MARIA JOSÉ CAMECELHA
Maria José Camecelha. Vive e trabalha em Lisboa. Foi Assessora no Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais (DPP) e na Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Mestre em História Cultural e Política pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-UNL), desenvolve actividades no âmbito das Políticas Públicas e projectos criativos nas áreas de fotografia, dramaturgia e produção.
Paris e o Modernismo
Este trabalho foi elaborado no âmbito do Seminário do Professor Nuno Júdice O Modernismo português no contexto europeu’ Escola de Verão | FCSH/ULN | Lisboa | 2013





Centro de Lareira .
(Lareira de Sala de Jantar,
Antiga Casa de Amélia Rey Colaço, Lapa, Lisboa).
Foto: MJC
Preâmbulo

Em Paris, no início do Século XX reunia-se uma elite artística extraordinária. Entre outros, Modigliani, Blaise Cendrars (Dis, Blaise, sommes-nous bien loin de Montmartre (1), Delaunay, Amadeo de Souza-Cardoso, Sta. Rita Pintor, Maeterlinck (“Bendito seja”, refere Almada na sua Sinfonia Cosmopolita), Marinetti, Sá-Carneiro, anunciavam novos conceitos de Arte e Strindberg esboçava a sua obra autobiográfica (2).

Fotografia, Música, Imagens em Movimento, as Óperas (Thais (3), referida por Almada no poema Mima-Fatáxa), os Ballets Russes (4) o Salon d’Automne (5), o Manifesto Futurista (6), aportam à capital francesa contribuindo para o sentir de Almada:

Em Paris é tudo de carne e osso (7)

O Cinema, Arte indissociável para a compreensão do Modernismo e das suas repercussões tem pontos altos no início do Século XX, nomeadamente no denominado Expressionismo Alemão (cujas figuras de referência são Pabst, Murnau, Fritz Lang ou Wiene), na Suécia com Sjostrom ou nos Estados Unidos com D. W. Griffith ou Lubitsch. Na União Soviética, a inovação e génio de Eisenstein expressos na sua filmografia e escritos teóricos contribuíram para essa modernidade.

Refira-se neste contexto Vsevolod Pudovkin “Potomok Chingis-Khana” (Tempestade sobre a Ásia), em que um dos argumentistas foi Osip Brick, poeta futurista russo Com Mayakovsky (que, em 1920, viaja para Paris onde visita os estúdios de Picasso e Legér) este poeta tem grande impacto na Europa e nos Estados Unidos. Em 1915 Osip Brik tinha financiado a publicação de Mayakovsky Cloud in Pants, A Tetraptych (8), de que se apresenta um extracto:

My Mona Lisa
stolen before my eyes.
from my personal Louvre.

I should have guessed
a Gioconda
has got to be stolen.

I’ll gamble on mistresses
of Old Masters again,
 
with fevered brow. 
Sure, tramps
often find refuge
in a ruin.

I will stake all
on a foregone conclusion.

Prosseguindo uma leitura do Modernismo e das Vanguardas note-se igualmente experiências como a da Bauhaus, na Alemanha, fundada por Walter Gropius em 1919 e encerrada pelo regime nazi em 1933, marco para o desenvolvimento de uma ideia nova de arquitectura, arte e design. É na Bauhaus que Wassily Kandinsky cuja reflexão abstraccionista (9) abrirá portas à modernidade na pintura - lecciona até ao fecho, partindo depois para Paris.

Kandinsky inicia ‘On the Artist’ (10) (Om Konstnären, Stockholm, 1916) da seguinte forma:

“On the dazzling white a black dot unexpectedly burns. It becomes larger, still larger, unceasingly larger.
Suddenly, an archipelagic scatter of black spots, which continually increase in number and size, is sifted out over the intense-white, as through a fine sieve.
Over the fields rises the sound of invisibly flowing waters, at first hardly audible, then louder and louder. Many voices, each singing a different song, uniting, interweaving – a multi-voiced choir.

And the light becomes dark; the dark, light.
In the rose-coloured sky the yellow sun rolls, surrounded by a violet wreath of rays, Strident yellow and pale-blue rays string the lilac-coloured ground, piercing it, luring forth thousands of voices – the air vibrates with soughing.
Gray clouds veil the yellow sun and turn black. Long, straight, unpliable silver threads streak the introverting space.
Suddenly, everything becomes silent.
In rapid succession, burning zig-zag rays split the air. The skies burst. The ground cleaves. And rumbling thunderclaps break the silence.
The lilac-coloured earth has turned gray. The gray sweeps violently, irresistibly, along the hills. Gaudy colours filter through the mesh of the sieve.
Space trembles from thousands of voices. The world screams.
It is an old picture of the new spring.”

