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MARIA DO SAMEIRO BARROSO
DEMOCRATIZAÇÃO DA POESIA OU BANALIZAÇÃO DA PALAVRA
III BIENAL DE POESIA DE SILVES - 25-28 de Abril de 2008
A PALAVRA E O TEMPO

Toute aube est mortelle. Je reviens
Du noir pays au delà des songres. ”
Robert Bréchon (1)

A poesia, em sentido geral, pode ser definida como «a expressão da imaginação» e é congénita do homem”, disse Shelley (2)

É possível que a poesia seja tão antiga como o homem. Chegaram até nós instrumentos musicais, flautas, trompas e instrumentos e percussão do Neolítico. Já foi mesmo levada a cabo uma reconstituição da música da Idade do Bronze (c. 1100-1300 a. C) por investigadores do Museu de Pré e Proto- História de Berlim, na qual foram tocadas trompas, utilizadas em cerimónias rituais (3). Trata-se de música de caça.

Do Período anterior, no Paleolítico, chegaram-nos imagens magníficas de pinturas rupestres (4). A arte é congénita. Diríamos com Shelley. Sabemos que nessas grutas, as pinturas eram cenário de cerimónias religiosas, destinadas a propiciar a boa sorte na caça. O actor central era o sacerdote, o xamã (5). O homem vivia numa simbiose mágica com o mundo e os seres superiores cuja protecção procurava invocar. Ele era o intérprete entre os deuses e os homens entre os deuses e os homens. É possível que as suas palavras mágicas fossem já poesia. É possível que os primeiros sacerdotes, que eram também curandeiros, fossem também os primeiros poetas.

Detalhe de cena de dança, pintada na gruta de Cogul, Museu Arqueológico de Barcelona, Espanha, Louis-René Nougier, L’Art de la Préhistoire, Editrice Torinese, Toulouse, 1982, A arte do período magdalense, p. 242.

Os primeiros registos escritos surgiram na Suméria. Nas tabuinhas de argila. Nelas foram gravadas os primeiros poemas que falam do nascimento do mundo e dos deuses, do casamento sagrado, simbólico da casamento entre o céu e a terra, a vida e a morte, e da união dos deuses e dos homens, em hinos que evocam a fertilidade:

«Campos férteis, campos divinos,

Os campos de Athiratu e Rhahmayyu, » (6)

O casamento de Dumuzi e a deusa Inana são cantados:

« Inana, com a ajuda de sua mãe,

banhou-se na água, ungiu-se com óleo doce,

decidida a colocar sobre si

o grande vestido real;

agarrou também os amuletos humanos e de animais,

enquanto colocava as pedras de lápis-lazuli

no pescoço

e segurava o seu cilindro na mão.

A jovem ficou à espera, —

Dumuzi abriu a porta,

e como uma centelha de luar ela acercou-se dele

para fora de casa.

Ele olhou-a, alegrou-se,

Tomou-a nos braços [ e beijou-a ] (7).




Imagem e decalque de feiticeiro da Gruta dos três irmãos, em Ariège, no Sul de França. Representa provavelmente um xamã. Tem características combinadas de homem, cavalo, veado, ave e urso, in Goran Burenhult, Enciclopédia Ilustrada da Humanidade (The Illustrated History of Mankind ), Volume I, Bra Böcker, Os primeiros homens, tradução de Afonso Carmona Teixeira, Círculo de Leitores, Lisboa, 1985, p. 114.

As placas fixam os ensinamentos dos deuses, inaugurando o progresso que trazem à humanidade. Na epopeia de Gilgamesh, este procura a planta da imortalidade:

«Gilgamesh, para onde corres?

A vida que persegues jamais encontrarás.

Quando os deuses criaram a humanidade,

foi a morte que deram aos humanos,

e a vida guardaram-na para si nas mãos » (8).

