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MARIA JOSÉ CAMECELHA |
Maria José Camecelha. Vive e trabalha
em Lisboa. Foi Assessora no Departamento de Prospectiva e Planeamento e
Relações Internacionais (DPP) e na Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (FCT). Mestre em História Cultural e Política pela Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL),
desenvolve actividades no âmbito das Políticas Públicas e projectos
criativos nas áreas de fotografia, dramaturgia e produção. |
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Paris e o Modernismo |
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Este trabalho
foi elaborado no âmbito do Seminário do Professor Nuno Júdice
‘O
Modernismo português no contexto europeu’
Escola de Verão
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FCSH/ULN
| Lisboa
| 2013 |
Centro de Lareira .
(Lareira de Sala de Jantar, Antiga Casa
de Amélia Rey Colaço, Lapa, Lisboa).
Foto: MJC |
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Preâmbulo |
Em Paris, no início do Século XX reunia-se uma elite artística
extraordinária. Entre outros, Modigliani, Blaise Cendrars (Dis,
Blaise, sommes-nous bien loin de Montmartre
(1),
Delaunay, Amadeo de Souza-Cardoso, Sta. Rita Pintor,
Maeterlinck (“Bendito
seja”, refere Almada na sua Sinfonia Cosmopolita),
Marinetti,
Sá-Carneiro, anunciavam novos conceitos de Arte e Strindberg esboçava a
sua obra autobiográfica (2).
Fotografia, Música, Imagens em Movimento, as Óperas (Thais (3),
referida por Almada no poema Mima-Fatáxa), os Ballets Russes (4)
o Salon d’Automne (5),
o Manifesto Futurista (6),
aportam à capital francesa contribuindo para o sentir de Almada:
Em
Paris é tudo de carne e osso
(7)
O Cinema, Arte
indissociável para a compreensão do Modernismo e das suas repercussões tem
pontos altos no início do Século XX, nomeadamente no denominado
Expressionismo Alemão (cujas figuras de referência são Pabst, Murnau,
Fritz Lang ou Wiene), na Suécia com Sjostrom ou nos Estados Unidos com
D. W. Griffith ou Lubitsch. Na União
Soviética, a inovação e génio de Eisenstein expressos na sua filmografia e
escritos teóricos contribuíram para essa modernidade.
Refira-se neste contexto
Vsevolod Pudovkin “Potomok
Chingis-Khana”
(Tempestade sobre a Ásia), em que um dos
argumentistas foi Osip Brick, poeta futurista russo Com
Mayakovsky
(que, em 1920, viaja para Paris onde visita os estúdios de Picasso e
Legér) este poeta tem grande impacto na
Europa e nos Estados Unidos.
Em 1915
Osip Brik tinha financiado a publicação de Mayakovsky
Cloud in Pants, A Tetraptych
(8), de que se apresenta um extracto:
My
Mona Lisa
stolen before my eyes.
from my personal Louvre.
I should have guessed
a
Gioconda
has got to be stolen.
I’ll gamble on mistresses
of
Old Masters again,
with
fevered brow.
Sure, tramps
often find refuge
in a ruin.
I will stake all
on a foregone conclusion.
Prosseguindo uma leitura do Modernismo e das Vanguardas note-se igualmente
experiências como a da Bauhaus,
na Alemanha, fundada por Walter Gropius
em 1919 e encerrada pelo regime nazi em 1933, marco para o desenvolvimento
de uma ideia nova de arquitectura, arte e design. É na Bauhaus que Wassily
Kandinsky cuja reflexão abstraccionista (9)
abrirá portas à modernidade na pintura - lecciona até ao fecho, partindo
depois para Paris.
Kandinsky inicia ‘On the Artist’
(10)
(Om Konstnären, Stockholm, 1916) da seguinte forma:
“On the
dazzling white a black dot unexpectedly burns. It becomes larger, still
larger, unceasingly larger. Suddenly, an archipelagic scatter of black
spots, which continually increase in number and size, is sifted out over
the intense-white, as through a fine sieve. Over the fields rises the
sound of invisibly flowing waters, at first hardly audible, then louder
and louder. Many voices, each singing a different song, uniting,
interweaving – a multi-voiced choir.