 

A originalidade e complexidade de escritores como Pessoa, Almada e Sá-Carneiro conferem ao Modernismo português uma singularidade, pela profunda reflexão estética das suas obras e pelo acompanhamento das tendências criativas de vanguarda.

Em 1912, escreve Pessoa na revista Águia (11)

Ousemos concluir isto, onde o raciocínio excede o sonho: que a actual corrente literária portuguesa é completa e absolutamente o princípio de uma grande corrente literária, das que precedem as grandes épocas criadoras das grandes nações de quem a civilização é filha.

Ponto de partida para a viagem modernista e multifacetada em que Pessoa se separa da Águia e desenvolve toda uma nova ideia de literatura. De referir a importância de Walt Whitman nesta trajectória, saudado por Álvaro de Campos em 1915:

Portugal-Infinito, onze de Junho de mil novecentos e quinze...

Hé-lá-á-á-á-á-á-á!

De aqui, de Portugal, todas as épocas no meu cérebro,

Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo,

Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos

Assinalem-se a Ode Triunfal (Londres, 1914, publicada no Orpheu nº 1. Lisboa: 1915) e a Ode Marítima   (s/d publicada no Orpheu nº 2. Lisboa: Abril-Junho 1915), ambas de Álvaro de Campos:

Ode Triunfal (extracto)

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica

Tenho febre e escrevo.

Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,

Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno!

Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!

Em fúria fora e dentro de mim,

Por todos os meus nervos dissecados fora,

Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!

Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,

De vos ouvir demasiadamente de perto,

E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso

De expressão de todas as minhas sensações,

Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Ode Marítima (extracto)

Nada perdeu a poesia. E agora há a mais as máquinas

Com a sua poesia também, e todo o novo género de vida

Comercial, mundana, intelectual, sentimental,

Que a era das máquinas veio trazer para as almas.

As viagens agora são tão belas como eram dantes

E um navio será sempre belo, só porque é um navio.

Viajar ainda é viajar e o longe está sempre onde esteve —

Em parte nenhuma, graças a Deus!

 

Também de Álvaro de Campos, Marinetti, Académico (s/d), de que se inclui o final do poema:

As Musas vingaram-se com focos eléctricos, meu velho,

Puseram-te por fim na ribalta da cave velha,

E a tua dinâmica, sempre um bocado italiana, f-f-f-f-f-f

    f-f......

 

No Manucure | Apoteose (Lisboa, Maio de 1915), Mário de Sá-Carneiro celebra as “Palavras em Liberdade” (12): A inovação do verso livre percorre todo o poema contribuindo para uma leitura contemporânea.

A par com Santa Rita Pintor, Almada, Amadeo, Sá-Carneiro, Raul Leal, Fernando Pessoa e Álvaro de Campos, Blaise Cendrars e Appolinaire encontram-se no Portugal Futurista de 1917, número único (apreendido pela Censura). E também Marinetti que, em 1913, tinha anunciado que o Futurismo marcava o nascimento da Poesia.
Trilogia Parisiense

O pensamento crítico de Almada sobre Portugal e os Portugueses está presente no final do “Ultimatum futurista às gerações portuguesas do século XX “ (13):

O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos faltam as qualidades.

Em Nome de Guerra, Almada escreve:

O papel da sociedade é imediatamente mais evidente sobre cada pessoa que o atropelado movimento das gerações que a antecederam e que lhe determinaram o seu sangue, mas aquela não vale esta.

Neste contexto, refira-se o artigo de Nuno Júdice A ideia nacional no período modernista português onde o autor assinala a proposta de Almada Negreiros na (Sudoeste, 1935) de “uma definição nacional avançada. (14)  

É no seu duplo perfil de escritor |pintor,  como enunciado em Nome de Guerra “O autor destas páginas também desenha, e não sabe expressar por palavras a extraordinária impressão que recebe sempre que copia o perfil de qualquer pessoa.” que  se abordará, neste trabalho, a presença de Paris e a forma como essa presença é objectivada no poema ‘Mima-Fatáxa’ (15) (Publicado em 1917 no Portugal Futurista), na novela ‘A Engomadeira’ (Primeira Edição, também no Portugal Futurista) e no romance  Nome de Guerra’ (Primeira Edição 1938).

