MNEMÓSINE
Maria do Sameiro Barroso (poemas) & Martins Correia (pintura)
15-05-2005 www.triplov.org

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CLAREIRAS SUSPENSAS

Em clareiras suspensas de procura - reencontro,

assiste-se à navegação de astrolábios, estrelas,

astros,

numa auréola gasta de palavras calcinadas.

O corpo balançando, ao ritmo das danças

de areia, barcos, orvalhados liláses,

em aras esquecidas, templos, libações de outrora,

que revivem,

em míticas fulgurações de centauros,

mar,

encantamento.

EM CARDUMES AZULADOS

"La mémoire est cette autre forme de l'oubli "
Robert Bréchon

Escrevo a primavera nocturna, azul,

no corpo de vigília e sono,

no desejo secreto de imolar os ventos,

os desertos,

as palavras de olhos vítreos para acalmar

o rumor fundo da morte, colada à raiz dos freixos,

da urze,

no mar, onde os peixes, em cardumes azulados,

se alimentam do plâncton invisível

segregado

na luz / na escuridão do esquecimento.

A QUIETUDE DA ÁGUA

Acordam no sono as dunas, as imagens,

numa surdina lenta de estrelas nacaradas,

num extremo silêncio,

na muralha rasgada de relevo perfeito.

E dormem no sono, acordam no sono:

a janela estreita, a quietude da água,

o saibro acobreado, a etérea fonte,

como se a noite inteira se desfizesse

e cantasse a casa (a Héstia),

a matriz salgada

e, nas estrelas do mar, o sono dos barcos

acordasse, entre o sonho, a catarse,

sob as vestes de linho

da deusa Memória.

A NOITE DOS CENTAUROS

Num bosque de silêncio rasurado,

o tempo rodava em seu leme antigo,

Terpsícore tocava, em sua harpa de ouro,

a música e o esquecimento,

tecendo, na roupagem do vento,

a constelação dos faunos, ninfas e nereides,

as mãos apertadas,

o corpo flutuando como um barco;

os cavalos avançando, bebendo, pela lua nova,

o arco retesado de formas imutáveis,

retidos

na noite dos centauros.