And the light
becomes dark; the dark, light. In the rose-coloured sky the yellow sun
rolls, surrounded by a violet wreath of rays, Strident yellow and
pale-blue rays string the lilac-coloured ground, piercing it, luring forth
thousands of voices – the air vibrates with soughing. Gray clouds veil
the yellow sun and turn black. Long, straight, unpliable silver threads
streak the introverting space. Suddenly, everything becomes silent.
In rapid succession, burning zig-zag rays split the air. The skies burst.
The ground cleaves. And rumbling thunderclaps break the silence. The
lilac-coloured earth has turned gray. The gray sweeps violently,
irresistibly, along the hills. Gaudy colours filter through the mesh of
the sieve. Space trembles from thousands of voices. The world screams.
It is an old picture of the new spring.”
A originalidade e complexidade de
escritores como Pessoa, Almada e Sá-Carneiro conferem ao Modernismo
português uma singularidade, pela profunda reflexão estética das suas
obras e pelo acompanhamento das tendências criativas de vanguarda.
Em 1912, escreve Pessoa na
revista Águia (11)
Ousemos concluir
isto, onde o raciocínio excede o sonho: que a actual corrente literária
portuguesa é completa e absolutamente o princípio de uma grande corrente
literária, das que precedem as
grandes épocas criadoras das grandes nações de quem a civilização é filha.
Ponto de
partida para a viagem modernista e multifacetada em que Pessoa se separa
da Águia e desenvolve toda uma nova ideia de literatura. De referir a
importância de Walt Whitman nesta trajectória, saudado por Álvaro de
Campos em 1915:
Portugal-Infinito, onze de Junho de mil
novecentos e quinze...
Hé-lá-á-á-á-á-á-á!
De aqui, de
Portugal, todas as épocas no meu cérebro,
Saúdo-te,
Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo,
Ó sempre
moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos
Assinalem-se a
Ode Triunfal (Londres, 1914, publicada no
Orpheu nº 1.
Lisboa: 1915) e a Ode Marítima (s/d
publicada no
Orpheu nº 2. Lisboa: Abril-Junho 1915), ambas de Álvaro de Campos:
Ode Triunfal (extracto)
À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas
da fábrica
Tenho febre
e escrevo.
Escrevo
rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a
beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó
engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!
Forte
espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria
fora e dentro de mim,
Por todos os
meus nervos dissecados fora,
Por todas as
papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os
lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir
demasiadamente de perto,
E arde-me a
cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão
de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó
máquinas!
Ode Marítima
(extracto)
Nada perdeu a poesia. E agora há a mais as
máquinas
Com a sua
poesia também, e todo o novo género de vida
Comercial,
mundana, intelectual, sentimental,
Que a era
das máquinas veio trazer para as almas.
As viagens
agora são tão belas como eram dantes
E um navio
será sempre belo, só porque é um navio.
Viajar ainda
é viajar e o longe está sempre onde esteve —
Em parte nenhuma, graças a Deus!
Também de Álvaro de Campos,
Marinetti, Académico (s/d), de
que se inclui o final do poema:
As Musas vingaram-se com focos eléctricos, meu
velho,
Puseram-te
por fim na ribalta da cave velha,
E a tua
dinâmica, sempre um bocado italiana, f-f-f-f-f-f
f-f......
No Manucure | Apoteose
(Lisboa, Maio de 1915), Mário de Sá-Carneiro celebra as “Palavras em
Liberdade” (12):
A inovação
do verso livre percorre todo o poema contribuindo para uma leitura
contemporânea.
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A par com Santa Rita Pintor, Almada, Amadeo,
Sá-Carneiro, Raul Leal, Fernando Pessoa e Álvaro de Campos, Blaise
Cendrars e Appolinaire encontram-se no Portugal Futurista de 1917, número
único (apreendido pela Censura). E também Marinetti que, em 1913, tinha
anunciado que o Futurismo marcava o nascimento da Poesia. |
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Trilogia
Parisiense |
O pensamento
crítico de Almada sobre Portugal e os Portugueses está presente no final
do “Ultimatum futurista às gerações
portuguesas do século XX “
(13):
O povo completo será aquele que tiver reunido no
seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses,
só vos faltam as qualidades.