As referências presentes em cada um dos escritos de Almada sugerem três diferentes sentidos para Paris: transfigurado na Mima-Fatáxa; banalizado na Engomadeira e idealizado em [Judite] Nome de Guerra, correspondendo a diferentes visões da mesma Cidade.

Encomendas antecipadas podem ser feitas a Amadeu de Sousa Cardoso, rue des fleurs, Paris

O poema refere, na edição de 1917, a “fenomenal colaboração do pintor Amadeo de Sousa Cardoso”) e como título completo ‘Mima-Fatáxa,  Sinfonia Cosmopolita e Apologia do Triângulo Femenino. ‘ Dentro do enquadramento do título lê-se: ‘Edição de Paris.’

Na dedicatória “A ti, pra que não julgues que a dedico a outra “, o autor enuncia a síntese do que irá desenvolver ao longo do Poema: uma mulher, todas as mulheres: A Mulher.

Pintura de Amadeo de Souza-Cardoso (fragmento), com reflexo de mão e público - Exposição do CAM (2013). Título desconhecido (Coty), 1917. Óleo e Colagem sobre Tela. Areia, Vidro, Papel, Cola e Espelho. Foto_Composta: MJC

Ponto luminoso desde o início -  Aquela que ri nos relâmpagos” - , Paris   transfigura-se na Mulher que beija o poeta  nas imagens dos espelhos e se desdobra em múltiplas: Cleópatra, Mona Lisa, a que se sente nos joelhos, as bailarinas depois de Dègas, propondo uma visão encantada e feérica da Cidade-Luz Dançante, que se sucede (se a leitura assim o permitisse) em sequências simultâneas. A complexidade de referências visuais no poema convoca imaginários femininos de diferentes épocas e simbologias, numa Paris universal.

Attention

: Il n’y a qu’une Ville: PARIS

C’est là haut qu’Elle  vive partout

A do sangue verde- esmeralda

Essa, sim,  quero eu cantar”

Elle (com maiúscula ) não pode existir a não ser na Cidade-Luz, na cidade onde todas as mulheres se metamorfoseiam numa, em que o olhar se desdobra em reflexos de reflexos, visuais e sonoros.

Ópera  - 7h 50: Thais

Zunem pandeiros na ferrugem dos aros (16)

Aquilo que Almada nomeia “gincana das vogais” produz uma tensão permanente em todo o poema, mais uma vez com recorrências que percorrem a sua obra, como a menina loira das oleografias:

Labirintos elegantes de filigrama em azul simples da inicial sozinha

Pálido clima impresso asilo

Requintes bordados a Nossa-Senhora-Mulher

Frágil esfera da Maternidade-Cetim

                                :É um rapaz! Deixem-na dormir.

Ecoa nesta Mima o prazer pela descoberta recente de outras formas de estar em palco que não as do teatro tradicional e.g  Isadora Duncan dançando nua a Marcha Militar”.

A linguagem recria-se, procura novos sentidos que emergem de relações inusuais entre palavras, acrescenta sons, fagulhas de luz, termos novos. Abraça o futuro no presente.

 Zomba

           Zune

           e tine

A pandeireta Zíngara

          Wanda

A pandeireta russa

          Monna Liza

A pandeireta zinco

          Cacimba-Acetilene

A pandeireta-lata da Andaluzia

          pra ir ao ar

ou i ou ai

não penses Esfinge!

Gomos de laranja a baloiçar Cavalo de Tróia!

         Gincana das Vogais

         Final do Poema

         :Não penses Esfinge! 

Cicerone dos Labirintos, na palavra do Poeta “Não Penses Esfinge”, esta Mima da Cidade Cosmopolita desenrola, até ao final, uma série de imagens feéricas que convocam outras tantas mulheres que serpenteiam sonoramente num imaginário talvez visto, talvez pressentido, talvez sonhado.

Temos esta elegancia, esta devoção, este farol da Fé

Na Engomadeira, o Paris enunciado no Prefácio - um “Farol da Fé” -, está em clara oposição com as referências que, aqui e ali, pontuam a novela. Há nesta utilização de Paris aquilo que Ernesto de Sousa refere na Alternativa Zero (1977)

(…) certas formas do esperpento espanhol; até à falsa ilusão da posse modo kitsch que afecta sobretudo as classes médias. 

