MÁRIO MONTAUT
Beatles e Raul:
Sonhando Espertamente o Inconcluível

E pelo jeito, mal tinha saído o "Sgt. Pepper’s" quando Raul (ainda "Raulzito e seus Panteras") fez uma versão de "Lucy in the Sky with Diamonds", que gravou em um L.P de 1967...A letra dos Beatles é esta:

Lucy in the Sky with Diamonds (Lennon e McCartney)

Picture yourself in a boat on a river,

With tangerine trees and marmalade skies

Somebody calls you, you answer quite slowly,

A girl with kaleidoscope eyes.

Cellophane flowers of yellow and green,

Towering over your head.

Look for the girl with the sun in her eyes,

And she’s gone.

Lucy in the Sky with Diamonds.

Lucy in the Sky with Diamonds.

Lucy in the Sky with Diamonds.

Follow her down to a bridge by a fountain

Where rocking horse people eat marshmellow pies,

Everyone smiles as you drift past the flowers,

That grow so incredibly high.

Newspaper taxis appear on the shore, waiting to take you away.

Climb in the back with your head in the clouds,

And you’re gone.

Lucy in the Sky with Diamonds.

Lucy in the Sky with Diamonds.

Lucy in the Sky with Diamonds.

Picture yourself on a train in a station,

With plasticine porters with looking glass ties,

Suddenly someone is there at the turnstyle,

The girl with the Kaleidoscope eyes.

O caos hipercriataivo da contracultura nas cabeças de John e Paul: Infância, árvores de tangerina, céus de marmelada, LSD, uma garota com olhos de caleidoscópio, táxis de jornal, flores de celofane, um provável desenho de Julian Lennon, aos cinco aninhos, com o mesmo título da obra, fontes, pontes, Lewis Carroll...Raul canta diferente:

Você Ainda Pode Sonhar

(Raul Seixas-Lennon-McCartney)

Pense num dia com gosto de infância

Sem muita importância procure lembrar

Você por certo vai sentir saudades

Fechando os olhos verá

Doces meninas dançando ao luar

Outras canções de amor

Mil violinos e um cheiro de flores no ar

Você ainda pode sonhar

Você ainda pode sonhar

Você ainda pode sonhar

Feche seus olhos bem profundamente

Não queira acordar procure dormir

Faça uma força você não está velho demais

Pra voltar a sorrir

Passe voando por cima do mar

Para a ilha rever

Vá saltitando sorrindo a todos que vê

Você ainda pode sonhar

Você ainda pode sonhar

Você ainda pode sonhar

Bela sacada do Seixas. Ele apenas tenta nos abrir os canais do Sonho. Convida-nos à Infância; esse tempo, esse lugar. Imagens, imagens mesmo, só as meninas dançando ao luar, os mil violinos, um vôo por cima do mar, uma ilha a rever. O resto é convite. Que cada um faça a sua viagem e veja, ouça, o que puder. Sugestão Libertária.

Já nos versos de John e Paul, mais de John, parece -e curioso, isso-, as imagens universais, arquetípicas, lisérgicas, não deixam de se constituir, pela excelência das intenções, numa poética totalitária. A universalidade imagética vira despotismo num sonho onde você já não pode sonhar. Sonham os Beatles. Você se deleita acompanhando os viajantes.

Agora fico pensando: na levada musical beatle, a tirania de tantas imagens impostas me liberta pelo delicioso matrimônio daquelas palavrinhas caindo tão bem na música. Felizmente subjugado, prefiro ouvir os Beatles em pura contemplação, e por algum mistério, talvez, não consiga viver intensamente aquela proposta de liberdade um pouquinho flácida do Raul. Talvez. Mas a encompridar adentraríamos a alta cultura e questões infinitamente sem resposta. Prefiro espiar Borges e Pessoa debruçados na canção, sonhando espertamente o inconcluível.

(Mário Montaut)

MÁRIO MONTAUT é brasileiro, paulistano, de ascendência italiana, espanhola, indígena, moura, francesa e outras. Desenvolve uma sequência de composições que vêm à luz, já em dois trabalhos: "Bela Humana Raça", Dabliú, 1999, e "Mário Montaut: Samba De Alvrakélia", a sair nos próximos dias pelo selo MBBmusic. São muitos anos de vivências artísticas, num panorama que inclui Dorival Caymmi, René Magritte, Manoel De Barros, João Cabral De Melo Neto, Borges, Chico, Caetano, Gil, Dalí, Fellini, Buñuel, Webern, Cartola, Breton, Blavatsky e muitos amores mais, indispensáveis à sua criação, que abarca, além das canções, poemas, textos, roteiros e outras coisas interessantes. Mário Montaut é basicamente um parceiro de todos os seus contemporâneos e ascendentes, humanos ou não, saibam eles ou não. Índios, Negros, Europeus, Sem-terra, Brisas, Baleias, Maremotos, Chuvas, Livros, Discos, Beijos e Trovões Em Todas As Roseiras. Atualmente grava um disco de parcerias suas com o poeta Floriano Martins, onde a talentosíssima intérprete Ana Lee canta grande parte do repertório. Mário Montaut é um pouco de tudo isso. E muito mais, com certeza, pode ser descoberto em seus discos lançados, em suas tantas canções já gravadas, poemas, textos, e múltiplos achados.