Em Nome de Guerra, Almada escreve:
O papel da sociedade é imediatamente mais evidente sobre cada pessoa que o
atropelado movimento das gerações que a antecederam e que lhe determinaram
o seu sangue, mas aquela não vale esta.
Neste contexto, refira-se o
artigo de Nuno Júdice
A ideia nacional no período modernista português
onde o autor assinala a proposta de Almada Negreiros na (Sudoeste, 1935)
de “uma definição nacional
avançada.”
(14)
É no seu duplo perfil de escritor |pintor,
como enunciado em Nome de Guerra “O
autor destas páginas também desenha, e não sabe expressar por palavras a
extraordinária impressão que recebe sempre que copia o perfil de qualquer
pessoa.” que se abordará,
neste trabalho, a presença de Paris e a forma como essa presença é
objectivada no poema ‘Mima-Fatáxa’ (15)
(Publicado em 1917 no Portugal Futurista), na novela
‘A Engomadeira’ (Primeira Edição, também no Portugal Futurista) e no
romance Nome de Guerra’ (Primeira
Edição 1938).
As referências presentes em
cada um dos escritos de Almada sugerem três diferentes sentidos para
Paris: transfigurado na Mima-Fatáxa; banalizado na Engomadeira e
idealizado em [Judite] Nome de Guerra, correspondendo a diferentes visões
da mesma Cidade.
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Encomendas antecipadas podem ser feitas a Amadeu de Sousa Cardoso, rue des
fleurs, Paris |
O poema refere, na edição
de 1917, a “fenomenal colaboração do pintor Amadeo de Sousa Cardoso”) e
como título completo ‘Mima-Fatáxa, Sinfonia
Cosmopolita e Apologia do Triângulo Femenino. ‘ Dentro do enquadramento do
título lê-se: ‘Edição de Paris.’
Na dedicatória “A
ti, pra que não julgues que a dedico a outra “, o autor enuncia a
síntese do que irá desenvolver ao longo do Poema: uma mulher, todas as
mulheres: A Mulher.
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Pintura
de Amadeo de Souza-Cardoso (fragmento), com reflexo de mão e
público - Exposição do CAM (2013).
Título desconhecido (Coty), 1917.
Óleo e Colagem sobre Tela.
Areia, Vidro, Papel, Cola e Espelho.
Foto_Composta: MJC |
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Ponto luminoso
desde o início - “Aquela
que ri nos relâmpagos” - , Paris
transfigura-se na Mulher que beija o poeta
nas imagens dos espelhos e se desdobra em múltiplas: Cleópatra,
Mona Lisa, a que se sente nos joelhos, as bailarinas depois de Dègas,
propondo uma visão encantada e feérica da Cidade-Luz Dançante, que se
sucede (se a leitura assim o permitisse) em sequências simultâneas. A
complexidade de referências visuais no poema convoca imaginários femininos
de diferentes épocas e simbologias, numa Paris universal.
Attention
: Il n’y a qu’une Ville: PARIS
C’est là haut qu’Elle
vive partout
A do sangue
verde- esmeralda
Essa, sim,
quero eu cantar”
Elle (com maiúscula )
não pode existir a não ser na Cidade-Luz, na cidade onde todas as mulheres
se metamorfoseiam numa, em que o olhar se desdobra em reflexos de
reflexos, visuais e sonoros.
Ópera
- 7h 50: Thais …
Zunem pandeiros na ferrugem dos aros (16)
Aquilo
que Almada nomeia “gincana
das vogais” produz uma tensão permanente em todo o poema, mais uma vez com
recorrências que percorrem a sua obra, como a menina loira das
oleografias:
Labirintos elegantes de filigrama em azul
simples da inicial sozinha
Pálido clima impresso asilo
Requintes bordados a Nossa-Senhora-Mulher
Frágil esfera da Maternidade-Cetim
:É um rapaz! Deixem-na dormir.
Ecoa nesta Mima o prazer pela descoberta recente de outras formas de estar
em palco que não as do teatro tradicional e.g
“Isadora
Duncan dançando nua a Marcha Militar”.
A linguagem recria-se, procura novos sentidos que emergem de relações
inusuais entre palavras, acrescenta sons, fagulhas de luz, termos novos.