Lisboa surge como um Paris em segunda mão ““As avenidas alli n'aquelles sitios mal iliuminados faziam-me, não sei porquê, lembrar dos apaches de Paris”, dos figurinos desenhados “que veem de Paris”, aos Sinos de Corneville (17) interpretados pelo Asylo da Mendicidade na Avenida, à Marselheza que as coccóttes sabem de cor. Aqui, Paris é acedida como se fosse um cardápio de termos avulsos: o inverso do fulgor de Mima-Fatáxa. Na morte do barbeiro:

O creado disse-me o menu com muita pena do barbeiro e que considerava o assassinato um vandalismo mas que se eu não quizesse potage à la valencienne tambem tinha puré de legumes à la mexicaine. Pobre barbeiro!.

Um detalhe:

Achei mesmo dois mundos differentes dentro de um mesmo prego—um era a cabeça do prego, o resto era o outro. O que me interessou mais foi justamente o que era apenas a cabeça do prego. E logo havia outro mundo n'outra cabeça de prego… e outro n'uma cabeça de prego maior… e outro n'outra cabeça de prego ainda maior, e outro n'uma cabeça de prego da altura da Torre Eiffel e um prego cuja cabeça fôsse a Terra e apesar d'isso ainda houvesse outros pregos muitissimo maiores. 

Os olhos que olham são masculinos e, de novo, o Espelho surge associado à mulher tipificada e sem nome:

Quando o senhor Barbosa metteu a chave á porta e achou o silencio abafado d'aquelle quarto meio-illuminado teve a impressão que ella tinha posto um espêlho muito grande ao comprido sobre a cama e que depois se tinha deitado toda núa com o ventre pra baixo. (…) Esteve assim perto de meia-hora a gosar aquelle Paris-salon. 

Como em ‘Nome de Guerra’, só os homens têm nome (ou não) – e.g. Sebastião, o de Alcácer Quibir e Sebastião, o galego, o Barbosa do bico do alfinete que traz espetado na gravata encarnada e verde (e que, no quarto da Engomadeira, existe num retrato em que, em cada um dos quatro pregos que o sustentam estão chaves penduradas em fitas de seda com as cores nacionais) e o nome de Cristo:

Christo, cuja unica nodoa consiste em andar recentemente a dar extensão a appelidos de pessôas que não são muito extensas (…) eu paro hoje por aqui porque além d'isso ainda tenciono ir ao Chiado Terrasse com ella, coitadita!

 

 

 

Pintura de Amadeo de Souza-Cardoso  - Exposição do CAM (2013) . Mulher decepada . Brisement de la grâce croisée de violence nouvelle, 1914. Aguarela sobre Papel .

Foto: MJC

Às mulheres de lábios verde-esmeralda cabe-lhes os afazeres da pobre Pátria-Portugal:

(…) mostrou-me no ventre um contorno de sexo masculino que ella, propria tinha desenhado a encarnado e enchido de verde esmeralda.

Seja a senhora chic e loira “que viria ainda para os doces” e que janta com o protagonista no Laurence’s Hotel em Sintra (que pode ser a mulher do barbeiro ou mais uma mãe putativa da Engomadeira do título), seja a mãe que tem de ir comprar um chapéu (que também pode ser de Beja) sejam as várias varinas (18), a filha da Senhora Baroneza ou a pretinha das cautelas. Acrescente-se ainda a Exma. Esposa do Senhor Barbosa e a domadora assassinada pelo próprio marido dentro da jaula dos tigres. Somem-se chaves, chaves avulso, molhos de chaves, setecentas e trinta e oito enviadas de Lourenço Marques, e outras e outras e outras chaves que abrem portas, que abrem gavetas onde estão mais chaves, o Romeu cor de chave com um molho de chaves como coleira. Chaves que fecham caixas e abrem memórias, referências.

Só uma mulher tem nome (ou não): a Alice

Emfim, a infelicidade era tanta, tanta que a propria mãe até já tinha abandonado a sua carreira de prostituta em Beja e até já lhe propuzera pra se amancebar com um senhor Barbosa que era de Lisboa”.  

A segunda Engomadeira, ou a que está na Caixa Verde? 

Abri a caixa e qual é o meu espanto quando a vejo a ella, sentada lá dentro a gritar envergonhada pra que eu lhe fechasse a porta! Bom, fechei.

Só um homem não tem nome, o anão (que já não era o outro anão do mesmo casaco comprido, mas que continuava) – contrastes simultâneos -  cuja morte finaliza a novela:

No peito cavádo e nú sujo de cabellos negros a branquear repousava obscêno o verde esmeralda postiço dos labios de uma mulher.

