que essa para as
criancinhas da aldeia, que não dormiam de
perturbações nervosas, e elas riam tanto que ele
irado saía para os trigais e sob sol ou sob
chuva pintava o telhado igrejeiro onde
Aparecida, a Corva Mãe , durante séculos e
séculos se fez de morta para espiar os costumes
dos cidadãos holandeses e da Casa da Moeda. Ela
surgiu para meu pai em seu último momento de
vida e cantou o Hino da Cruz Enganada. “O
Horizonte Febril Cor de Cera na Hora dos Anjos
Desnorteados”, um de seus quadros geniais, está
estampado ao sul de cada nota e moeda holandesa
que percorre o mercado cambial europeu e conta
as tristes histórias do francês apocalíptico que
compôs o Hino que devora uma família a cada café
da manhã. Dizem que em tardes de céu
amarelo-cinza, meu pai sai da tumba e berra ao
mundo: “Não acreditem! Não acreditem! É culpa
dos japoneses. A nação dos amarelos não tem o
vigor desse trigal mesmo nesta época de
decomposição vitamínica, eu sei, eu sei”, ele
grita. “Creiam, eu li esse sonho escrito na cruz
de pedra onde Aparecida ressuscitou. O Hino do
Trigo Apodrecido está enlouquecendo os
japoneses, que inventaram a mentira do frenético
marasmo, o mar do asno que leva a carruagem da
morte ao mar da civilização oriental, e esse é o
outro lado da moeda holandesa, que eles amam.
Temem o Hino de Corvos Viris mas não percebem as
criancinhas febris aprisionando colibris em
vídeo-clipes da Master&Johnson, que nunca
pesquisou a origem do orgasmo de uma Corva
Menstruada após a crucificação no gelo de uma
cruz da invernada. “Não acreditem! A culpa é dos
japoneses”, canta ele na cova de Aparecida, a
Corva que ele jamais conseguiu retratar, e por
esse crime ele agora se retrata.
(Mário Montaut)
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MÁRIO MONTAUT é brasileiro, paulistano, de ascendência italiana, espanhola, indígena, moura, francesa e outras. Desenvolve uma sequência de composições que vêm à luz, já em dois trabalhos: "Bela Humana Raça", Dabliú, 1999, e "Mário Montaut: Samba De Alvrakélia", a sair nos próximos dias pelo selo MBBmusic. São muitos anos de vivências artísticas, num panorama que inclui Dorival Caymmi, René Magritte, Manoel De Barros, João Cabral De Melo Neto, Borges, Chico, Caetano, Gil, Dalí, Fellini, Buñuel, Webern, Cartola, Breton, Blavatsky e muitos amores mais, indispensáveis à sua criação, que abarca, além das canções, poemas, textos, roteiros e outras coisas interessantes. Mário Montaut é basicamente um parceiro de todos os seus contemporâneos e ascendentes, humanos ou não, saibam eles ou não. Índios, Negros, Europeus, Sem-terra, Brisas, Baleias, Maremotos, Chuvas, Livros, Discos, Beijos e Trovões Em Todas As Roseiras. Atualmente grava um disco de parcerias suas com o poeta Floriano Martins, onde a talentosíssima intérprete Ana Lee canta grande parte do repertório. Mário Montaut é um pouco de tudo isso. E muito mais, com certeza, pode ser descoberto em seus discos lançados, em suas tantas canções já gravadas, poemas, textos, e múltiplos achados.
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