As palavras, prendê-las na
ficção tua pele, na aragem
de lava, onde o rio e o mar
se encontram,
nas túmidas labaredas das
encostas reclinadas.
As palavras, prendê-las,
possui-las, arrancá-las,
na língua, nos crustáceos,
nas ânforas, nas serpentes
marinhas, no culto dos
deuses ctónicos,
entre estátuas de
guerreiros lusitanos,
num castro da Idade do
Ferro.
As palavras, as tuas
rosáceas de silêncio, o teu rumor
de jóia milenar.
Em Santa Luzia, sob a lua
vidente, atravesso a rede
claríssima da tua aragem
fresca e suave.
Nos teus remos, nos teus
ciclos, escuto a febre,
os seus teares, tecendo a
alquimia que os fios do silêncio
assombram.
No rumor das tuas parias e
falésias, retumbam a sombra,
a luz, as inscrições de
névoa.
Num dia que de ti retive, o
meu nome era um aroma frágil,
encimado por roseirais de
pedra.
Junto de um torque da Idade
dos Metais,
o meu coração
transformava-se num amuleto
de ouro e filigrana.
Por mão alheia, percorria a
génese, as gemas, a loucura,
a chama suicidária.
Para ser barco, faltava-me
o fogo límpido a brilhar no céu.
Para ser corpo, faltava-me
ser desejo, rio,
desenho oculto, amplexo de
luz, na fronte lodosa,
coberta de violoncelos
verdes.
Para ser barco, faltava-me
o mar, o vestígio, o abraço,
o teu arabesco branco,
desperto na labareda dos anseios.
Para ser pedra, faltava-me
a tua fronte, coroada
de súbitas esmeraldas.
Para ser flor, sempre me
faltaram os penedos,
os búzios, salpicados na
claridade da espuma.
Para ser arco, sempre me
faltaram as rédeas
para conduzir a garupa do
sonho.
Para ser nome, sempre me
faltou o crânio sincopado,
fendido na orquídea branca
de um esqueleto de bruma.
Para ser poema, faltava-me
o teu canto, o teu corpo pétreo,
etéreo.
Para ser asa, faltava-me a
nesga, o céu, a Senhora da Agonia,
as festas, os arraiais, a
alegria do povo.
Para ser gesto, fímbria,
movimento apenas,
faltava-me a tua sombra
inquieta, o teu recinto núbil,
ou os lábios verdes do teu
beijo a eclodir
entre pontes e glicínias,
a florir no vórtice
dulcíssimo
da tua carícia de mimosas. |