Para que lado é que fica Paris?

Judite Nome de Guerra, cuja primeira Edição data de 1938, é dedicada a Manuel Chambers Ramos e inicia-se com uma reflexão do narrador/autor sobre a nomeação: “As pessoas põem nomes a tudo e a si próprias também” introduzindo o que o Romance vai decompor em nomes, ausências de nomes, alcunhas e referências.

Narra a prodigiosa trajectória da personagem Antunes pelas Cidades Desencantadas de Porto e Lisboa – alegorias, elas mesmas, de duas presenças femininas: A Maria ausente (presente nas cartas de família, sempre a perguntar por ele) e a Judite presente (dispersa pelas estórias que inventa, até à oitava versão da morte da mãe, o livro em francês sem as páginas iniciais).

Maria, a dolorosa, pontua as cartas que Antunes vai recebendo, em resposta às suas solicitações , o estado de alma de mulher pungente – há-de morrer nessa ausência. De Judite (“Eram mesmo duas Judites diferentes”) nomeada “entre menina e mulher, que só pode ser bela enquanto estátua mutilada“… podia ser aproveitada como exemplo de beleza, depois de sofrer algumas mutilações” sabemos tão pouco como de Maria – e há-de morrer nessa presença, para Antunes.

Neste romance, Paris, mencionado uma única vez entre a visão do Tejo e as gargalhadas das gaivotas (“As mais pequeninas a gritar e a chorar”), pela interpelação de Judite ao ainda Antunes

Para que lado é que fica Paris?”

marca a construção de um lugar utópico, pela modificação operada na personagem Judite  parecia-lhe ter acordado e visto diante de si um homem que não conhecia” - um espaço idealizado e ideal – uma quimera onde os amantes poderiam encontrar-se

Uma outra pergunta de Judite “Como é o seu nome” e a subsequente resposta  de Antunes: Luís  -, vai dar aos amantes uma nova visão deles próprios. Judite transforma-se na menina sem culpa que entoa o ‘Tão-ba-la-lão’. Aqui, o autor sugere ao leitor a sua comoção, numa inocência que evoca a rima do Menino d’ Olhos de Gigante (19) ou a Menina Loura das Oleografias em ‘A Invenção do Dia Claro’ (20).

Mulher incaptável “O meu nome verdadeiro é… /E calou-se” funciona inicialmente como objecto de desejo de Antunes e, depois deste ouvir, assombrado, o próprio nome “…Antunes para todo o mundo e Luís daquela maneira para ninguém”, como afirmação duma sensualidade amorosa, expressa em Minha Judite! Minha Judite!”



Pintura de Amadeo de Souza-Cardoso (fragmento) - Exposição do CAM (2013) . Título desconhecido (Coty), 1917.

Óleo e Colagem sobre Tela . Areia, Vidro, Papel, Cola e Espelho.

Foto: MJC

A Judite mutilada, incapaz de amar, na descrição de Almada, despedaçada, estilhaçada como na Mima Fataxa (‘aquela que me sorri nas imagens dos espelhos’) opõe-se à visão provinciana de Maria– uma e. OUTRA OUTRA E UMA 1+1=UMA .

No entanto, uma não existe sem a outra: “Na sua vida estava escrito assim; morreu a Maria acabou-se a Judite” A simbólica destas duas personagens bíblicas: Maria a pura e Judite a sedutora  é indissociável na vida e na morte.

Na vertigem epistolográfica, a carta recebida refere a última palavra de Maria antes de morrer “Luís .

O protagonista foge para as estrelas (tinha uma só dele). #O infinito era-lhe acessível. Via mais longe.

Écoute:
https://www.youtube.com/watch?v=X70tMctRfyY



Detalhe de Painel de Azulejo.
(O Espaço do Tempo, Convento da Saudação, Montemor–o-Novo) .
Foto: MJC

Fernando Pessoa, sob o título “NÓS OS DE «ORPHEU» ( SW 3 - 1935 ) conclui  - e nós concluímos com ele:
Quanto ao mais, nada mais. Cá estamos sempre.
Orpheu acabou. Orpheu continua.“

Notas

(1) Prose du Transsibérien et de la Petite Jehanne de France (1ª Edição, 1913), com cores simultâneas de Mme.Sónia Delaunay, pintora a quem Almada faz referência no início da Engomadeira.

