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MARIA DO SAMEIRO BARROSO:
JOÃO CURVO SEMEDO - EM BUSCA DA QUÍMICA DA VIDA

«Ser alquimista é compreender a química da vida»
PARACELSO

JOÃO CURVO SEMEDO nasceu em Monforte em 1 de Dezembro de 1635 e morreu em Lisboa a 26 de Novembro de 1719. Estudou em Lisboa, no Colégio de Santo Antão; formou-se na Universidade de Coimbra. Exerceu clínica em Lisboa, onde rapidamente granjeou uma enorme fama como inventor de remédios. Este autor é muito discutido pelos críticos e historiadores da Medicina, alguns dos quais o acusam de se ter desviado de métodos rigorosamente científicos para se entregar a superstições, usando um excessivo empirismo. Foi, no entanto, considerado médico muito notável e erudito, tendo sido o primeiro médico português a empregar a quina (1). Foi Médico da Casa Real e Familiar do Santo Ofício, cargo que, no entanto, deve ser entendido à luz da mentalidade da época, pois permitia-lhe investigar e viver sem problemas com a Inquisição (2).

ARMANDO MORENO considera-o: «um dos grandes vultos da Medicina portuguesa, e um grande clínico e preparador de mezinhas» (3), salientando que: «O contacto com a doença e a miséria, terá criado nele a ideia que a vida não era uma fonte de prazeres, mas de sacrifícios. Em breve foi nomeado médico do Paço e, aos poucos foi experimentando mezinhas, cuja composição só ele sabia e que vendia por elevado preço, num tal segredo que «nem as aranhas vissem».

Só aos 80 anos consentiu em publicar a Polianteia Medicinal. Quando lhe perguntaram como conseguira atingir essa idade, terá respondido, não sem sentido de humor e uma gota amarga de verdade: «Vendendo as mezinhas, mas nunca as tomando» (4). Curiosamente, na sua obra Atalaya da Vida, faz uma lista de mezinhas sigilosas asquerosas que se utilizavam em Portugal, prevenindo contra os seus malefícios. Como vemos, a confusão quanto aos meios utilizados era grande e deixava dúvidas, mesmo a quem os inventava, fabricava e defendia.

Os livros que escreveu foram os seguintes:

Tratado da Peste; Polianteia Medicinal; Atalaya da vida contra as hostilidades da morte; Observações médicas doutrinais de cem casos gravíssimos; Manifesto feito aos amantes da saúde; Memória dos remédios esquesitos que da Índia e outras partes podem dar purgas estando os humores crus e Tratado do ouro diaforético, sua preparação e virtudes.

Após a sua morte, ocorrida em 25 de Novembro de 1719, na cidade de Lisboa, as obras que escreveu continuaram a ser bastante populares, tendo continuado a ser divulgadas pelos seus descendentes. Em 1783, foi publicado o Compendio dos Segredos Medicinaes, ou Remedios Curvianos, mandado imprimir por MANUEL JOSÉ CURVO SEMEDO, já com «privilegio exclusivo de Sua Magestade, e licença expressa da Real Junta do Proto Medicato» (5). Não podemos deixar de salientar a importância e eficácia atribuída aos remédios, que continuavam a ser largamente utilizados, na falta de melhores meios, pois o tratamento das doenças só começará a ser eficaz , no final do século XVIII (6). Convém ter em conta que o século XVII traz poucas inovações terapêuticas, para além da quina e da ipeca (7). Não existia, também, neste tempo, qualquer codificação de preparação dos medicamentos, nem qualquer tipo de regras de controlo, emanando da autoridade régio ou do poder real. Cada farmacêutico fabricava as suas misturas em função de critérios próprios ou baseando-se nas tradições locais (8).

O receituário, desde a Idade Média e até ao séc. XVII e XVIII, contava com drogas que possuíam efeitos seguros mas contava também com remédios de natureza muito duvidosa, ou mesmo nociva, tais como: excrementos de animais ou de proveniência humana, relacionada com ideias primitivas de superstição e magia. Muitos destes produtos, utilizados como remédios eram caríssimos e não possuíam qualquer efeito, pois, as crenças voltavam-se para as propriedades mágicas dos produtos (9). AMBROISE PARÉ (c. 1510-1590) foi o primeiro a testas a eficácia clínica destes preparados e a condenar a utilização do uso da múmia (10).

 

(1) Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Editorial Enciclopédia, Lisboa- Rio de Janeiro, s. d., Volume VIII, pg. 313-314.

(2) Diccionário Bibliographico Portuguez, Estudos de INNOCENCIO FRANCISCO DA SILVA applicaveis a Portugal e Brasil, Tomo III, Lisboa, Imprensa Nacional, 1819, pgs. 357-358.

(3) ARMANDO MORENO, O Mundo Fascinante da Medicina, Volume I, A Medicina e a História, História da Medicina Universal, Lisboa, 1998, ARMANDO MORENO, Volume II, Parte I, Capítulo Prémios Nobel que não foram atribuídos , pg. 74.

(4) ARMANDO MORENO, Op. cit. , Volume II, Parte I, pg. 62.

(5) MANOEL JOZE CURVO SEMMEDO, Prólogo a Compendio dos Segredos Medicinaes, ou Remedios Curvianos que inventou e compos o Doutor JOAÕ CURVO SEMMEDO, Lisboa, 1783, pg. 7.

(6) MAURICE TUBIANA, História da Medicina e do Pensamento médico (Les Chemins D'Esculape, tradução de TELMA COSTA, Teorema, Lisboa, 1995, pg 119.

(7) JEAN-CHARLES SOURNIER, História da Medicina (Histoire de la Medicine), Tradução de Jorge Domingues Noguelos, Instituto Piaget, Lisboa pg. 191.

(8) JEAN-CHARLES SOURNIER, Op. cit ., pg. 192.

(9) MARTIN MÁDL, Ausstelung Historischer Apotheken (Exposição de Farmácias Históricas), Národni Muzeum, Praga , 2001, pg. 55.

(10) A. TAVARES DE SOUSA, ibidem .

Publicado em Medicina na Beira Interior, Da Pré-História ao Século XXI, Cadernos de Cultura, Nº 18, Novembro de 2004, Castelo Branco, pp. 53-57.