Pintura e decalque da representação mais antiga de coito conhecida até agora. A cena encontra-se gravada na Gruta dos Casares, em Riba de Saelices, pertencente ao período gravetosolutrense. A figura masculina volta a cabeça para ver um mamute. O seu falo enorme está representado sobre o ventre e o púbis de uma figura de mulher com marcada esteatopigia. . Estas características enquadram-se na simbólica dos rituais de fertilidade deste período O decalque da direita, pertencente a La Marche, mostra um coito frontal do período magdalense, in Javier Ângulo, Marcos Garcia, Sexo en Piedra, Sexualidad, Reprodution y Erotismo en Época Paleolítica, Luzán 5, S. A. de Ediciones, Madris, 2005, pp. 150-151.
Também, na antiga Índia, cerca de 2500 a. C., os Ayurveda, são textos poético- religiosos, ditados aos homens pelos deuses. No antigo Egipto, os textos poéticos mais antigos, no final do Império Antigo, os Textos da Pirâmides são de carácter religioso. É possível, que, desde o Paleolítico, os homens e mulheres se conquistassem mutuamente, oferecendo flores ou dizendo poemas, mas não chegaram registos. Do Período Paleolítico, provém a cena mais antiga de coito (9). Do período Neolítico, da primeira metade do VI Milénio, uma estatueta proveniente de Çatalhöyük, representa um homem e uma mulher abraçados, representa o casamento sagrado (10).

Os primeiros poemas de amor, entre mortais surgem, nos registos escritos, na poesia assírio-babilónia, em tudo semelhantes às cantigas de amor, cantadas entre os deuses. O Cântico a Shu-Sin, parece tratar do casamento sagrado entre Shu-Sin e uma sacerdotisa. No entanto, nada alude a uma situação cultual e o nome Shu- Sin pode ser uma metáfora masculina, pode não corresponder a um deus (segundo B. Alster, Sumerian Love, pp. 135-136). O poema foi gravado numa pequena placa de argila que se encontra no Museu de Istambul (11):

«Noivo do meu coração querido,

Agradável é o teu prazer, é doce mel;

leão do meu coração querido,

agradável é o teu prazer, é doce mel.

Tu cativa me deixaste, tremendo diante de ti.

Noivo, eu deixaria que me levasses para a alcova

Tu cativa me deixaste, a tremer diante de ti. ».

Na poesia de amor do Império Novo, no Egipto de que é exemplo um poema de amor do papiro Harris datado de 1500 a. C., o amor entre os humanos é já cantado sem qualquer referência aos deuses:

«A amada chegou, e o meu coração rejubila,

abrem-se os meus braços para a abraçar.

O meu coração está tão feliz, no seu lugar,

como os peixes no lago.

Ó, noite, és minha para sempre,

desde que a minha amada chegou!» (12)













Figura 6- O casamento sagrado in Ord. Sedat Alp, Song, Music, and Dance of Hitites: Grapes and Wines in Anatolia during the Hittite Period, tradução inglesa de Yaprak Eran, Kavakliedere Cultural Publications, Ankara, 2000, p. 15.

O homem sempre viveu, amou, pensou (13) e, tal como Hölderlin, talvez a humanidade tenha dito, um dia: “ Foi nos braçosdos deuses que eu cresci.”(14).

A fixação dos textos era possível, mas não era prática, por isso, a tradição oral era a forma comum da transmissão destes textos. Na civilização micénica, da qual surgirão as primeiras grandes epopeias europeias, a Ilíada e a Odisseia, a tradição oral assume um papel fundamental, escritas VIII por Homero (embora haja quem ponha em causa a sua existência histórica). Os bardos, os aedos, sabiam de cor estes longos poemas, quem recitavam de corte em corte, memorizando em verso estes tesouros da civilização.

Na tradição oral, havia muitos mais conhecimentos a transmitir, tal como ensinamentos medicinais, fórmulas encantatórias, receitas de poções, encantamentos e mezinhas, fixadas, muitas vezes em fórmulas poéticas, para tornar mais fácil a sua memorização ou a sua capacidade para actuar (15).

Embora esta poesia não se possa considerar arte, a verdade é que o veículo poético sempre serviu para transmitir de geração em geração todo o que havia de mais importante e precioso, em termos de ensinamentos religiosos, medicinais, de forma a que não se perdesse a sabedoria de vida ou as conquista técnicas que a humanidade havia conquistado. Na civilização clássica a escrita, embora se tenha generalizado, tinha a sua difusão dificultada, pois os manuscritos tinham que ser copiados à mão. Foi assim até à invenção da impressão por Gutenberg (1390-1468), no século XV. É claro que, ao nível da poesia dramática, da filosofia, do direito, as cópias eram cuidadosamente preservadas, mas, na tradição oral.

Podemos dizer que a poesia oral, que hoje não serve para nada, até àquela altura, servia para tudo.

Vamos então voltar ao tempo de Gutenberg para restituir à poesia a sua utilidade inicial?