Cendrars termina com :

Paris/Ville de la Tour unique du Grand Gibet et de la Roue.

(2) Reunida em INFERNO, escrito em Paris. Veja-se um extracto de La Tête-de-Mort -Acherontia Atropos’  (pp.68-73):

(…) Mais le maquereau d'or se roulant au milieu des paquets de mer, dont l'embrun brise les rayons du soleil, a passé à la teinture sous l'arc-en-ciel, imprimé sur un fond d'or et d'argent...

Qu'est-ce tout ceci sinon de la photographie? (…)

(3) Cf. Massenet- Meditation de Thaïs

(4) O Portugal Futurista inclui um texto sobre a passagem dos ‘Bailados Russos’ em Lisboa (1917), da autoria de Almada Negreiros, Ruy Coelho e José Pacheko que os consideram:

O máximo da disciplina individual, o domínio absoluto da personalidade.

Cf.   The History of Diaghilev's Ballets Russes 1909-1929

(5) Béatrice Joyeux-Prune :  L’art de la mesure  | Le Salon d’Automne (1903-1914), l’avant-garde, ses étrangers et la nation française

(6)  Marinetti, Manifesto Futurista (1909)

Allons, dis-je, mes amis ! Partons ! Enfin la Mythologie et l’Idéal mystique sont surpassés

Original publication in French: Le Figaro, Paris, February 20, 1909 (Italian version here

(7) In A Viagem ou o que não se pode prever, Andaimes e Vésperas, p.163

(8) Adaptted from the Russian by Augustus Young

ARS INTERPRES, An International Journal of Poetry, Translation and and Art

 http://www.arsint.com/2006/v_m_6.html

(9) De 23 Dezembro de 2012 a 15 de Abril de 2013 esteve patente no MOMA a exposição ‘Inventing Abstraction 1910-1925’ que incluiu, entre outros, artistas como Kandisky, Picabia e Robert Delaunay,

http://www.moma.org/visit/calendar/exhibitions/1291

(10) Translated in Lindsay and Vergo, Kandinsky, Complete Writings, p. 409.

(11) Fernando Pessoa,  A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente considerada

(12) É  de 1914 o poema de Marinetti  Zang Tumb Tumb,  com fontes tipográficas inovadoras. As “parole in libertà”  transportam visualmente  para o poema a carga simbólica dos sons da Batalha de Adrianopólis, Edirne, Turquia (Primeira Guerra dos Balcãs, Nov. 1912-Mar. 1913. Terminou com a vitória do exército sérvio-búlgaro).

(13) Na I Conferência Futurista, no Teatro República, a 4 de Abril de 1917, Almada Negreiros declara formalmente a existência do movimento futurista em Portugal.

(14) Nuno Júdice, A Ideia nacional no período modernista português (p 327)

Sem dúvida, é o caracter sistemático e teórico da obra desta geração, sobretudo no que respeita a Fernando Pessoa, mas também a outros membros do grupo modernista, como Almada-Negreiros, que vem dar um contributo pela afirmativa para a definição de uma nova imagem de Nação. (p.324).  E:

Quer num quer noutro caso, tentam contrapor a esse rumo uma ideia moderna de Nação, que implica a perspectiva cosmopolita da abertura às influências estrangeiras em Pessoa, e o diálogo intercultural em Almada. (p.330).

(15) Almada tinha publicado no Orpheu 1 (1915) um texto em prosa sob o mesmo título: Mima Fataxa

De feito Ele tornara escrava de uma cigana a sua alma apaixonada de uma rainha loira senhora de todas as ciganas. Fora d’Ela desde o dia em que, seguindo o ritmo acanalhado das ancas desconjuntadas, ficou enfeitiçado por aqueles dentes brancos ferindo lume no colar de pederneiras.

(16) Refira-se, na  Manucure de Mário de Sá-Carneiro

Junto de mim ressoa um timbre:

Laivos sonoros!

Era o que faltava na paisagem...

(17) Referidos pelo Senhor Barbosa que “disse com um A! ao oficial que Wagner foi um grande musico

(18) No poema  de Almada, ‘A Varina’, de 1926, lê-se: “…por ela, fiz versos a todas as varinas…” (Andaimes e Vésperas, II Parte) p.187.

