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MÁRIO MONTAUT..

Aparecida

Quando o sol brilhava sobre o jovem trigal que dava pães de fazer inveja aos árabes das noites 1.000 e 3, margaridas e beija-flores moravam conosco na casa de minha avó Lola, traída por uma Corva Aparecida em maldita tarde, e por meu avô padeiro, desesperado de ciúmes de seu despertador suíço que todas as manhãs a acordava na hora em que do forno saía o sábio pão do erotismo escravizado. Aparecida se enregelou na cruz de uma igrejinha da aldeia, mas numa tarde de verão, na hora da missa, meu avô teve uma visão e subiu à cruz da igreja, onde beijou a Corva na boca após ter despedaçado o gelo que a rodeava, e eis que Aparecida, muito viva, levou-o no bico para a Toca do Negro Amor, e lá eles se amavam na alegria marrom dessa paisagem, e durante sete meses Lola acreditava ter ficado viúva. Isso todos os fiéis viram, e os sinos da igrejinha destrambelharam-se e começaram a emitir notas que deram origem à abertura do Hino do Trigo Apodrecido e quando os corvos aparecem, todos se escondem em suas casinhas, temendo os raios amarelos pálidos que escapam do caixão do meu avô, onde vela Aparecida, em oração de enviar raios a casebres e mansões da aldeia, e as orações da Corva atraem as aves, filhas que ela teve com meu avô, e estas cantam o Hino causador de abortos e pecados nunca dantes imaginados. Meu pai, em horas de lazer, pintava quadros e contava histórias mais cruéis que essa para as criancinhas da aldeia, que não dormiam de perturbações nervosas, e elas riam tanto que ele irado saía para os trigais e sob sol ou sob chuva pintava o telhado igrejeiro onde Aparecida, a Corva Mãe , durante séculos e séculos se fez de morta para espiar os costumes dos cidadãos holandeses e da Casa da Moeda. Ela surgiu para meu pai em seu último momento de vida e cantou o Hino da Cruz Enganada. “O Horizonte Febril Cor de Cera na Hora dos Anjos Desnorteados”, um de seus quadros geniais, está estampado ao sul de cada nota e moeda holandesa que percorre o mercado cambial europeu e conta as tristes histórias do francês apocalíptico que compôs o Hino que devora uma família a cada café da manhã. Dizem que em tardes de céu amarelo-cinza, meu pai sai da tumba e berra ao mundo: “Não acreditem! Não acreditem! É culpa dos japoneses. A nação dos amarelos não tem o vigor desse trigal mesmo nesta época de decomposição vitamínica, eu sei, eu sei”, ele grita. “Creiam, eu li esse sonho escrito na cruz de pedra onde Aparecida ressuscitou. O Hino do Trigo Apodrecido está enlouquecendo os japoneses, que inventaram a mentira do frenético marasmo, o mar do asno que leva a carruagem da morte ao mar da civilização oriental, e esse é o outro lado da moeda holandesa, que eles amam. Temem o Hino de Corvos Viris mas não percebem as criancinhas febris aprisionando colibris em vídeo-clipes da Master&Johnson, que nunca pesquisou a origem do orgasmo de uma Corva Menstruada após a crucificação no gelo de uma cruz da invernada. “Não acreditem! A culpa é dos japoneses”, canta ele na cova de Aparecida, a Corva que ele jamais conseguiu retratar, e por esse crime ele agora se retrata.

 

(Mário Montaut)

 

MÁRIO MONTAUT é brasileiro, paulistano, de ascendência italiana, espanhola, indígena, moura, francesa e outras. Desenvolve uma sequência de composições que vêm à luz, já em dois trabalhos: "Bela Humana Raça", Dabliú, 1999, e "Mário Montaut: Samba De Alvrakélia", a sair nos próximos dias pelo selo MBBmusic. São muitos anos de vivências artísticas, num panorama que inclui Dorival Caymmi, René Magritte, Manoel De Barros, João Cabral De Melo Neto, Borges, Chico, Caetano, Gil, Dalí, Fellini, Buñuel, Webern, Cartola, Breton, Blavatsky e muitos amores mais, indispensáveis à sua criação, que abarca, além das canções, poemas, textos, roteiros e outras coisas interessantes. Mário Montaut é basicamente um parceiro de todos os seus contemporâneos e ascendentes, humanos ou não, saibam eles ou não. Índios, Negros, Europeus, Sem-terra, Brisas, Baleias, Maremotos, Chuvas, Livros, Discos, Beijos e Trovões Em Todas As Roseiras. Atualmente grava um disco de parcerias suas com o poeta Floriano Martins, onde a talentosíssima intérprete Ana Lee canta grande parte do repertório. Mário Montaut é um pouco de tudo isso. E muito mais, com certeza, pode ser descoberto em seus discos lançados, em suas tantas canções já gravadas, poemas, textos, e múltiplos achados.