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MARIA DO SAMEIRO BARROSO
LUZ SOBRE O ABERTO
Homenagem a António Ramos Rosa

Não há árvore, fruto ou abismo que o teu coração não conheça,

mas improvável é sempre a chama da tua respiração,

na luz sobre o aberto,

onde o caminho para o infinito é o ardor que toda a palavra sustém.

Em ti brilham as sílabas, as imagens, as entranhas das páginas.

Nenhum grito te rasga porque és a própria luz sobre o abismo

inominado das origens.

 

Nenhum grito te abre, nenhum gume te fere, porque és

a própria abertura.

Nas tuas árvores, na tua pele, brilham as dunas, o deserto,

as entranhas do mundo.

Nas tuas veias, brilham oásis sempre férteis.

Nenhum grito te rasga, porque és o grito intraduzível

de uma respiração poderosa.

No teu sangue, derramam-se cascatas brancas, cascatas fulvas,

onde corre um rio exaltado de preciosas salinas.

Os teus ouvidos são membranas vibráteis,

abertas sobre as constelações da noite.

 

Em ti, todas as chamas são lagoas de linfa, sulcos, estrias,

meandros do indizível

Os teus próprios muros são silêncio, fruto, jóia,

apontamento íntimo.

As tuas clareiras são rasgadas por sulcos.

De bálsamo e frescura é o teu rosto.

Quando falas das feridas, escuto as guitarras, as árvores,

os insectos, as paredes brancas, as aves mais puras.

 

Nenhum grito te rasga, porque és a própria nudez despojada.

No turbilhão dos labirintos, voltas-te sempre para o sítio,

onde janelas se abrem e se incendeiam,

nos fluxos de lava, onde os aprendizes se acolhem.

 

Quando indagas o mundo e os seus enigmas, indagas o silêncio,

a bruma, nos arcos transparentes habitados pelo Ser.

És sempre a espiral de uma vertigem que se encontra,

em seu clamor de veludo, em suas águas de silencio,

onde desejo e alvor se fundem, na madrugada do teu corpo,

 

onde o universo é uma metonímia de figuras azuis.

 

Maria do Sameiro Barroso

 
In Homenagem a António Ramos Rosa, Revista Textos e Pretextos, nº 9 Outono/Inverno, 2006, Centro de Estudos Comparatistas, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa.

Maria do Sameiro Barroso é licenciada em Filologia Germânica e em Medicina e Cirurgia, pela Universidade Clássica de Lisboa. Exerce a sua actividade profissional como médica, Especialista em Medicina Geral e Familiar.

Em 1987 iniciou a sua actividade literária, tendo publicado livros de poesia e colaborado em antologias e revistas literárias. A partir de 2001, a sua actividade estendeu-se à tradução e ensaio, tendo publicado, em revistas literárias e académicas.

Em 2002 iniciou a sua actividade de investigadora, na área da História da Medicina, tendo apresentado e publicado trabalhos, nesta área.

 




 




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