Abraça o futuro no presente.
Zomba
Zune
e tine
A pandeireta Zíngara
Wanda
A pandeireta russa
Monna Liza
A pandeireta zinco
Cacimba-Acetilene
A pandeireta-lata da Andaluzia
pra ir ao ar
ou i ou ai
não penses Esfinge!
Gomos de laranja a baloiçar Cavalo de Tróia!
Gincana das Vogais
Final do Poema
:Não penses Esfinge!
Cicerone dos
Labirintos, na palavra do Poeta “Não
Penses Esfinge”, esta Mima da Cidade Cosmopolita desenrola, até ao
final, uma série de imagens feéricas que convocam outras tantas mulheres
que serpenteiam sonoramente num imaginário talvez visto, talvez
pressentido, talvez sonhado.
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Temos esta elegancia, esta
devoção, este farol da Fé |
Na Engomadeira, o Paris enunciado no Prefácio - um
“Farol da Fé” -, está em clara
oposição com as referências que, aqui e ali, pontuam a novela. Há nesta
utilização de Paris aquilo que Ernesto de Sousa refere na Alternativa Zero
(1977)
(…) certas formas do esperpento espanhol; até à falsa ilusão da posse modo
kitsch que afecta sobretudo as classes médias.
Lisboa surge como um Paris em segunda mão ““As
avenidas alli n'aquelles sitios mal iliuminados faziam-me, não sei porquê,
lembrar dos apaches de Paris”, dos figurinos desenhados “que
veem de Paris”, aos Sinos de Corneville (17) interpretados pelo Asylo da
Mendicidade na Avenida, à Marselheza que as coccóttes sabem de cor. Aqui,
Paris é acedida como se fosse um cardápio de termos avulsos: o inverso do
fulgor de Mima-Fatáxa. Na morte do barbeiro:
O creado
disse-me o menu com muita
pena do barbeiro e que considerava o assassinato um vandalismo mas que se
eu não quizesse potage à la
valencienne tambem tinha
puré de legumes à la mexicaine. Pobre barbeiro!.
Um detalhe:
Achei mesmo
dois mundos differentes dentro de um mesmo prego—um era a cabeça do prego,
o resto era o outro. O que me interessou mais foi justamente o que era
apenas a cabeça do prego. E logo havia outro mundo n'outra cabeça de
prego… e outro n'uma cabeça de prego maior… e outro n'outra cabeça de
prego ainda maior, e outro n'uma cabeça de prego da altura da Torre Eiffel
e um prego cuja cabeça fôsse a Terra e apesar d'isso ainda houvesse outros
pregos muitissimo maiores.
Os olhos que olham são masculinos e, de novo, o
Espelho surge associado à mulher tipificada e sem nome:
Quando o
senhor Barbosa metteu a chave á porta e achou o silencio abafado d'aquelle
quarto meio-illuminado teve a impressão que ella tinha posto um espêlho
muito grande ao comprido sobre a cama e que depois se tinha deitado toda
núa com o ventre pra baixo. (…) Esteve assim perto de meia-hora a gosar
aquelle Paris-salon.
Como em ‘Nome de Guerra’, só os homens têm nome (ou
não) – e.g. Sebastião, o de Alcácer Quibir e Sebastião, o galego, o
Barbosa do bico do alfinete que traz espetado na gravata encarnada e verde
(e que, no quarto da Engomadeira, existe num retrato em que, em cada um
dos quatro pregos que o sustentam estão chaves penduradas em fitas de seda
com as cores nacionais) e o nome de Cristo:
Christo, cuja unica nodoa consiste em andar
recentemente a dar extensão a appelidos de pessôas que não são muito
extensas (…) eu paro hoje por aqui porque além d'isso ainda tenciono ir ao
Chiado Terrasse com ella, coitadita!
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Pintura de Amadeo de Souza-Cardoso
- Exposição do CAM (2013) .
Mulher decepada .
Brisement de la grâce croisée de violence nouvelle, 1914.
Aguarela sobre Papel .
Foto: MJC |
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Às mulheres de lábios verde-esmeralda cabe-lhes os
afazeres da pobre Pátria-Portugal:
(…) mostrou-me no ventre um contorno de sexo masculino que ella, propria
tinha desenhado a encarnado e enchido de verde esmeralda.