(19) O Menino d’olhos de Gigante (extracto)

Ia o menino a pensar

que há tanto por pensar

e a cidade a descansar. que Deus me deu para olhar

(20) A Invenção do Dia Claro (extracto)

Eu não me lembro de nada! Ah! lembro-me! Lembro-me de ter ajudado a levar pedras para as pyramides do Egypto! Tambem me lembro de me ter chamado José, antigamente, com meus irmãos e uma mulher! Mãe! Estou a lembrar-me! Tu já fôste a menina loira! Eu já fui o menino verdadeiro a quem tu davas de mamar! Eu já estive comtigo na terceira oleografia! Lembro-me exactamente!

Referências Bibliográficas e Fontes disponíveis na WWW
Almada Negreiros, José de Obras Completas, Editorial Estampa, Lisboa: 1971Almada Negreiros, José de A Engomadeira (Vol. 1, Contos e Novelas) Obras Completas, Editorial Estampa, Lisboa: 1971Almada Negreiros, José de Nome de Guerra (Vol. 2 Romance) Obras Completas, Editorial Estampa, Lisboa: 1971Almada-Negreiros, José de A Varina (1926) (Andaimes e Vésperas, II Parte) in Obras Completas,  Editorial Estampa, Lisboa: 1971, p. 187Almada-Negreiros, José de A Viagem ou o que não se pode prever (Andaimes e Vésperas, II Parte) in Obras Completas, Editorial Estampa, Lisboa: 1971, p. 163Almada Negreiros, José de Frisos [publicado em Orpheu 1, 1915] in Poemas, edição de Fernando Cabral Martins, Luis Manuel Gaspar e Mariana Pinto dos Santos, Assírio & Alvim, Lisboa: 2001.

Almada-Negreiros, José de Mima Fataxa, Orpheu 1 Lisboa: 1915, Edição Fac-similada, Contexto, Lisboa: 1980, p. 54 Almada-Negreiros, José de Mima-Fatáxa – Sinfonia Cosmopolita e Apologia do Triangulo Femenino, Portugal Futurista, Lisboa: 1917   

Almada Negreiros, José de, Coelho, Ruy, Pacheko, José  Bailados Russos em Lisboa, Portugal Futurista, Lisboa: 1917

Cendrars, Blaise Poesia em Viagem, Assírio & Alvim, Lisboa: 2005

Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, coordenação de Fernando Cabral Martins, Caminho, Lisboa, 2008.

Júdice, Nuno A ideia nacional no período modernista português Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n" 9, Lisboa, Edições Colibri, 1996, pp. 323-333.

La Légende de Saint Julien L' Hospitalier de Amadeo Souza-Cardoso, Gustave Flaubert (inclui Ensaio de Maria Filomena Molder), Assírio & Alvim, Lisboa: Edição/reimpressão: 2006

Presença. Publicação Comemorativa do Cinquentenário da fundação da “Presença”. Secretaria de Estado da Cultura, Lisboa, 1977

Sá Carneiro, Mário Manucure in Orpheu 1 Lisboa: 1915, Edição Facsimilada, Contexto, Lisboa: 1980,pp. 98 107

Strindberg, Auguste Inferno, Mercure de France, Paris: 1966

A Cinematographia oficial

http://www.cinemateca.pt/getattachment/7e700d6a-b8e8-48c6-8893-1d0a2cae3425/
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A Cinematografia em Portugal

http://www.cinemateca.pt/getattachment/1954a7a2-7806-46ad-ad82-d916fb9e378c/
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Béatrice Joyeux-Prune :  L’art de la mesure  | Le Salon d’Automne (1903-1914), l’avant-garde, ses étrangers et la nation française

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Broken Letters: A Typogeography of Europe 

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http://bigthink.com/strange-maps/577-broken-letters-a-
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Christophe  Simeon, Le Futurisme : un ange déchu ?

http://www.histoire-politique.fr/documents/comptesRendus/
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Ernesto de Sousa,  ALTERNATIVA ZERO - Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea (Catálogo), Lisboa: 1977

http://www.ernestodesousa.com/?p=231

Fernando Pessoa e Álvaro de Campos

Nota:  Poemas e Textos ´de Fernando Pessoa e Álvaro de Campos foram consultados no Arquivo Pessoa, mantendo-se as referências indicadas no respectivo link de acesso

A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente considerada,

Textos de Crítica e de Intervenção. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1980.

1ª publ. in “A Águia”, 2ª série, nº 4. Porto: Abr. 1912.

 http://arquivopessoa.net/textos/3090

Saudação a Walt Whitman [a] 11-6-1915

Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.