Claro que não. Até porque, a parir da Grécia Clássica, com o nascimento do pensamento filosófico, os pré-socráticos, haviam já começado a explicação do mundo através da physis e o racionalismo já se instalara, tendo rompido definitivamente com o elo mágico que norteara as épocas anteriores. A cisão entre os homens e os deuses já era um dado estabelecido, o pensamento racional substituíra o pensamento mágico, embora este continuasse a existir e continue a existir até hoje. Pela palavra poética, segundo Shelley, “O poeta participa do eterno e do uno; não existem, pois tempo, ligar e número que determinem as suas concepções” (16).

Um dia, tentei definir o que era para mim a poesia, esse rio infinito que desvenda a luz, o transcendente, o imanente. Nela integramos tudo o que é humano, divino. Nela vivemos tudo, mesmo o que não vivemos, integrando a própria morte, a violência, a crueldade, nela totalizamos o ser, em toda a sua inerência ontológica. Só ela faz de nós seres completos, ao unirmo-nos ao amor e ao eterno, ao sonho e ao infinito. As palavras podem ser banais, os dias decepcionantes, por isso a poesia existe, para nos revelar esse jardim, onde procuramos a nossa identidade oculta, a nossa dimensão secreta, que nos devolve à nova identidade viva. Por isso, a poesia é feita de palavras simples, eternas, primordiais, despertas na luminosidade das suas auroras de frescura. Regista todo o que procuramos e vivemos, tudo o que amamos, tudo o que construímos, com toda a verdade, beleza e sinceridade, ou a simplicidade de rasgar um véu, que nos devolve a nós próprios, aprisionados, no quotidiano dos dias.

A poesia é mágica, iniciática e profética. O poeta procura as palavras que contém as chaves de si mesmas. Por elas se afirma e se transforma. Por elas vive. Só na poesia, o Uno se abre e recupera, porque é através dela que recuperamos a vida, os sonhos e os arquétipos. Por isso, os poetas escrevem, a partir desse livro invisível, onde bebemos a luz, no imenso caudal, onde repousa a primeira árvore, a primeira flor, os primeiros sons ou o primeiro murmúrio de toda a linguagem esquecida.

A vida verdadeira, de que falou Rimbaud, é impossível de viver, tão fluida e demolidora é a sua incandescência. Por isso, apenas nos aproximamos dela e das palavras que apressam o tempo, eternizam a memória, radicalizam o instante. A poesia, tal fluido que brota desse jardim primordial é energia, impulso, fenda, e as suas palavras são incisões de morte, feridas irisadas, sangrantes, reflexões incontidas, longamente buscadas, na verdade mágica do imaginário. Por isso, a sua vocação é órfica e reveladora.

Orfeu, o primeiro Poeta, tocou a lira mágica da vida, penetrou nos segredos da morte, visitou o Hades, mas a sua amada Eurídice, não resgatou, porque duvidou, olhou para trás, céptico e descrente, preso na sua condição humana. Fausto também viria a provar os fruto do Inferno e a encontrar Helena. Já Margarida, como penitente, havia chegado aos céus.

Um dia, também sonhei com o deserto, com tentações. Alguém me dizia: — Repara, o deserto está cheio de palavras. Só tens de seguir-me, se me quiseres conhecer. Tudo terás de mim, conforto, amor, não mais precisarás de fazer da dor a tua casa.

— És Mefistófeles? perguntei.

Não, sou a Poesia. Mitigo a dor humana e ofereço-te o meu reino, ungido no aroma das orquídeas, no orvalho das rosas, na claridade das palavras. Toma-me, porque desconfias. Eu sou o bálsamo que procuras, no reino das trevas. Sou toda a tua vida.

Numa palavra, dar-te-ei toda a sabedoria que a humanidade acumulou. São estes os meus tesouros preciosos.

Aceita-me, se me quiseres. Por vezes, também te atormentarei, é claro, com a minha claridade, a minha urgência. Os gumes certeiros da minha verdade incomodar-te-ão.

Mas sou o teu único conforto, o teu mais íntimo refúgio.

Não sou Mefistófeles. Mas ofereço-te um reino, como vês.

Repara, o deserto está cheio de palavras, apetitosas, como tâmaras, hibiscos, lótus de água.

Fiquei perplexa. Não precisas de me dar resposta, respondeu.

Outros reinos perscrutarás, navegarás na luz, nas sombras, e fazes bem e duvidar, pois de dúvidas se faz o que é humano.

Já foi dito que, na linguagem humana, apenas não é possível não comunicar (17).