Seja a senhora chic e loira
“que viria ainda para os doces”
e que janta com o protagonista no Laurence’s Hotel em Sintra (que pode ser
a mulher do barbeiro ou mais uma mãe putativa da Engomadeira do título),
seja a mãe que tem de ir comprar um chapéu (que também pode ser de Beja)
sejam as várias varinas (18),
a filha da Senhora Baroneza ou a pretinha das cautelas. Acrescente-se
ainda a Exma. Esposa do Senhor Barbosa e a domadora assassinada pelo
próprio marido dentro da jaula dos tigres. Somem-se chaves, chaves avulso,
molhos de chaves, setecentas e trinta e oito enviadas de Lourenço Marques,
e outras e outras e outras chaves que abrem portas, que abrem gavetas onde
estão mais chaves, o Romeu cor de chave com um molho de chaves como
coleira. Chaves que fecham caixas e abrem memórias, referências.
Só uma mulher tem nome (ou não): a Alice
Emfim, a
infelicidade era tanta, tanta que a propria mãe até já tinha abandonado a
sua carreira de prostituta em Beja e até já lhe propuzera pra se amancebar
com um senhor Barbosa que era de Lisboa”.
A segunda Engomadeira, ou a que está na Caixa
Verde?
Abri a caixa e qual é o meu espanto quando a vejo a ella, sentada lá
dentro a gritar envergonhada pra que eu lhe fechasse a porta! Bom, fechei.
Só um homem não tem nome, o anão (que já não era o
outro anão do mesmo casaco comprido, mas que continuava) – contrastes
simultâneos - cuja morte
finaliza a novela:
No peito cavádo e nú sujo de cabellos negros a branquear repousava obscêno
o verde esmeralda postiço dos labios de uma mulher.
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Para que lado é que fica Paris? |
Judite Nome de Guerra,
cuja primeira Edição data de 1938, é dedicada a Manuel Chambers Ramos e
inicia-se com uma reflexão do narrador/autor sobre a nomeação: “As
pessoas põem nomes a tudo e a si próprias também” introduzindo o que o
Romance vai decompor em nomes, ausências de nomes, alcunhas e referências.
Narra a prodigiosa
trajectória da personagem Antunes pelas Cidades Desencantadas de Porto e
Lisboa – alegorias, elas mesmas, de duas presenças femininas: A Maria
ausente (presente nas cartas de família, sempre a perguntar por ele) e a
Judite presente (dispersa pelas estórias que inventa, até à oitava versão
da morte da mãe, o livro em francês sem as páginas iniciais).
Maria, a dolorosa,
pontua as cartas que Antunes vai recebendo, em resposta às suas
solicitações , o estado de alma de mulher pungente – há-de morrer nessa
ausência. De Judite (“Eram mesmo
duas Judites diferentes”) nomeada “entre
menina e mulher, que só pode
ser bela enquanto estátua mutilada“…
podia ser aproveitada como exemplo
de beleza, depois de sofrer algumas mutilações” sabemos tão pouco como
de Maria – e há-de morrer nessa presença, para Antunes.
Neste romance, Paris, mencionado uma única vez entre a visão do Tejo e as
gargalhadas das gaivotas (“As
mais pequeninas a gritar e a chorar”),
pela interpelação de Judite ao ainda Antunes
“Para
que lado é que fica Paris?”
marca a construção de
um lugar utópico, pela modificação operada na personagem Judite
“parecia-lhe ter acordado e
visto diante de si um homem que não conhecia” - um espaço idealizado e
ideal – uma quimera onde os amantes poderiam encontrar-se
Uma outra pergunta de Judite “Como
é o seu nome” e a subsequente resposta
de Antunes:
Luís
-,
vai dar aos amantes uma nova visão deles próprios. Judite transforma-se na
menina sem culpa que entoa o ‘Tão-ba-la-lão’.
Aqui, o autor sugere ao leitor a sua comoção, numa inocência que evoca a
rima do Menino d’ Olhos de Gigante (19)
ou a Menina Loura das Oleografias em ‘A Invenção do Dia Claro’ (20).
