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MARIA DO SAMEIRO BARROSO

CANCIONEIRO DE SILVES - II

A ÁGUA, A FLOR E O LUME
A água, a flor e o lume, as variações do hipocampo,

a Estela Guedes falando de Herberto Helder.

Estávamos em Silves, a noite era fria, a aragem límpida,

o vento lúcido.

Ao longe, um incêndio.

Nas golfadas de aroma, a noite primitiva e só respirava,

entre a sílica e o açúcar,

num longo canto, onde o odor se inclinava,

em montanhas claras, hialinas.

 

Nas têmporas, a luz irradiava.

Nas grandes árvores do cérebro, a ânsia era a seiva e a flor,

sobre os muros cálidos, brancos, as glicínias amenas,

e as buganvílias exuberantes.

Nas variações da lua endógena, a terra era o cântico,

o fulgor, o oceano do sangue.

A água era a fonte, onde os leões bebiam a sua sede,

a noite era um violino.

Ao longe, um deserto brilhava, entre âmbar, rolas,

neblinas, canteiros verdes.

 

Nas galáxias da escuridão, as palavras irrompiam,

longas, como fábulas.

Num copo cheio de música, a poesia era um ancoradouro

branco, na Fábrica do Inglês,

entre artefactos de cortiça e a maquinaria antiga.

No silêncio, coberto limões repletos, o céu floria.

 

Entre o hipocampo e a amígdala, o vento era roxo,

a noite fria.

Nas metáforas da seiva, as metáforas da vida,

os hibiscos de lume,

a lua coberta de crateras, órbitas fendidas,

aquedutos brancos.

No cérebro, em pedúnculos de sílabas,

 

oscilavam membranas cor de pérola.