Estatueta de terracota do “Pensador” de Hamangia, IV milénio, proveniente da necrópole de Cernavoda, Roménia, Museu Nacional da Antiguidade, in Louis-René Nougier, L’Art de la Préhistoire, pp. 479-481.

No nosso tempo, com as experiências do post-modernismo, a arte foi levada a experiências múltiplas, minimalistas, ou de arte pobre, com sucesso. A música também empreendeu rupturas significativas com os paradigmas do passado.

Na poesia também ocorreram experiências. A palavra pode ser banal mas não devemos esquecer que “A Poesia é uma arte da linguagem ”, tal como afirmou Paul Valéry (18).

As palavras podem ser baças e sem brilho. Mas é preciso que sejam transformadas em diamantes.

Segundo Hölderlin: “ Was bleibt aber, stiften die Dichter” (Mas o que fica, os Poetas o fundam”) (19).

Maria do Sameiro Barroso, de pé, depois de lida a sua comunicação à III Bienal de Poesia de Silves. Na mesa, com ela, da direita para a esquerda: maria Estela Guedes, Silvestre Raposo, Luís Serrano e Luís Madeira.

(1) Shelley, Defesa da Poesia, pp. 38-89.

(2) Paul Watzlawick, Pragmática da Comunicação, S. Paulo, Cultrix, 1993.

(3) Paul Valéry, Discurso sobre a estética poesia e pensamento abstracto, Vega, Lisboa., 1995, p. 61.

(4) Hölderlin, Poemas, tradução de Paulo Quintela, Relógio d’Água, Lisboa, 1991, p. 30.

(5) «A madrugada é sempre mortal Eu regresso/Do obscuro país para além dos sonhos», António Ramos Rosa/ Robert Bréchon, Meditações Metapoéticas/Méditations Metapoétiques, Edição bilingue, Caminho, Lisboa, 2003, pg 24.

(6) Shelley, Defesa da Poesia, Guimarães Editores, Lisboa, 1986, p. 30.

(7) Stephan Maier, Klingende Zeugen der Bronzezeit, Ur-und Frühgeschichtliches Institut der Freien Universität Berlin, 1997, p. 4.

(8) Figura 1- Detalhe de cena de dança, pintada na gruta de Cogul, Museu Arqueológico de Barcelona, Espanha, Louis-René Nougier, L’Art de la Préhistoire, Editrice Torinese, Toulouse, 1982, A arte do período magdalense, p. 242.

(9) Figuras 2 e 3 – Imagem e decalque de feiticeiro da Gruta dos três irmãos, em Ariège, no Sul de França. Representa provavelmente um xamã. Tem características combinadas de homem, cavalo, veado, ave e urso, in Goran Burenhult, Enciclopédia Ilustrada da Humanidade (The Illustrated History of Mankind ), Volume I, Bra Böcker, Os primeiros homens, tradução de Afonso Carmona Teixeira, Círculo de Leitores, Lisboa, 1985, p. 114.

(10) «Fertile fieldes, fields divine,/The fields of Athiratu and Rahmayyu.», El e Athiratu são deuses ugaríticos. Rhamaayyu é uma deusa-mãe que alimenta os deuses recém-nascidos, Simon B. Parker, Ugaritic Narrative Poetry, Society of Biblical Literature, U.S. A., 1997, pp. 207- 209.

(11) «Innana at her mothers bidding/bathed in water, anoited herserf with sweet oil,/decided to put on for outer garment/the grand queenly robe;/she also took her man-beast amulets, /was straightening the lapis lazuli stones/on her neck/ and held her cylinder seal in her hand,/The young ladystood waiting—/ Dummuzi pushed (open) the bdoor,/and like a moonbeam she came foth to him/out of the house./He looked at her, rejoiced in her,/took her in her arms [ and kissed her ] .», Thorkilk Jacobsen, The Harps that once, Sumerian Poetry in translation, Yale University Press, New Haven and London, 1987, p. 21.

(12) José Nunes Carreira, Literaturas da Mesopotâmia, Centro de História da Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2002, p.155.

(13) Figuras 4 e 5 – Pintura e decalque da representação mais antiga de coito conhecida até agora. A cena encontra-se gravada na Gruta dos Casares, em Riba de Saelices, pertencente ao período gravetosolutrense. A figura masculina volta a cabeça para ver um mamute. O seu falo enorme está representado sobre o ventre e o púbis de uma figura de mulher com marcada esteatopígea. Estas características enquadram-se na simbólica dos rituais de fertilidade deste período. O decalque da direita, pertencente a La Marche, mostra um coito frontal do período magdalense, in Javier Ângulo, Marcos Garcia, Sexo en Piedra, Sexualidad, Reprodution y Erotismo en Época Paleolítica, Luzán 5, S. A. de Ediciones, Madrid, 2005, pp. 150-151.