Mulher incaptável
“O meu nome verdadeiro é… /E calou-se”
funciona inicialmente como objecto de
desejo de Antunes e, depois deste ouvir, assombrado, o próprio nome
“…Antunes para todo o mundo e Luís daquela maneira para ninguém”,
como afirmação duma sensualidade amorosa, expressa em
“ Minha
Judite! Minha Judite!”
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Pintura de Amadeo de Souza-Cardoso (fragmento) - Exposição do CAM
(2013) .
Título desconhecido (Coty), 1917.
Óleo e Colagem sobre Tela .
Areia, Vidro, Papel, Cola e Espelho.
Foto: MJC
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A Judite mutilada, incapaz de amar, na
descrição de Almada, despedaçada, estilhaçada como na
Mima Fataxa (‘aquela que me
sorri nas imagens dos espelhos’) opõe-se à visão provinciana de Maria– uma
e. OUTRA OUTRA E UMA 1+1=UMA .
No entanto, uma não
existe sem a outra: “Na sua vida
estava escrito assim; morreu a Maria acabou-se a Judite” A simbólica
destas duas personagens bíblicas: Maria a pura e Judite a sedutora
é indissociável na vida e na morte.
Na vertigem epistolográfica, a carta recebida refere a última palavra de
Maria antes de morrer “Luís” .
O protagonista foge para as estrelas (tinha uma só dele). #O
infinito era-lhe acessível. Via mais longe”.
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Écoute:
https://www.youtube.com/watch?v=X70tMctRfyY |
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Detalhe de Painel de Azulejo.
(O Espaço do Tempo, Convento da Saudação, Montemor–o-Novo) .
Foto: MJC |
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Fernando Pessoa, sob o título “NÓS OS DE «ORPHEU» ( SW 3 - 1935
) conclui - e nós
concluímos com ele: Quanto ao mais, nada mais. Cá estamos sempre.
Orpheu acabou. Orpheu continua.“
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Notas |
(1)
Prose du Transsibérien et de
la Petite Jehanne de France (1ª Edição, 1913), com cores simultâneas
de Mme.Sónia Delaunay, pintora a quem Almada faz referência no início da
Engomadeira.
Cendrars termina com :
Paris/Ville de la Tour unique du Grand Gibet et de
la Roue.
(2) Reunida em INFERNO, escrito em Paris. Veja-se um extracto de
‘La
Tête-de-Mort -Acherontia Atropos’
(pp.68-73):
(…) Mais le maquereau d'or se roulant au milieu des paquets de mer, dont
l'embrun brise les rayons du soleil, a passé à la teinture sous l'arc-en-ciel, imprimé sur un
fond d'or et d'argent...
Qu'est-ce tout ceci sinon de la photographie?
(…)
(3) Cf.
Massenet-
Meditation de Thaïs
(4) O
Portugal Futurista inclui um texto sobre a passagem dos ‘Bailados
Russos’ em Lisboa (1917), da autoria de Almada Negreiros, Ruy Coelho e
José Pacheko que os consideram:
O máximo da disciplina individual, o domínio absoluto da personalidade.
Cf. The History of
Diaghilev's Ballets Russes 1909-1929
(5)
Béatrice
Joyeux-Prune :
L’art de la mesure
| Le Salon d’Automne (1903-1914), l’avant-garde, ses étrangers et
la nation française
(6) Marinetti,
Manifesto Futurista (1909)
Allons, dis-je,
mes amis ! Partons ! Enfin la
Mythologie et l’Idéal mystique sont surpassés
Original publication
in French:
Le Figaro,
Paris, February 20, 1909 (Italian version
here
(7) In A
Viagem ou o que não se pode prever, Andaimes e Vésperas, p.163
(8)
Adaptted from the Russian by Augustus Young
ARS INTERPRES, An International Journal of Poetry, Translation and and Art
http://www.arsint.com/2006/v_m_6.html
(9) De 23 Dezembro de 2012 a 15 de Abril de 2013
esteve patente no MOMA a exposição ‘Inventing Abstraction 1910-1925’ que
incluiu, entre outros, artistas como Kandisky, Picabia e Robert Delaunay,
http://www.moma.org/visit/calendar/exhibitions/1291
(10)
Translated in Lindsay and Vergo, Kandinsky,
Complete Writings, p. 409.