1ª versão inc.:  Poesias de Álvaro de Campos . Fernando Pessoa. (Nota editorial e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1944.

http://arquivopessoa.net/textos/926

Ode Marítima

s.d.

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).- 162.

1ª publ. in Orpheu, nº2. Lisboa: Abr.-Jun. 1915.

http://arquivopessoa.net/textos/135

Ode Triunfal

Londres,  Junho. 6-1914

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).- 144.

1ª publ. in Orpheu, nº1. Lisboa Jan.-Mar. 1915. Lacunas completadas segundo: Álvaro de Campos - Livro de Versos. Fernando Pessoa. (Edição Crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993

http://arquivopessoa.net/textos/2459

Marinetti, Académico

s.d.

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).- 303

http://arquivopessoa.net/textos/91

Nós os de Orpheu, 1935

Textos de Crítica e de Intervenção  . Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1980. - 227.

1ª publ. in “Sudoeste”, nº 3. Lisboa: Nov. 1935.

http://arquivopessoa.net/textos/646

Inventing Abstraction 1910-1925, MOMA (Dez 2012-Ab 2013)

http://www.moma.org/visit/calendar/exhibitions/1291

Les Cloches de Corneville

Ø   1e acte. Openingsscène.mpg (duração: 7’46’’)

http://www.youtube.com/watch?v=Dzykgnk-yHw

Ø  Movie (Silent) based on Opera(1917)

http://www.imdb.com/title/tt0275266/?ref_=fn_al_tt_1

Marinetti, F.T.The Founding and Manifesto of Futurism:
 http://www.italianfuturism.org/manifestos/foundingmanifesto/

Marinetti, F.T Manifesto Futurista (1909)

Original publication in French: Le Figaro, Paris, February 20, 1909 (Italian version here)

Marinetti, F.T Zang Tumb Tumb

http://www.colophon.com/gallery/futurism/2.html

Jules Massenet- Meditation de Thaïs (duração: 5’42’’)

Intérpretes: Sarah Chang e Placido Domingo

http://www.youtube.com/watch?v=LasbhkKzfOo

Menino d’Olhos de Gigante (Desenho e Manuscrito), CAM

http://cam.gulbenkian.pt/index.php?article=67236&visual=2&langId=1&queryParams=,
autor%7CJos%C3%A9%20de%20Almada%20Negreiros&position=6&queryPage=5&debug=1

‘On the Artist’ Translated in Lindsay and Vergo, Kandinsky, Complete Writings, p. 409. http://thekandinskyproject.wordpress.com
/2013/06/28/test/

Que reste t-il de nos amours  (duração: 01’42’’)

(lyrics  & music: Charles Trenet / Léo Chauliac) (1942)

http://www.youtube.com/watch?v=X70tMctRfyY

Revista Contemporânea (1915-26)

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/FichasHistoricas/Contemporanea.pdf

 

Salão Chiado (Porto)

http://www.cinemateca.pt/getattachment/6b8bef74-04a5-4729-
a182-9fe34c6b98ca/

Salao-Chiado.aspx

Sob o signo de Amadeo. Um século de arte, Exposição no Centro de Arte Moderna (26 jul 2013 | 19 jan 2014, Lisboa.

Em breve: Sob o Signo de Amadeo - Ciclo de conferências (7, 14, 21 e 28 de Novembro de 2013)

http://www.cam.gulbenkian.pt/index.php?article=71742&
visual=2&langId=1

Obras de Amadeo patentes na Exposição

http://www.cam.gulbenkian.pt/index.php?headline=94&visual=2&pesquisar=1&autor=Amadeo de Souza-Cardoso&langId=1

Sonia Delaunay-Terk and Blaise Cendrars. La Prose du Transsibérien et de la petite Jehanne de France (Prose of the Trans-Siberian and of little Joan of France. 1913). (duração: 01’56’’)

1913http://www.moma.org/explore/multimedia/audios/339/4328

The History of Diaghilev's Ballets Russes 1909-1929

http://russianballethistory.com/

The Kandinsky Project . Wassily Kandinsky in the 21st Century

http://thekandinskyproject.wordpress.com/

Wassily Mayakovsy Cloud in Pants  (Adaptted from the Russian by Augustus Young)

ARS INTERPRES, An International Journal of Poetry, Translation and Art

http://www.arsint.com/2006/v_m_6.html 

Dispositivo de Captação de Imagem: N95, (Câmara digital: 5 Megapixels, Lente Zeiss de 2592 x 1944 pixels)