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Marília Miranda Lopes |
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«Arranjos de pássaros e de flores» |
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Recensão do livro de poesia de Wilmar Silva, "Arranjos de
pássaros e flores" por ocasião do evento "Portuguesia" (1º edição)
realizada, em 2011, em Famalicão. |
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É a natureza a força motriz destes arranjos que o poeta vai colhendo,
através de versos, eterna busca experimental, as telúricas fontes de
onde bebe a poesia e através das quais se transforma, ele próprio, num
rol de elementos naturais, como se fosse ave, água, aroma e parte dos
mundos animal e vegetal: "...-nascente, colibri, quaresmeira /líber/
nessa lavoura de pétalas folhas e galhos". É com a natureza e com as
suas essências que o poeta regressa ao estado primevo, à parte mais
ancestral e instintiva, expressa em versos, com as palavras - os signos
possíveis. Regressa na palavra geradora a um estado de alcance,
parecendo quase non-sense, mas que é, no fundo, uma forma de comunhão
com o que, não falando ou não utilizando o nosso código linguístico,
simplesmente brota. Este conjunto de poemas que formam o "arranjo", mais
não é do que um abraço universal da essência natural e verdadeira que
reside fora e dentro de nós, os que a sentem. Sendo essencialmente
formado por versos que veiculam uma estrutura morfossintáctica sem
aparente sequência normal, este "Arranjo" propaga-se como relâmpago,
ignorando as lógicas gramaticais, facto que aproxima o poeta de um
estado de onde se ausentam sequências de pensamento lógicas, para, em
vez destas, surgirem versos de intuição aproximada, o mais possível, da
livre torrente que jorra, aquando do momento de inspiração: "afluente -
eu, riacho alcanço o cerrado/ entre o rasto na poeira eu fogo à margem/
engendro a sede arenosa...". Talvez se coloque a hipótese de haver um
"engendrar", ou seja, haver da parte do poeta a necessidade de busca do
que está latente no manancial de sensações e ideias que formam o
exterior e também o interior (mais pequeno, um "riacho). O que está fora
é sempre grandioso, mesmo o "cerrado", o que não se alcança com a mente
deformada de civilização.
Por outro lado, surge o poeta "oleiro" que molda o que capta no verso
que esculpe: "Oleiro eu - pés e unhas sujos de argila/dissidente e
incidental é todo/ lodo/ o inverno da messe, eu rumino de capim". Aqui,
o eu lírico é um obreiro, cujos versos são obras de arte. E na arte não
há necessidade de sentido, mas de sentidos, de emoções que podem surgir
quando se experimentam estados. Esses "pés e unhas sujos de argila"
vivem a substância e transformam-na.
"Arranjos" constitui também um momento que o poeta aguarda dentro de si:
"vivo por ti - amarga espera da solidão,/guardo no cântaro da palavra, o
verbo/de ação que entorpece tico-tico/ eu sim, te violo e te tálamo,
zoológico-me/farfalho tórrido, eu amarelo e outono/ atiradeira - dardos
de flor sol violeta". Assim, como se nesse momento do ego tivesse lugar
a ocupação completa daquele que guarda, armazena e colora energia. A
energia é a transformação vital de tudo. O poeta transmuta-a e torna-se
"eu- cavaleiro...","eu, vertical", "eu - menino", "eu-dia-a dia" "eu-
sabiá", "eu - bordador de lua", eu -curió", "eu-gemer", eu, diedro". eu
- lobo", eu-âmbar (...) numa pertença ao mundo do campo ("eu
-menino-do-campo) no qual se liberta: "invento gaivotas no sertão(ilha é
o meu corpo de encontro ao teu/ aqui, longe, após o inverno da
tempestade/ verto o amálgama da papulha veleiro. O poeta, estranho a si
mesmo por se entranhar na terra, torna-se "espelho d'água, narciso e
orfeu/flautas e flores..."Portanto, de regresso a um mundo e de partida
de outro, há apenas a certeza de haver tempo e espaço nessa recolha de
"pássaros e flores", onde o sujeito da enunciação assume o voo e o "re
vôo não apenas de âmbar e asas". O poeta é o próprio "verbo lírico, eu
pássaro-preto...".
Marília Miranda Lopes |
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Marília Miranda Lopes (Portugal, 1969).
Poetisa, crítica literária, dramaturga e escritora de canções,
formou-se em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras
da Universidade do Porto. É professora de Língua Portuguesa do
Ensino Secundário e formadora nas áreas das Didácticas Específicas e
das Oficinas de Escrita – Poesia e Teatro.
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