(11) Fernando Pessoa,
A Nova Poesia Portuguesa
Sociologicamente considerada
(12) É
de 1914 o poema de Marinetti
Zang Tumb Tumb,
com fontes tipográficas inovadoras. As “parole in libertà”
transportam visualmente
para o poema a carga simbólica dos sons da Batalha de Adrianopólis,
Edirne, Turquia (Primeira Guerra dos Balcãs, Nov. 1912-Mar. 1913. Terminou
com a vitória do exército sérvio-búlgaro).
(13) Na I Conferência Futurista,
no Teatro República, a 4 de Abril de 1917, Almada Negreiros declara
formalmente a existência do movimento futurista em Portugal.
(14) Nuno Júdice, A Ideia nacional no período
modernista português (p 327)
Sem dúvida, é o caracter sistemático e teórico da obra desta geração,
sobretudo no que respeita a Fernando Pessoa, mas também a outros membros
do grupo modernista, como Almada-Negreiros, que vem dar um contributo pela
afirmativa para a definição de uma nova imagem de Nação. (p.324).
E:
Quer num
quer noutro caso, tentam contrapor a esse rumo uma ideia moderna de Nação,
que implica a perspectiva cosmopolita da abertura às influências
estrangeiras em Pessoa, e o diálogo intercultural em Almada. (p.330).
(15) Almada tinha publicado no Orpheu 1 (1915) um
texto em prosa sob o mesmo título: Mima Fataxa
De feito Ele tornara escrava de uma cigana a sua alma apaixonada de uma
rainha loira senhora de todas as ciganas. Fora d’Ela desde o dia em que,
seguindo o ritmo acanalhado das ancas desconjuntadas, ficou enfeitiçado
por aqueles dentes brancos ferindo lume no colar de pederneiras.
(16) Refira-se, na
Manucure de Mário de
Sá-Carneiro
Junto de mim ressoa um timbre:
Laivos sonoros!
Era o que faltava
na paisagem...
(17) Referidos
pelo Senhor Barbosa que “disse
com um A! ao oficial que Wagner foi um grande musico”
(18) No poema
de Almada, ‘A Varina’, de 1926, lê-se: “…por ela, fiz versos a
todas as varinas…” (Andaimes e Vésperas, II Parte) p.187.
(19) O Menino d’olhos de Gigante (extracto)
Ia o menino a pensar
que há tanto por pensar
e a cidade a descansar. que Deus me deu para olhar
(20) A Invenção do Dia Claro (extracto)
Eu não
me lembro de nada! Ah! lembro-me! Lembro-me de ter ajudado a levar pedras
para as pyramides do Egypto! Tambem me lembro de me ter chamado José,
antigamente, com meus irmãos e uma mulher! Mãe! Estou a lembrar-me! Tu já
fôste a menina loira! Eu já fui o menino verdadeiro a quem tu davas de
mamar! Eu já estive comtigo na terceira oleografia! Lembro-me exactamente!
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Referências Bibliográficas e Fontes disponíveis na WWW |
Almada Negreiros, José de Obras Completas, Editorial Estampa, Lisboa:
1971Almada Negreiros, José de A Engomadeira (Vol. 1, Contos
e Novelas) Obras Completas, Editorial Estampa, Lisboa: 1971Almada
Negreiros, José de Nome de Guerra (Vol. 2 Romance) Obras Completas,
Editorial Estampa, Lisboa: 1971Almada-Negreiros, José de A
Varina (1926) (Andaimes e Vésperas, II Parte) in Obras Completas,
Editorial Estampa, Lisboa: 1971, p. 187Almada-Negreiros,
José de A Viagem ou o que não se pode prever (Andaimes e Vésperas, II
Parte) in Obras Completas, Editorial Estampa, Lisboa: 1971, p. 163Almada
Negreiros, José de Frisos [publicado em Orpheu 1, 1915] in Poemas,
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Pessoa e Álvaro de Campos foram consultados no
Arquivo Pessoa, mantendo-se as
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http://arquivopessoa.net/textos/3090
Saudação a Walt Whitman [a]
11-6-1915
Álvaro de
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transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa,
1993.