(14) Figura 6- O casamento sagrado in Ord. Sedat Alp, Song, Music, and Dance of Hitites: Grapes and Wines in Anatolia during the Hittite Period, tradução inglesa de Yaprak Eran, Kavakliedere Cultural Publications, Ankara, 2000, p. 15.

(15) José Nunes Carreira, Literaturas da Mesopotâmia, pp. 86- 87.

(16)«Die Geliebte ist gekommen, und mein Herz jauchzt,/meine Armen sind offen, sie zu umarmen./Mein Herz ist so froh an seinem Platz/wie Fische in ihrem Teich./O Nacht, ewig gehörst du mir,/seit meine Herrin zu mir Kam!», !» Erik Hornung, Altägyptische Dichtung, Philipp Reclam jun., Stuttgart, 1996, p. 152, Tradução nossa, in Maria do Sameiro Barroso, A mulher e a medicina mágico-religiosa no antigo Egipto, Cadernos de Cultura Medicina na Beira Interior, da Pré-História ao Século XXI, N. º XXI, Castelo Branco, 2007, p. 17.

(17) Figura 7 – Estatueta de terracota do “Pensador” de Hamangia, IV milénio, proveniente da necrópole de Cernavoda, Roménia, Museu Nacional da Antiguidade, in Louis-René Nougier, L’Art de la Préhistoire, pp. 479-481.

(18) “Im Arme der Götter wuch ich gross.”, Hölderlin, Poemas, tradução de Paulo Quintela, Relógio d’Água, Lisboa, 1991, pp. 106-107.

(19) Um dos episódios mais curiosos de História da Medicina Antiguidade é a de Mitridates Eupator (c. 130-63 a. C.). Este, para escapar às tentativas de envenenamento dos seus adversários, criou uma receita que consistia em tomar diariamente doses muito pequenas dos diferentes venenos até conseguir tomar, sem perturbações aparentes, doses que seriam perigosas ou letais para uma pessoa não preparada. A resistência aos venenos ficou conhecida, na Medicina, por mitridização. Assim, criou um antídoto universal, o Mitridaticum, composto por 54 ingredientes, que posteriormente foi considerado infalível como preventivo e curativo de inúmeras moléstias. Quando o seu reino caiu às mãos dos Romanos, Mitridates, tendo-se tornado imune aos venenos, teve que pedir a um escravo que o matasse pela espada. O seu Mitridaticum foi então trazido para Roma, como valioso despojo de guerra. A sua fama foi crescendo. Andrómaco de Creta, médico de Nero, juntou-lhe carne de víbora, que, considerada como animal peçonhento por excelência, parecia constituir o antídoto natural para venenos de todas as castas e aumentou o número dos seus componentes para 63. Para uma melhor memorização, fixou o texto em verso, tendo-o transformado na Triaga ou Teriaga, que foi largamente utilizada, sendo muito popular, desde a Idade Média (A. Tavares e Sousa, Curso de História da Medicina, Das Origens ao Século XVI, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 85). Ficaram famosas as descrições da sua complicada preparação, na República e Veneza, e, mais tarde, noutras cidades da Europa, onde era preparada, em público e seguindo um complexo ritual, constituindo uma valiosa mercadoria que era comercializada no Oriente. No final do séc. XVIII, a receita desapareceu completamente do moderno arsenal terapêutico (Martin Mádl, Ausstelung Historischer Apotheken (Exposição de Farmácias Históricas), Národni Muzeum, Praga, 200, p. 65).

Maria do Sameiro Barroso é licenciada em Filologia Germânica e em Medicina e Cirurgia, pela Universidade Clássica de Lisboa. Exerce a sua actividade profissional como médica, Especialista em Medicina Geral e Familiar.

Em 1987 iniciou a sua actividade literária, tendo publicado livros de poesia e colaborado em antologias e revistas literárias. A partir de 2001, a sua actividade estendeu-se à tradução e ensaio, tendo publicado, em revistas literárias e académicas.

Em 2002 iniciou a sua actividade de investigadora, na área da História da Medicina, tendo apresentado e publicado trabalhos, nesta área.