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inc.: Poesias de Álvaro de Campos . Fernando Pessoa. (Nota editorial
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http://arquivopessoa.net/textos/926
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Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).- 162.
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http://arquivopessoa.net/textos/135
Ode Triunfal
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Junho. 6-1914
Poesias de
Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).- 144.
1ª publ. in Orpheu, nº1. Lisboa Jan.-Mar. 1915.
Lacunas completadas segundo: Álvaro de Campos - Livro de Versos. Fernando
Pessoa. (Edição Crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de
Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993
http://arquivopessoa.net/textos/2459
Marinetti, Académico
s.d.
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando
Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).- 303
http://arquivopessoa.net/textos/91
Nós os de Orpheu, 1935
Textos de Crítica e de Intervenção .
Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1980. - 227.
1ª publ. in “Sudoeste”,
nº 3. Lisboa: Nov. 1935.
http://arquivopessoa.net/textos/646
Inventing Abstraction 1910-1925, MOMA (Dez
2012-Ab 2013)
http://www.moma.org/visit/calendar/exhibitions/1291
Les Cloches de Corneville
Ø 1e acte. Openingsscène.mpg
(duração: 7’46’’)
http://www.youtube.com/watch?v=Dzykgnk-yHw
Ø Movie (Silent)
based on Opera(1917)
http://www.imdb.com/title/tt0275266/?ref_=fn_al_tt_1
Marinetti, F.T.The
Founding and Manifesto of Futurism: http://www.italianfuturism.org/manifestos/foundingmanifesto/
Marinetti, F.T Manifesto Futurista (1909)
Original publication in French:
Le Figaro, Paris, February 20, 1909 (Italian version
here)
Marinetti, F.T Zang Tumb
Tumb
http://www.colophon.com/gallery/futurism/2.html
Jules Massenet- Meditation de Thaïs
(duração: 5’42’’)
Intérpretes: Sarah Chang e Placido Domingo
http://www.youtube.com/watch?v=LasbhkKzfOo
Menino d’Olhos de Gigante (Desenho e
Manuscrito), CAM
http://cam.gulbenkian.pt/index.php?article=67236&visual=2&langId=1&queryParams=,
autor%7CJos%C3%A9%20de%20Almada%20Negreiros&position=6&queryPage=5&debug=1
Que
reste t-il de nos amours (duração: 01’42’’)
(lyrics & music: Charles Trenet / Léo Chauliac)
(1942)
http://www.youtube.com/watch?v=X70tMctRfyY
Revista Contemporânea (1915-26)
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/FichasHistoricas/Contemporanea.pdf
Salão Chiado (Porto)
http://www.cinemateca.pt/getattachment/6b8bef74-04a5-4729-
a182-9fe34c6b98ca/
Salao-Chiado.aspx
Sob o
signo de Amadeo. Um século de arte, Exposição no Centro de Arte Moderna
(26 jul 2013 | 19 jan 2014, Lisboa.
Em breve:
Sob o Signo de Amadeo - Ciclo de conferências (7, 14, 21 e 28 de Novembro
de 2013)
http://www.cam.gulbenkian.pt/index.php?article=71742& visual=2&langId=1
Obras de
Amadeo patentes na Exposição
http://www.cam.gulbenkian.pt/index.php?headline=94&visual=2&pesquisar=1&autor=Amadeo
de Souza-Cardoso&langId=1
Sonia Delaunay-Terk and
Blaise Cendrars. La Prose du Transsibérien et de la petite Jehanne de
France (Prose of the Trans-Siberian and of little Joan of France. 1913).
(duração: 01’56’’)
1913http://www.moma.org/explore/multimedia/audios/339/4328
The History of
Diaghilev's Ballets Russes 1909-1929
http://russianballethistory.com/
The Kandinsky Project .
Wassily Kandinsky in the 21st Century
http://thekandinskyproject.wordpress.com/
Wassily Mayakovsy Cloud
in Pants (Adaptted from the Russian by Augustus Young)
ARS INTERPRES, An
International Journal of Poetry, Translation and Art
http://www.arsint.com/2006/v_m_6.html
Dispositivo de Captação de Imagem: N95,
(Câmara digital: 5 Megapixels, Lente Zeiss de 2592 x 1944 pixels)
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